Wednesday, October 31, 2007

Duas ideias da última caminhada com o UPB


A primeira

As grandes obras, no caso da barragem de Paradela, possuem sempre efeitos laterais sobre a paisagem para além dos óbvios. O que não deixa de ser uma boa oportunidade para reflectir sobre os efeitos de outras que se anunciam. Quando falamos de uma barragem pensamos logo nas terras que vão ser submergidas, nas casas que vão desaparecer, mas esquecemo-nos de reflectir nos efeitos silenciosos que essas obras terão. Não sou contra o progresso. Aceito-o e defendo-o. Recuso a hipocrisia urbana de quem quer os montes para coutada espiritual e abandona os rurais ao triste destino de se manterem pobres na terra ou participarem no êxodo. Simplesmente não compro o progresso como meramente benéfico. Fico entre Paris e Tormes, da Cidade e as Serras de Eça de Queiroz. Nem só as luzes do progresso, nem apenas o retiro edílico e bucólico.

Apercebi-me melhor desses efeitos quando fui consultar a carta antiga da zona percorrida pela caminhada. A barragem não marcou a paisagem apenas com a albufeira. Forçou ao abandono de muitos campos e prados a que se acediam por caminhos agora submersos. Não posso afirmar que a barragem tenha sido a única razão, mas com a excepção da zona junto ao lugar da Gafaria e alguns campos próximos de Sirvozelo, a margem direita da albufeira é uma zona abandonada.

A segunda

A história dos locais não se lê e aprende apenas nos livros. Lê-se e aprende-se também nos pequenos indícios, nas pequenas conversas com os pastores, na história que a senhora da aldeia nos conta, etc.. É por isso que procuro sempre falar com algumas pessoas dos locais por onde caminho.

Nesta caminhada a existência de algumas casas num lugar ermo poderia ser apenas mais uma curiosidades da montanha. O nome do local dá no entanto a pista para a sua origem, Gafaria. Este local foi uma antiga leprosaria medieval. A sua origem está perfeitamente evidenciada no nome. Na verdade a designação dos lugares é uma vezes uma das melhores pistas sobre a sua origem ou antiga função. Ainda que por vezes se deva procurar no português antigo os reais significados. Um exemplo de uma leitura não imediata: Prados da Messe = Prados do centeio.










Tuesday, October 23, 2007

Novamente o castelo de Bouro

Gosto ler sobres os locais onde caminho. É uma forma de aproveitar melhor as caminhadas que faço. Uma forma de ficar mais atento para pequenas coisas que me poderiam passar despercebidas. Numa dessas leituras fiquei com algumas dúvidas sobre a localização do castelo de Bouro. Eu já o tinha procurado numa excursão magrugadora e solitária desde a Casa dos Bernardos. E, ainda que não tivesse encontrado qualquer vestígio, confiava ter estado lá a contemplar a Serra do Gerês ao sol de Abril. Nessa manhã, sentado numa fraga a trincar uma maça, perdi-me nos recortes do horizonte. Locais que então desconhecia e que agora adoro percorrer. Quando regressei para almoçar a Campo dos Abades, ter encontrado o castelo ajudou a que percebessem melhor a excentricidade de quem madruga para percorrer os montes.

Recentemente, convencido que o Castelo e Castro seriam designações do mesmo sítio arqueológico, comecei a localizá-lo num outro local, ainda que próximo do primeiro. Uma passagem das Memórias Paroquiais de 1758 e uma descrição do castelo encontrei na web sustentavam esta minha nova certeza. Uma das fontes localizava-o sem qualquer dúvida no Piorneiro e outra descrevia um castro, designado-o também por fortaleza, no mesmo local. Escrevi isso aqui e disse-o aos meus companheiros de caminhada. Só que estava enganado.

O castelo de Bouro e o Castro são dois sítios arqueológicos distintos, ainda que muito perto um do outro. Do arqueólogo Luís Fontes, que em 2003 o estudou para a CM Terras de Bouro, recebi informação bastante clara sobre um e outro. E, como acredito que, tal como eu, muitos se interessam por conhecer os montes que caminhamos, transcrevo parte dessa informação.



O Castro

"Nas plataformas superiores, definidas por paredões que fecham as aberturas entre penedias e dos quais se conservam vestígios, recolhem-se fragmentos de cerâmica grosseira e observam-se aglomerações de pedras, que poderão corresponder a ruínas de construções.Trata-se dos vestígios de um povoado de altura, que se pode considerar grosseiramente fortificado e cuja ocupação, pela sua tipologia formal e pela ergologia dos materiais cerâmicos, por se vincular com uma exploração de recursos de modelo pastoril e possuir como contexto arqueológico as mamoas de Chã da Nave, se poderá situar entre os IV e II milénios a.C.. Alguns autores situaram aqui, erradamente, o castelo medieval de Bouro.

Escolhido como marco para limite do couto do mosteiro de Santa Maria de Bouro, o “Castro mao”, como aí é referido, faz parte do imaginário colectivo das populações vizinhas, que o apreendem como algo estranho, misterioso, relacionado com uma ocupação longínqua com a qual não se identificam,originando efabulações em torno da sua inacessibilidade e dos riscos da sua escalada - a este propósito é notável a descrição feita pelo pároco de Chamoim,José Coelho da Silva, em resposta ao questionário de 1758 (vulgo MemóriasParoquiais)."


Como uma das minhas leituras, que erradamente interpretei, foi a "notável a descrição feita pelo pároco de Chamoim", logo que me seja possível procurarei publicar-la em conjunto com a gravura que a acompanha.


O castelo de Bouro

"O Castelo, como é conhecido localmente, é a elevação que remata o esporão do maciço do Piorneiro que se estende mais para nascente, sobranceiro ao profundo vale do Ribeiro de Freitas. Com 890 metros de altitude, o monte é coroado porum denso caos de blocos graníticos de grandes dimensões, que no topo se sobrepõe formando abrigos e lapas naturais. Separado do volume maior da serra pela Chã do Castelo, a Oeste, e praticamente inacessível por qualquer outra das vertentes, possui uma implantação de grande espectaculosidade, proporcionada pela visão esmagadora do imponente maciço da serra do Gerês, que lhe fica fronteiro. Daí se domina uma ampla paisagem sobre o curso alto do Rio Homeme sobre todo o vale do Ribeiro de Freitas, que estabelece a ligação natural entreas bacias dos rios Homem e Cávado.

Na mais ampla plataforma superior, circuitada por uma cerca formada por paredões que fecham as aberturas entre penedias e dos quais se conservam vestígios significativos, recolhem-se fragmentos de cerâmica doméstica e observa-se o resto dos alicerces de uma construção de planta quadrangular,encostada à massa rochosa.

Trata-se dos vestígios de uma fortificação que, pela tipologia formal e pela ergologia dos materiais cerâmicos, e ainda pela sua estreia ligação ao caminho carreteiro, perfeitamente estruturado, que liga Seara a Covide e lhe dava acesso, se pode classificar como castelo roqueiro, característico dos primórdios da nacionalidade. Considerando as suas características construtivas, a implantação geo-estratégica e localização relativa e as fontes medievais que lhe fazem referência, seria este o castelo de Bouro.

Para a aceitação de que o castelo de Bouro corresponde ao local e vestígios acima descritos concorrem, não só as características tipológicas, comuns a tantos outros castelos que se ergueram nos cumes dos montes do Entre Douro-e-Minho, mas também o facto de as população das aldeias próximas assim o designarem, distinguindo-o claramente da elevação do Crasto, que lhe fica a Sudoeste, e sobretudo o contexto histórico-arqueológico em que se insere, em que releva o estar fora do couto do mosteiro de Santa Maria de Bouro e ser servido por uma via própria.

A sua edificação deverá datar do século XII, ao tempo das primeiras iniciativasde Afonso Henriques para afirmar a independência do reino de Portugal. Nas Inquirições de 1220 e 1258 já é amplamente referenciado, evidenciando-se as pesadas obrigações e encargos de praticamente todas as freguesias do Julgado de Bouro relativamente à manutenção do castelo.

Com a Portela da Amarela e a Portela do Homem, o castelo de Bouro constituíao vértice de um triângulo de vigilância e defesa da importante via decomunicação de origem romana que penetrava no interior galego, a célebre“Jeira” (ou Geira), a via XVIII do itinerário de Antonino que se manteve em usoaté bem entrada a Época Moderna.

O castelo, uma construção elementar aparentemente estruturada à base de madeira, que tinha que ser refeita praticamente todos os anos, terá conhecido uma ocupação recorrente mas não permanente, servindo sobretudo em períodosde conflito. Nunca foi, portanto, um castelo residencial, onde habitasse o senhorda Terra, mas antes uma instalação estritamente militar, de ocupação eventual, relacionada com um sistema regional de defesa da fronteira com a Galiza. Comos desenvolvimentos modernos da arte da guerra, nomeadamente a difusão do uso da artilharia a partir do século XVI, o castelo de Bouro deixou de ter qualquer importância militar, devendo datar desse período o seu abandono."

Thursday, October 18, 2007

PR2 - Trilho do Castelo (Terras de Bouro)


O dia amanheceu em tempo de Verão tardio. O Sherpa foi o primeiro a chegar a Terras de Bouro. O Passo Largo, a Senhora do Monte, o Quarto Crescente, a Lua Nova (a mais nova UPBotista a caminhar) e o Louro (o escrevedor nomeado voluntário) chegaram um pouco mais tarde ao pequeno-almoço. A Nogueira, depois de resolver um pequeno contratempo pneumático já tinha seguido para Santa Isabel do Monte e já nos esperava em Campos Abades.

Pelas 10h00 começamos a caminhar. À frente o Quarto Crescente ia anunciando as marcações. Era sempre o seu olhar atento o primeiro a descobrir as marcas do PR, um campeão no jogo do “Xacobeo”.

Primeiro por uma paisagem rural de enorme beleza. Entre as aldeias de Campos Abades e Seara, o trilho percorre velhos caminhos entre bosques e campos de lameiro. Pouco depois da Casa dos Bernardos, uma antiga granja dos frades Bernardos recuperada para turismo rural pela CM Terras de Bouro, um cão de uns caçadores resolveu juntar-se a nós. E, apesar de termos tentado que regressasse ao seu dono, só quando entendeu é nos deixou. Na saída da aldeia de Seara encontrámos algumas marcações vandalizadas, “apagadas” com tinta verde. É complicado compreender a motivação para tal, mas não foi complicado seguir o caminho.

Depois a paisagem foi de chãs elevadas, zonas de pastos percorridas por pastores e cavalos em liberdade. O Castelo que baptiza o trilho seria um castelo roqueiro há muito abandonado. A sua existência está documentada e terá sido importante no início da nacionalidade.

Almoçamos no coreto de Covide e no final deu tempo para um cafezinho. O percurso seguiu depois pela encosta a este. Primeiro por antigo caminho e depois por caminhos de pé posto. Um caminho com umas vistas fantásticas sobre a Calcedónia e vale do S. Bento da Porta Aberta. Nesta parte do percurso as marcações nem sempre foram fáceis de seguir, mas é a zona mais bonita do trilho. Novamente em Seara, novamente as marcações vandalizadas. Junto a um moinho de água foi preciso ter alguma atenção para não perder o percurso. O trilho seguiu depois por um bosque e levou-nos de regresso a Campos Abades pela antiga escola. Agora abandonada. Ao seu lado existe uma construção mais moderna, mas provavelmente da mesma forma vazia de alunos.

Regressámos aos carros e terminámos no Tosko, em Covide, a comer a bolo de chocolate da Nogueira. Uma grande caminhada, com o recorde de idades UPBotistas largamente rebaixado e com um grande campeão de “Xacobeo”.

texto publicado em Um Par de Botas

Wednesday, October 17, 2007

Na montanha com Miguel Torga

Os Serviços de Documentação da Universidade do Minho (SDUM) realizaram no passado Sábado uma caminhada que me deu um enorme prazer. Realizada em ritmo de passeio, num percurso curto entre Campo do Gerês e a vila do Gerês, a caminhada associou a leitura de textos de Miguel Torga à montanha que ele percorreu.

Inserida nas actividades dos SDUM por ocasião do Centenário de Miguel Torga, a caminhada decalcou numa anterior realizada pela CM Terras de Bouro. O percurso acessível permitiu a participação caminheiros menos experimentados, mas não defraudou os mais experientes. Em locais determinados, com a colaboração do Sindicato da Poesia de Braga, foram lidos poemas e textos retirados do Diário de Miguel Torga. Escutados naquele enquadramento os textos ganharam uma outra dimensão. Não é segredo que Torga é o meu escritor favorito. Poeta era como ele se considerava, mas a sua obra é muito mais que poesia. A sua prosa não é inferior à sua poesia. O seu Diário, que comecei a ler mais tarde, é extraordinário. Reflexões diversas sobre quase tudo e com uma actualidade impressionante. A Criação do Mundo, ainda que na primeira pessoa, é um impressionante retrato de um país. Um retrato que nem sequer escondende algumas das contradições pessoais. Obra de um canibal, como chega a reconhecer. Miguel Torga amou como poucos a paisagem de Portugal. Amou-a com os seus defeitos e misérias. Não a amou porque a idolatrava, mas porque sentia que a ela pertencia. Não a venerava no altar da história e das glórias pátrias. Amava-a carnalmente.

Foram muitos os textos lidos e não posso transcrever todos. Deixo apenas dois que ilustram bem o que pretendi salientar.


"Castro Laboreiro, 6 de Agosto de 1948

Não, não terei a hipocrisia de dizer que seria aqui o meu paraíso, aqui que não há papel, nem tinta, nem cinema, nem livrarias, nem cafés, nem nehum dos tóxicos de que necessito. O homem põe, mas a vida dispõe. A cidade é como prostitutas: o seu amor é falso, mas vence o de qualquer mulher honrada. Agora que estas pedras, estes gados, estas alturas que vivem recalcadas no meu sangue, não há dúvida. Aquele desgraçado Boileau, que pouco ou nada sabia de poesia, disse uma verdade imorredoira:

Chassez le naturel, il revient au galop.

Mal apanho uma aberta, sou como um galgo pelos montes acima. Não posso dizer o que sinto, nem o que procuro. Mas as pedras parecem-me fofas debaixo dos pés. A parte mais íntima de mim encontra-se e expande-se. Citadino e perdido, sou na verdade uma montanha comprimida."


"Coimbra, 7 de Dezembro de 1949

Não é por nacionalismo que seria uma tolice. É por funda necessidade cultural que peregrino a pátria. A realidade telúrica dum país, descoberta pelos métodos dum almocreve, é muito mais instrutiva do que trinta calhamaços de história, botânica ou economia. Sem acrescentar que é com o seu próprio corpo que o homem mede o berço e o caixão...

Eça falhou n'A Cidade e as Serras porque nunca calcorreou as serras. Camilo é muito mais autêntico porque atolava os pés no barro que moldava.

Temos que conhecer a nossa terra. Mas conhecê-la por dentro, sem preconceitos de nenhuma ordem. Amá-la, sim, mas objectivar-lhe tanto quanto possível os defeitos e as virtudes, para que o nosso afecto seja fecundo e progressivo.

Portugal tem sido visto ou por arqueólogos ou por obececados. São horas de tentar compreendê-lo doutro modo. Nem o cisco dos cacos, nem o delírio histórico. Uma radiografia profunda, que revele a solidez do esqueleto sobre o qual todo o corpo se mantém."


Há caminhadas que simplesmente me atraem como actividade física. Ir mais longe, mais alto. Há caminhadas que valem pela companhia, por uma vista, por uma pedra. Esta valeu por ter escutado Miguel Torga como não saberia ler.

Tuesday, October 09, 2007

O novo período albufeirozoico

Barragem da Paradela, Outubro de 2007

"Paradela do Rio, 1 de Julho de 1956

Estes tempos de barragens são uma verdadeira era nova do mundo. Qualquer dia na escola, o mestre aponta o mapa e diz:

- Antes do período Albufeirozoico aqui era o Barroso.

Miguel Torga - Diário"


Passaram mais de 50, mas o recente anúncio do novo Plano Nacional de Barragens demonstra-nos como as receitas de hoje se parecem com as receitas do Portugal de ontem. O que interessa é anunciar a "era nova" com toda a pompa. Parece que estamos condenados a ter todas as barragens possíveis e uma torre eólica no cimo de cada monte sem fazer um debate sério sobre as opções energéticas. Antes de afogar o país em albufeiras devia haver coragem para promover esse debate.