Tuesday, October 25, 2011

A VEZEIRA DA RIBEIRA

Recentemente encontrei um artigo publicado na revista GeoPlanUM, publicada pela Associação dos Estudantes de Geografia e Planeamento da Universidade do Minho. O artigo trata a vezeira da Ribeira, uma das vezeiras em actividade na Serra do Gerês e deu-me oportunidade de pensar sobre a razão histórica da sua existência. Sabia desta vezeira e já me tinha interrogado sobre as suas razões considerando as suas particularidades actuais. Uma curiosidade que nunca tinha ido muito longe, mas que este artigo despertou.

Sobre o artigo publico-o como o li, sem fazer qualquer comentário para além desta pequena introdução. Os que conhecem a serra sabem que parte do território indicado como pertencente à vezeira da Ribeira é hoje tido como da vezeira de Fafião. Uma disputa antiga entre as vezeiras que tanto julgo saber terá tido origem numa alteração da demarcação dos territórios administrativos, uma vez só modernamente o Rio Fafião passou a demarcar os limites de Fafião. Uma questão que julgo estar actualmente encerrada por acordo entre as partes e que procurarei esclarecer numa outra oportunidade.

Verifica-se, mais uma vez, que determinados locais mudam a sua designação de acordo com as fontes. O curral de Entre Águas parece corresponder ao Poço Verde e o aqui referido como curral do Conho, diferente do outro mais a norte e mais conhecido, recebe o nome da linha de água vizinha. Fico ainda com algumas dúvidas se o Curral do Cando, não referido, não será utilizado também por esta vezeira. Embora só conheça um acesso a este curral por cotas mais elevadas seguindo a cumeda da Corga das Giesteiras. Os currais referidos acabam por ser a quotas substancialmente mais baixas dos das outras vezeiras.

O artigo não esclarece as razões da existência de uma vezeira no concelho de Vieira do Minho na Serra do Gerês e eu julgo ter uma explicação. Hoje pode parecer estranho  que a vezeira atravesse a albufeira de Caniçada numa barcaça (julgo que cedida pela EDP como compensação) e suba à serra  para aproveitar os pastos de altitude  no concelho de Terras de Bouro, mas sem sempre isso foi assim. Se sobre a albufeira o artigo deixa claro que é uma barreira moderna, pelo que antes o gado passava o rio Cávado sem problemas, não explica os direitos históricos da vezeira da Ribeira na Serra do Gerês.

Eu atrevo-me a avançar com uma hipótese. Uma hipótese contida na designação da vezeira. É que as freguesias que hoje integram a a vezeira pertenceram a um antigo concelho chamado Ribeira do Soaz. Um concelho de que também fazia parte a freguesia de Vilar da Veiga. Ora, Ermida é hoje um lugar de Vilar da Veiga e já o era então. Pelo que julgo ser esta a justificação dos direitos históricos da vezeira da Ribeira. A extinção do concelho da Ribeira do Soaz não extinguiu os direitos de pastagens e o gado contiuou a subir à serra sem olhar aos limites administrativos. Tal como os direitos de Fafião se mantiveram no concelho de Terras de Bouro.












A VEZEIRA DA RIBEIRA*
Américo Castro, André Lima, José Salgado e Pedro Pereira**

Resumo

A pastorícia constitui, nas áreas de montanha, uma prática secular e a Vezeira da Ribeira não é uma excepção à regra, pois realiza-se há mais de dois séculos na região do Parque Natural da Peneda-Gerês. Estas tradições rurais tendem a desaparecer, quer devido ao abandono das áreas rurais por parte das populações mais jovens, quer pelo facto de a criação de gado em regime livre ser um negócio cada vez menos lucrativo. Apenas sobrevivem graças ao esforço de algumas pessoas que se sentem realizadas pelo facto de continuarem a fazer com que o costume não seja ultrapassado nem esquecido lutando para manter um hábito que muitos teimam em ver extinto.

A Vezeira da Ribeira viu-se envolvida, nos últimos anos, numa “batalha” que a opôs à direcção do Parque Nacional Peneda-Gerês. Este passou a integrar a rede europeia PAN-Parks, e para tal necessitava de cumprir um conjunto de requisitos obrigatórios, nomeadamente possuir uma área virgem de 10.000 hectares completamente desprovida de acção humana. A única área possível era a ocupada por esta e outras Vezeiras da região.

Neste artigo pretendemos expor alguns conceitos necessários à compreensão desta temática, bem como apresentar a Vezeira da Ribeira, o seu percurso e as suas principais problemáticas.

* Artigo baseado no trabalho “A Vezeira da Ribeira” realizado na Unidade Curricular de Geografia Física de Portugal II e orientado pelo Doutor Bento Gonçalves
** Alunos do 3º Ano de Geografia da Universidade do Minho no ano lectivo de 2008/09

1. Pastoreio em Áreas de Montanha

Desde os tempos mais remotos que as populações das áreas rurais dependem dos recursos que o solo lhes dá. O Homem foi-se adaptando e ultrapassando as dificuldades apresentadas pelo relevo, recorrendo a diversas técnicas e sempre a um grande espírito de entre-ajuda e cooperação. Desta forma, conseguiu elaborar estratégias para a resolução dos seus problemas agrícolas e de pastoreio. Este equilíbrio foi alcançado com base na sustentabilidade e conservação dos sistemas produtivos que compunham todo o território serrano.

As aldeias destas áreas têm uma forte ligação com a montanha e, ao longo dos séculos, os seus habitantes foram aprendendo a tirar proveito desta localização. Assim sendo, a principal actividade das aldeias serranas, na maioria dos casos única, assentava numa agricultura de subsistência baseada na produção animal em regime extensivo e em práticas comunitárias muito fortes. Desta forma, a complementaridade entre as áreas agrícolas e as áreas serranas são fundamentais para a produtividade dos sistemas agrários e para a sobrevivência da população. A criação de gado dependia, fundamentalmente, da produtividade das pastagens serranas, visto que o alimento disponível para o gado nas áreas agrícolas era, na maioria dos casos, insuficiente para a sua alimentação ao longo do ano.

As pastagens serranas são compostas sobretudo por áreas de matos e prados naturais ou semi-naturais de montanha e ainda de sub-bosques. As que estão localizadas a menor altitude suportavam o gado na maior parte do ano, sendo que de Maio a meados de Outubro o gado permanecia na serra sob vigilância de pastores.

Geralmente estes permaneciam no interior das brandas, que são a implantação de núcleos habitacionais localizados no cimo da serra para onde as populações se deslocavam no Verão levando consigo os seus animais para pastarem durante toda a época estival, realizando, também, algumas tarefas agrícolas adaptadas à altitude e ao clima aí existente nessa época do ano. No restante período do ano para contornar os Invernos rigorosos as populações desciam com o gado para núcleos habitacionais situados nos vales, local onde passavam toda a época fria. Esta prática é designada de Inverneiras.

Um outro tipo de movimento do gado em área serrana é a chamada Vezeira, que consiste numa prática comunitária de pastoreio do gado, em que cada pastor guarda “à vez” o rebanho de toda a aldeia. De acordo com o número de cabeças de gado pertencente a cada agricultor, são-lhe atribuídos dias de vigilância ao rebanho comunitário. Terminados esses dias a tarefa transita para outro pastor e assim sucessivamente até que todos os pastores pertencentes à Vezeira cumpram a sua obrigação de guardar a manada.

2. As Vezeiras

Desde tempos remotos, e ainda na actualidade, a posse de terra e de gado servia de base para a diferenciação social, assim, possuir uma junta de vacas era um símbolo de riqueza. Considerava-se que quem possuísse vacas tinha que ter, obrigatoriamente, recursos para as sustentar. Assim sendo, teria de ser proprietário de um considerável património, que garantisse a pastagem e a produção de feno suficiente para alimentar o gado durante o Inverno. Neste sentido, e tendo em conta que nem todos conseguiam ter gado, as comunidades viam-se obrigadas a rentabilizar ao máximo os recursos disponíveis e a criar estratégias de cooperação para aceder aos recursos essenciais, com custos mínimos, de modo a tornar sustentável a posse de gado mesmo por aqueles que tinham poucos recursos.

Em regiões onde existiam imensos constrangimentos, nomeadamente características físicas do terreno adversas e condições sócio-económicas débeis, as populações locais tiveram a necessidade de responder a estas adversidades de modo a minimizar os seus esforços e a rentabilizar a sua actividade. Para tal, entre outras acções, organizou o pastoreio de acordo com: o tipo de animais, a natureza dos pastos, e as condições específicas de cada comunidade. Estas, embora sejam diferentes nos diversos locais, correspondem a uma diversidade de esquemas de vigilância, que por sua vez correspondem a um modo de vida que é o silvo pastoril comum.

Foi neste âmbito, que apareceram diversas estratégias tais como o “Boi do Povo” e a vezeira. A primeira, o Boi do Povo, consistia na associação dos vários lavradores de uma aldeia para a compra, manutenção e sustento de um ou mais touros reprodutores. A quantidade destes animais dependia do número de vacas existente na povoação. Deste modo, aqueles eram propriedade comum dos diversos lavradores e tinham como principal função a reprodução. Por norma, a manutenção do Boi estava a cargo do conjunto de lavradores, utilizando, entre eles, um sistema de rotatividade, em que cada um ficava com o animal por um período de tempo proporcional à quantidade de vacas que possuía.

A segunda estratégia, a vezeira, é uma velha prática comunitária de pastoreio em que num só rebanho, ou manada, se juntam as cabeças de gado de 10, 15, 20 ou mais proprietários (Santos Júnior, 1980:422). Estas manadas comuns eram levadas para as pastagens pelos diversos proprietários, num sistema rotativo sempre de acordo com o número de cabeças que cada um possuía. Assim sendo, o número de dias atribuídos a cada proprietário variava de aldeia para aldeia, dependendo, principalmente, do tamanho e da quantidade de manadas existentes. Deste modo, poderia ser estabelecido que cada proprietário teria de efectuar um dia de vezeira, por cada cabeça de gado, ou então, um dia por cada cinco ou dez animais. Estas Vezeiras podiam ser permanentes, ou seja efectuadas diariamente durante todo o ano, ou então, serem sazonais, isto é, realizadas durante um determinado período do ano, que poderia corresponder a determinada estação do ano ou a épocas de maior trabalho.

Este método de pastoreio está a desaparecer aos poucos. Esta situação deve-se, fundamentalmente, à desertificação populacional destas áreas, provocada pelo aumento da emigração e imigração, bem como à florestação de extensas áreas de baldios que tem levado a uma redução drástica das áreas de pastagem. De forma a preservar o crescimento das árvores, passou a ser proibida a pastorícia, principalmente de cabras, nas áreas florestadas.

Situações como estas têm vindo a fomentar a venda dos animais, tornando progressivamente inviável a realização de vezeiras.

3. A Vezeira da Ribeira

As freguesias da Vezeira da Ribeira pertencem a Vieira do Minho, no entanto, as suas pastagens encontram-se já no concelho vizinho, ou seja, em Terras de Bouro. Esta, em outros tempos, permitia o atravessamento do rio Cávado por parte de centenas de cabeças de gado, este número, na actualidade, reduziu para dezenas de unidades. Vieira do Minho é um concelho do Norte de Portugal, em termos administrativos este insere-se na NUT II – Norte, mais concretamente na NUT III – Ave. Este concelho é constituído por vinte e uma freguesias, sendo que, a Vezeira em estudo, serve as freguesias de Louredo, Ventosa e São João da Cova.

Como já foi referido, este concelho situa-se na proximidade da serra do Gerês, o que faz com que em termos físicos, herde bastantes características deste maciço. É, deste modo, um concelho que ainda apresenta algum relevo granítico.

Trata-se de um concelho bastante rural, que apresenta uma população muito tradicional e algo dependente da agricultura. Em tempos, a agricultura constituía fonte de rendimento e era indispensável para a sobrevivência destas populações. Assim, as actividades agro-pastoris eram parte integrante do dia-a-dia das populações locais. Deste modo, grande parte das famílias destas freguesias viviam dependendo da terra e do gado, que constituía, em simultâneo, fonte de riqueza e de alimento. Estes estabelecem os dois pilares que garantem a reprodução socio-económica da população local (Taborda, 1932:131). Assim, a criação de gado assumiu um papel preponderante nas regiões de montanha, terras onde as condições extremas, nomeadamente, o rigor do clima e os solos muito fracos tornaram difícil a vida da população. Neste sentido, podemos dizer que, desde tempos remotos, a agricultura tem andado de mãos dadas com a pastorícia.

Será, ainda, pertinente referir que nesta área predomina o gado bovino, nomeadamente de raça Barrosã, no entanto, também se verifica a presença de algumas espécies caprinas e, muito raramente, ovinos Bordaleira. Uma outra espécie que se tornara uma importante fonte de rendimentos para os agricultores locais é o Garrano (equinos). Este encontra-se no Gerês, no entanto, já fora da área em estudo. Estes animais são muito importantes, quer pelo seu desempenho em trabalhos agrícolas, pela adubação e fertilização dos solos, quer enquanto produtores de carne para consumo próprio ou para venda. Como é evidente, um factor muito importante para a criação destas espécies é a existência de pastos naturais muito ricos, denominados de lameiros.

A Vezeira da Ribeira pode ser observada no concelho de Vieira do Minho, e em tempos, servia a população de cinco freguesias, no entanto, e como já foi referido anteriormente, actualmente limita-se às freguesias de Louredo, Ventosa e São João da Cova. Estas são freguesias ribeirinhas do rio Cávado, encontrando-se, todas elas, na margem esquerda do mesmo. Têm uma densidade populacional muito baixa (Louredo, Cova e Ventosa com respectivamente 0,63; 0,76 e 0,94 hab/ha), tal como as restantes freguesias do Concelho de Vieira do Minho, que varia dos 0,17 (Campos) aos 3,18 (Vieira do Minho) hab/ha.

Neste caso concreto, a vezeira consiste na travessia e subida do gado para a Serra do Gerês. Esta é uma tradição que integra a vida comunitária da região há mais de duzentos anos. Esta vezeira consiste na passagem do gado pela barragem da Caniçada, através de uma barcaça, saindo da freguesia de Louredo, do concelho de Vieira do Minho, para o lugar da Ermida no concelho de Terras de Bouro. Depois da travessia da albufeira, o gado sobe para a Serra do Gerês onde vai pastar durante os três meses seguintes.

A Vezeira da Ribeira e outras existentes no Parque Nacional da Peneda-Gerês, encontram-se envoltas numa problemática, pois os responsáveis pelo parque pretendem acabar com tudo o que seja brandas e vezeiras, isto porque pretende aderir à rede PAN-Parks, uma rede que junta os principais parques naturais europeus. Para alcançar este objectivo aquele parque tem de possuir no mínimo 10.000 ha de área sem qualquer intervenção humana, ou seja, uma área completamente virgem em que não se verifique qualquer actividade humana. Nesta questão reside a maior preocupação, pois dentro desta área de protecção total existem terrenos comunitários que pertencem aos baldios e às vezeiras de gado.

Pelo exposto, podemos dizer que esta problemática se apresenta como um pau de dois bicos. Pois, se por um lado se pode perder a oportunidade de aderir a uma rede europeia que Ao longo do percurso desta vezeira existem pequenas “cabanas”, apelidadas de Fornos, que estão disponíveis para os vezeiros pernoitarem enquanto acompanham o gado na subida. Podem integrar esta vezeira homens ou mulheres com idade superior a dezasseis anos.

Figura 1 – Enquadramento Geográfico da área em estudo.

Fonte: Worldwide shaded relief by ESRI using GTOPO30, SRTM, and NED elevation data from the USGS

As vezeiras nas últimas décadas têm sido bastante afectadas com o êxodo rural, as populações em busca de melhores condições de vida têm sido forçadas a abandonar estas freguesias mais remotas. A indústria é praticamente inexistente nestes locais e a agricultura apenas é utilizada na sua vertente de subsistência. Os poucos habitantes que continuam a viver nesta zona têm os seus empregos nas cidades mais próximas, Braga, Póvoa de Lanhoso e Vieira do Minho e por isso encaram a agricultura como uma segunda actividade. Para além de serem menos os habitantes, os actuais proprietários de gado possuem menos cabeças que noutras décadas, dada a dificuldade que existe em tratar dos animais.

Actualmente a Vezeiras da Ribeira conta com 16 sócios proprietários e um total de 23 cabeças de bovinos, na sua maioria de raça Barrosã e Galega. Em Junho e em Setembro, desde há longos anos, acontece o ritual da vezeira, o gado é então transportado de canoa (Barcaça) para a outra margem da barragem (a barragem foi construída em meados do séc. XX, antes disso o gado atravessava o rio a pé ou a nado) e de seguida é levado até ao topo da montanha onde vai passar três meses no pastoreio. Neste período estival, os proprietários, cada um pela sua vez, terão de vigiar o gado e garantir a sua segurança e pasto.

Nas zonas mais elevadas encontram-se alguns prados que conservam o alimento durante o período de maior calor e seca, graças à riqueza do seu solo e abundância de água. Na sua passagem e estadia pela Serra o gado alimenta-se, essencialmente, de fenos e ervas dos prados, assim como, matos como a urze que se encontram entre as rochas das encostas. Os prados, para além do alimento, disponibilizam as poucas sombras para os dias mais quentes e abrigos nas noites mais frias, assim como a água. Depois da passagem para as zonas altas da Serra do Gerês, os bovinos de diferentes proprietários pastam, em conjunto, entre Junho e Setembro, altura em que descem novamente as montanhas e regressam ao concelho de Vieira do Minho.

A Vezeira da Ribeira é regida por normas que ditam direitos e obrigações dos sócios, esta é chefiada por um Juiz, na actualidade pelo Sr. António Campos, cujo cargo é renovado anualmente através de eleições que são realizadas no dia do chamado. Como nos foi explicado pelo Juiz, (…) em tempos, era tudo muito mais rígido e seguido. Hoje em dia o cargo de Juiz já não é tanto uma honra, mas mais um encargo de grandes responsabilidades e que não dá qualquer lucro (…).

Todos os anos, há dois “chamados”, um antes da subida da vezeira, no penúltimo domingo de Maio, e a outra antes da descida da vezeira, no penúltimo domingo de Agosto. Nesse momento todos os sócios devem estar presentes, pelas 14 horas no lugar de Costarela (local de chamada), ou fazer-se representar por uma pessoa maior de idade. Como já foi referido, embora já tivessem tido um maior número, actualmente, esta sociedade tem cerca de 16 sócios que pagam uma cota de 25€ por ano. O “chamado”, que se realiza junto a um carvalho monumental, ainda se efectua como antigamente. Neste “chamado” ainda existe a tradição oral, ou seja, as questões são resolvidas na base da palavra, que funciona como uma espécie de escritura. É neste encontro que, entre outras coisas, se realiza a eleição de um novo Juiz e de dois Vogais.

Esta sociedade pode levar o gado, para a Serra do Gerês, a partir de 1 de Junho a 8 de Setembro. Cada sócio é livre de levar as cabeças de gado que quiser, no entanto, estas são previamente examinados para ver se estão bem de saúde e não têm qualquer tipo de doença com que possam contagiar outros animais, ou impossibilite o seu desempenho neste período de pasto livre.

Como já foi referido o pastor da vezeira assume o cargo de forma rotativa, tendo de ser avisado com uma antecedência de três dias para ir guardar a vezeira. Uma vez ao serviço não pode abandonar o gado sem justa causa. Este deve pernoitar junto do local onde está o gado, pois caso falte algum bovino será da sua inteira responsabilidade. Se por ventura algum animal adoeça, o pastor tem o dever de avisar o juiz, pois fica ao encargo da sociedade as despesas de transporte, veterinário e medicamentos.

Devido ao desconhecimento, por parte de autarquias e entidades, da existência da vezeira, esta não tem qualquer tipo de ajuda por parte de alguma delas. Assim, já há anos que se tenta angariar fundos para o restauro dos Fornos, de modo a permitir melhores condições de pernoita, potenciando, de certa forma, este acto como uma possível rota turística. No entanto, existe um entrave ao turismo que é o facto de alguns destes Fornos estarem em áreas protegidas.

Todos os anos a vezeira parte com grandes festejos e juntam grandes multidões que se deslocam aquele local para assistir a uma tradição que já é rara e está cada vez mais em perigo de extinção. No dia da subida da vezeira há convívio entre a população em geral, que sobe juntamente com aquela, levando couves, feijões e carne, essencialmente de porco, para confeccionar o típico prato desta vezeira “Feijões com couves”.

Foto 1: Barcaça da Vezeira da Ribeira

Após a partida, a Vezeira da Ribeira terá pastagens em comum com outras vezeiras, no entanto, duas vezeiras nunca podem estar no mesmo lugar e ao mesmo tempo. Em tempos idos, antes da construção da Barragem da Caniçada, os animais conseguiam atravessar o rio a pé ou a nado. Com a sua construção, em meados do Século XX, para realizar esta passagem, foi disponibilizada uma Barcaça que leva entre 8 e 10 cabeças de gado. Actualmente, com o número de espécimes que a vezeira possui, não é necessário realizar-se mais do que duas travessias.

A vezeira parte cerca das 7 horas da freguesia de Louredo para o lugar da Ermida em Terras do Bouro, acompanhada dos seus proprietários.

Geralmente, entre as cabeças de gado, apenas sobe um boi reprodutor, qualquer outro macho que acompanhe a manada é castrado, deste modo evitam-se conflitos entre eles. É de salientar que este é então o chamado “Boi do Povo”, que quando a vezeira se encontra nos baixos pastos, nos estábulos dos respectivos donos, vai circulando de forma rotativa por cada casa. O número de dias que permanece em cada proprietário é proporcional ao número de vacas que cada um possui.

Esta tradição permanece viva muito graças à vontade e empenho dos donos dos animais, que continuam a fazer valer o direito ancestral do uso das zonas de pasto na serra. Ao mesmo tempo, é a prova que estas localidades ainda mantêm em uso algumas das actividades do sector primário, actividades que são forte expressão da ruralidade e tipicidade desta região minhota.

4. Percurso da Vezeira da Ribeira

O percurso que é realizado pelos pastores e respectivo gado, quando efectuam a subida da vezeira, como é evidente, é realizado em várias etapas, nas quais os pastores vão deixando o gado nas diferentes pastagens do percurso, denominadas de Currais. Quando o pasto deixa de ter alimento, o pastor desloca consecutivamente a manada para a pastagem seguinte durante toda a época estival, até que, no fim desta, voltam a descer o gado dos pastos em altitude para permanecerem durante o Inverno nos pastos mais baixos, junto às aldeias. Como já foi referido, actualmente, nesta vezeira cada pastor guarda a manada por um número de dias correspondente ao dobro do número de cabeças de gado que possui. Quando termina o seu período de guarda, este entrega a manada ao pastor seguinte, no curral correspondente à sua posição. Neste momento o pastor tem de, obrigatoriamente, ter reunido todas as cabeças de gado no respectivo curral para que se realize, na presença dos dois pastores, a contagem dos animais. A referida troca de pastor, é sempre realizada ao pôr-do-sol. Ao passar o testemunho, o novo pastor encarregue pelo gado conta-o, verifica-o e, consequentemente, torna-se responsável por ele até à próxima troca.

Nesta vezeira encontramos, essencialmente, gado bovinos da raça Barrosã, e embora em menor proporção, bovinos da raça Minhota ou Galega, verifica-se ainda a existência de alguns caprinos.

Nas últimas décadas, o número de cabeças de gado desta vezeira tem vindo a diminuir drasticamente, passando de números da ordem das centenas para, na actualidade, possuir apenas duas dezenas. No que diz respeito à alimentação do gado, este ingere essencialmente erva, no entanto, quando esta escasseia, alimenta-se também de Urzes. Não obstante este facto, e ao contrário das cabras e das ovelhas, as vacas são mais selectivas no que diz respeito à alimentação determinando e limitando assim a escolha dos pastos.

A Vezeira da Ribeira estende-se numa área de cerca de 1100 hectares e cujo perímetro é de, aproximadamente, 12 km. Actualmente, 23 cabeças de gado compõe esta vezeira, sendo que, no decorrente ano, subiram, numa fase inicial, 21, e posteriormente juntaram-se-lhes mais duas. No entanto, segundo o juiz António Campos, a dimensão da manada subiu este ano em comparação com o ano anterior. No entanto nada que se compare com o passado em que o número era muito superior. Este ano a Vezeira da Ribeira aumentou o seu número de sócios, tendo actualmente um total de dezasseis associados.

Antes de apresentarmos o percurso desta vezeira consideramos pertinente a exposição de determinados conceitos relativos a esta temática e que podem ajudar na compreensão da mesma.

Assim, podemos dizer que um Forno é um abrigo, muitas vezes rudimentar, que permite a pernoita do pastor no local, junto ao curral.

Foto 2: Forno da Giesteira
Foto 3: Interior do Forno da Giesteira

Um Curral é uma área de pasto, mais ou menos plana, que permite o agrupamento da manada.

Foto 4: Curral da Giesteira


Uma mariola é um pequeno amontoado de pedras sobrepostas, que têm por finalidade sinalizar o caminho pelo meio da serra, assim, nos dias de nevoeiro os pastores guiam-se por estas de modo a não se perderem, na imagem que se segue podemos observar uma destas mariolas.

Relativamente ao percurso, antigamente os primeiros pontos de paragem eram na Ermida, no entanto, devido ao menor uso e número reduzido de cabeças de gado que a vezeira apresenta actualmente, estes já não são utilizados. Assim sendo, o primeiro ponto a ser utilizado presentemente é a Giesteira, que se encontra um pouco acima da cascata do Arado. Assim, verifica-se que na actualidade determinados pontos, ou por terem menor interesse, ou por serem de mais difícil ou perigoso acesso, são abandonados em detrimento de outros que, pelos motivos anteriormente referidos, vão sendo suficientes para as necessidades actuais.

Não esquecendo o declínio que esta prática vive actualmente, é de destacar, a existência de pastores que passam a noite em altitude com o rebanho. Acto, cada vez mais digno de respeito, quando se tem em consideração que as condições de albergue não são as melhores, pois actualmente a maioria dos Fornos onde os pastores pernoitam apresentam-se num estado degradado, em certos casos infiltram água. Facto que se deve, essencialmente, a uma inexistente manutenção dos mesmos nos últimos tempos.

Foto5: Mariola

Podemos, ainda, referir que se verifica a existência de dois tipos de Currais, os principais em que se observa sempre a presença de um pequeno abrigo, denominado de Forno, para o pastor passar a noite e de um ponto de água. As restantes são apenas locais de pastagem, em que o pastor deixa o gado e vai passar a noite no forno mais próximo do curral.

Consideramos que é notória uma certa rivalidade entre determinadas vezeiras, no sentido que, foram notadas diversas atitudes, por parte dos seus protagonistas, que denunciavam aquilo que poderíamos considerar um certo bairrismo. A título de exemplo, observamos em determinados locais gravações que ostentavam o nome da vezeira junto aos abrigos, e quando tal acontecia estavam sempre gravados ambos os nomes, como se defendessem a posse do local.

Segundo o Sr. António Campos, actual Juiz da vezeira, a Vezeira da Ribeira é mais antiga do que a vizinha Vezeira da Ermida e por isso, sempre que estas tenham pastos comuns, à chegada da Vezeira da Ribeira a Vezeira da Ermida tem de abandonar o local, prevalecendo, assim, um princípio de antiguidade.

No que diz respeito às diferentes paragens, este percurso divide-se em vários currais, cada um deles possui um forno, ou seja, um espaço com mais ou menos condições que permite aos pastores pernoitarem nos altos pastos, e um ponto de água. Este percurso serve as freguesias anteriormente referidas e inicia a sua subida para os altos pastos num local, a que chamamos de Barcaça, pelo facto de se efectuar a travessia do rio numa barcaça, cedida pela EDP quando se efectuou a construção da barragem, como já foi referido nos capítulos anteriores.

Na Figura 2 podemos observar os diferentes percursos existentes, a linha amarela representa o trajecto aproximado entre a Barcaça e o início dos percurso de altitude. Representamos esta parte do percurso de cor diferente porque não foi realizada pelo grupo. A vermelho temos os percursos de altitude que foram registados através de marcação GPS. Podemos, deste modo, ter uma percepção das distâncias percorridas pelos pastores e pelas suas manadas, deslocamento que é realizado a pé por zonas que, em certos casos, oferecem precárias condições de progressão.

Assim, como é possível observar, o gado pertence as freguesias da margem Sul do rio. No dia da subida os diferentes proprietários reúnem-se junto à Barcaça para a travessia do rio. De seguida inicia-se a ascensão para os pastos de altitude, numa caminhada de cerca de quatro horas até chegar a uma zona central, denominado de Tribela, em que os percursos se dividem. A partir deste ponto existe varias opções possíveis, que podemos apresentar em três percursos alternativos. Um primeiro que junta os pastos da Tribela à Giesteira e Malhadoura. Um segundo que parte da Tribela para Pinhô, seguindo para Entre Águas e Conho. Por último, um terceiro que parte na mesma de Pinhô, mas desta vez em direcção a Pousada e Bicos Altos. Existem ainda mais dois pequenos percursos que ligam a Tribela ao pasto da Corriscada e outro à pastagem de Viseu. Em tempos passados, em que as manadas eram de maiores dimensões, os pastos faziam-se poucos e, por isso, os pastores eram obrigados a percorrer a totalidade dos percursos durante a época estival. Actualmente, tendo em conta o número reduzido de cabeças de gado que formam as manadas estes percursos são usados de forma alternada de ano para ano.

Na Figura 3 podemos observar os diferentes percursos e os diferentes currais anteriormente referidos. É possível também verificar uma orientação generalizada para Norte em direcção às cotas mais elevadas e uma progressão dos percursos da Vezeira da Ribeira ao longo dos vales de altitude que apresentam entre si um certo paralelismo, talvez devido à existência de fracturas presentes neste maciço granítico. A deslocação da Vezeira é sempre realizada num sentido ascendente e circundados pelos cimos deste Maciço.

Figura 2: Enquadramento e percurso da Vezeira

Figura 3: Localização dos Fornos e percursos de altitude
 
Notas conclusivas


Em termos de conclusão podemos dizer que a vezeira ou “pastoreio à vez” é uma forma de criação de gado, assente em fortes ligações comunitárias que persistem na região, rompendo o individualismo reinante nas sociedades de consumo cosmopolitas. Estas representam tradições agrícolas cuja dimensão cultural poderia ser comparada a outras práticas como por exemplo o Boi do Povo, as Inverneiras, as Brandas e outras. São práticas que estão a entrar em desuso quer pelo facto de se verificar nas últimas décadas uma grande desertificação populacional das áreas rurais levando, deste modo, à diminuição da mão de obra disponível e por isso ao abandono das práticas agrícolas. Também podemos referir como causa a falta de rentabilidade económica que está ligada à agricultura tradicional dos nossos dias. Assim, podemos dizer que estas práticas sobrevivem pela insistência de um punhado de Homens que lutam, com o seu arduo trabalho, pela sobrevivência destas práticas ancestrais que forjam o nosso passado e as nossas raízes e que são parte integrante de uma cultura típica das zonas serranas.

Este abandono conduz a uma outra problemática que se discute muito na actualidade e que se relaciona com o desenvolvimento de diversos problemas das nossas áreas montanhosas, nomeadamente, os incêndios florestais. Assim, podemos dizer que o abandono destas práticas leva também a uma redução da protecção e da vigilância natural, pois, as serras “habitadas” tinham uma vigilância permanente realizada pelos locais. Já sem referir a questão das limpezas das matas realizadas pelos gado durante a pastagem e, também, pelos pastores que as efectuavam para permitir uma mais fácil utilização dos espaços.

É evidente que estas problemáticas não afectam apenas a Vezeira da Ribeira mas sim todo tipo de práticas agrícolas similares. Consideramos que talvez fosse pertinente um maior apoio por parte das autarquias e até o seu aproveitamento para fins turísticos que poderia tornar rentável uma prática centenária que já há muito deixou de o ser.

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GONÇALVES, A. BENTO (2006). Geografia dos Incêndios em Espaços Silvestres de Montanha – Caso da Serra da Cabreira. Tese de Doutoramento em Geografia, Ramo de Geografia Física e Estudos Ambientais. Faculdades de Letras, Universidade de Coimbra.
MEDEIROS, A. C. (2000). Geografia de Portugal, Ambiente Natural e Ocupação Humana, Uma Introdução. (5.ª edição). Lisboa: Editorial Estampa.
VIEIRA, L. J., (2004). Raça Bovina Cachena, Associação de Criadores da Raça Cachena. II Jornadas Técnicas de Raças Bovinas Autóctones, 5 e 6 de Maio de 2004. Escola Superior Agrária – Castelo Branco
CASTRO et al (2009). A Vezeira da Ribeira. Departamento de Geografia. Universidade do Minho., Guimarães.
Gravações Áudio efectuadas pelo Grupo na entrevista com o Juiz da Vezeira.
Jornal de Noticias; 2 de Janeiro de 2009. Novo plano do Gerês restringe pastorícia.
Jornal de Noticias; 19 de Janeiro de 2009. Residentes recusam fim de pastagens e da caça.


Wednesday, October 19, 2011

Tesouro escondido em Vilarinho da Furna?





 No Domingo passsado pude caminhar pela parte da aldeia de Vilarinho da Furna a descoberto. Uma experiência estranha e repleta de emoções contraditórias até que uma pedra chamou a minha atenção num muro. Primeiro foi pela forma perfeitamente talhada, depois pelo que me pareciam ser vestígios de antigas inscrições. Não ficaria surpreendido se viessem a descobrir que aquela pedra é parte de um marco miliário, possivelmente retirado das milhas mais próximas da antiga aldeia ( as milhas XXIX ou XXX). Uma "descoberta" que acrescentou emoções à emoção de passear pelas antigas ruas de Vilarinho.

Aparentemente a comprovar as minhas suposiçoes encontrei em «Thesouro de Braga descuberto no Campo do Gerez» - um levantamento da Geira realizado em 1721 pelo Padre José Matos Ferreira e que, apesar parciaçmente trancrito em outras obras, só em 1982 seria publicado pela CMTB - um relato interessante .

 Escreveu Matos Ferreira sobre a milha XXIX: «...dizem os moradores da freguesia do Campo que hum do lugar de Vilarinho o fizera em pedaços e que delle fizera pesos de lagar e outras obras semelhantes, e que deste mesmo sitio e de outro fica adiante, levara dous padrões que tinha hua choupana, servindo-lhe de esteios...».