Wednesday, January 04, 2012

Ainda sobre a Casa das Neves


Desde que soube da existência de umas ruínas de uma casa das neves na Serra Amarela me interessei pela sua localização. Mais tarde, quando preparava uma caminhada para a AAEUM, tive a sorte de obter essa informação da CMTB e, finalmente, visitei-a.  Depois no blogue voltei a tratar a Casa da Neve para partilhar as fontes onde tinha sabido da sua existência.
Volto novamente a este assunto porque encontrei na minha leitura actual (O Gerês: de Bouro a Barroso, de Rosa Fernanda Moreira da Silva) uma interessante e mais completa informação sobre este tema. Que para a autora serve essencialmente para enquadrar o clima da área do estudo e da existência de “little ice age".  Saber Serra Amarela estaria 6 meses com neve, ajuda a interpretar de forma diferente aquele territórioa e a nossa perspectiva da serra é necessariamente diferente.

O local da casa da neve possui ainda outro interesse. É perto dela que Matos Ferreira refere que terá sido morto um dos últimos ursos no Gerês: "[...]Hoje se não acha no Geres tal casta de animal por causa dos grandes fogos que sempre continuamente os lavradores andão lançando nos montes, e o ultimo que se matou, conforme referem os velhos da terra, foy pouco mais ou menos no anno de 1650, na Quelha da Ursa, que fica para a Chã da Fonte, junto à Casa da Neve”. (1)


Julga-se que o urso terá sido extinto no PNPG mais tarde e há notícias bem mais recentes de avistamentos na Galícia que fazem pensar que continuaria a frequentar a área mais a norte do PNPG e nas Memórias Paroquiais de 1758 da freguesia de Outeiro (Montalegre) é dito: "[...] Há quem se lembre de hum homem da freguesia de Cabril que matou no ditto Gerês um urso. Certifica havê-los nesse tempo por se verem de presente sinaes de muros de colmeas sobre pedras altas para se livrarem delles”. (2)

Ainda que já estivessem por essa altura dados como extintos: [...] “FAFIÃO – “Entendendose hir a extinguindose [os lobos cervais] como se extinguirão os ursos pelo cui[da]do que os moradores tem de os preceguir, e caçar andando de dia e de noute athé os matar, ou fazer fugir p[ar]a os montes da Irmida e Villar da Veiga, donde também os perseguem com notável cuidado […]” [fl. 13] (3)

Finalmente, da minha prenda de Natal, sobre a casa das neves da Serra Amarela: [...] Numa visão comparativa em relação à Serra Amarela recorda-se a Notícia da Freguesia de S. João de Campo onde se afirma: “[…] Na Serra Amarela conserva-se a neve 6 meses em cada ano. Na Portela da Serra Amarela, na conhecida Chã da Fonte, existiu a chamada Casa da Neve, propriedade de Arcebispos de Braga”.

Na proximidade da Casa da Neve da Serra Amarela existe a Fonte Fria e vários manuscritos afirmam que: “[…] a água dessa fonte era tão fria que metendo-se a mão por alguns minutos, ela paralisava”.

Para matos Ferreira “[…] a Casa da Neve da Serra Amarela foi mandada construir pelo arcebispo de Braga, D. Sebastião de Matos Noronha, que a não concluiu por ter entrado na prisão em virtude da conjura contra D. João IV. Em 1680 estava parcialmente demolida e assim ficou até 1684, altura em que o Arcebispo de Braga D. Luís de Sousa, entre 1687 e 1690, a mandou reedificar e encher de neve”.

As diferentes notícias referentes ao negócio da neve e os inúmeros episódios de conflito de interesse estenderam-se entre 1623 e o século XIX, sem nunca incluir a Serra Amarela. Em 1728 a Casa da Neve encontrava-se novamente arruinada.

O entanto, as actuais ruínas denunciam uma sólida estrutura em granito e reúnem factores locativos ideais como a orientação, altitude, proximidade em relação à Fonte Fria, ou seja, existiam todas as condições para o sucesso de um pólo de armazenamento de neve. Infelizmente, a ausência de escavações lançam múltiplas dúvidas sobre o número e a dimensão dos poços onde seria despejada a neve e o seu posterior armazenamento. Recorda-se que o armazenamento da neve exigia, pelo seu valor, um permanente acompanhamento e vigilância.

No âmbito desta investigação não tivemos oportunidade de concretizar trabalhos de arquivo que nos esclarecessem o volume de neve armazenada, o trabalho de neveiros e os locais de consumo dessa neve e gelo. Portanto, não nos é possível retirar qualquer conclusão relativamente à importância desta Casa da Neve, ainda em ruínas. Contudo, as actuais ruínas permitem idealizar uma razoável capacidade de armazenamento e uma acessível ligação a Brufe, vale do Cávado e, finalmente, a Braga e Guimarães.

Se pensarmos na azáfama relacionada com os trabalhos de frecolha da neve, do seu armazenamento e de vigilância até ao seu transporte para o local de consumo, somos conduzidos a admitir que essa actividade não se coadunava com as especificidades de um território raiano, ou seja, com as ligações impostas pelos frequentes períodos litigiosos e pela participação dos terrabourenses na defesa das Portelas do Homem e da Amarela.

Segundo nossa opinião, o efémero historial desta casa da Neve foi determinada pela localização em plena Serra Amarela. Todavia no sentido de se aferir a sua importância à escala local e regional impõem-se a concretização de estudos de Arqueologia, o recurso a outros registos para assegurar o cruzamento e a confrontação de informação. (4)

Brevemente voltarei a este local para recolher fotografias. A minha actual leitura sera ainda motivação e pretexto para muitas caminhadas e explorações.
 
(1) 1728 – [Padre José de Matos FERREIRA, Thesouro de Braga descuberto no Campo do Gerez, Braga, 1728] Edição fac-similada da Câmara Municipal de Terras de Bouro, 1994.
(2) 1758 – Na memória paroquial da freguesia de Outeiro. [Rogério BORRALHEIRO, Montalegre Memórias e História, Montalegre, 2005]
(3) 1744 – Códice dos Casais de Pincães. P.e Diogo Martins Pereira [transcrição de cópia de 1813, por António Martinho BAPTISTA]
(4) 2011 - [Rosa Fernanda Moreira Silva, O Gerês: De Bouro a Barroso - Singularidades Patrimoniais e Dinâmicas Territoriais] Afrontamento

nota: lobo cerval é uma designação local para o lince