Saturday, January 20, 2018

O Penedo das Letras


Numa exploração recente visitei o famoso Penedo das Letras, em S. Pedro de Oliveira (Braga), onde se encontra a inscrição gravada nas rochas:

NO DIA 6
DE DEZEMBRO DE 1832
VEIO A ESTE SITIO
E SUBIU A ESTAS PEDRAS
SVA MAGESTADE O
SENHOR D. MIGUEL 1º

Conhecia a sua existência e a sua ligação ao Rei D. Miguel, mas desconhecia a sua localização. O local apareceu-me no Google Earth enquanto pesquisava a minha nova freguesia e os seus limítrofes. Ainda que a minha atenção se tenha desviado para o Monte Redondo, pareceu-me que seria viável para a iniciação da Inês e mais fácil de explicar à Maria que ainda precisa de uma razão material para caminhar. Para certas idades o ir precisa de um objectivo claro e concreto. Por si só, a caminho não chega. A caminhada serviu  para voltar a calçar as botas após um jejum de mais de um ano e caminhar em família. Foi também a iniciação da Inês nestas coisas de caminhar. 

Quanto ao caminho, foram pouco mais de quatro quilómetros pelo meio de um eucaliptal cujo abandono explica em parte as consequências do incêndio do passado 15 de Outubro. Alguns carvalhos comprovavam que por ali o bosque já terá sido outro, mas pior que a monocultura é a forma de cultura caracterizada pela geração espontânea e falta de mondas ou limpeza. Quando nos interrogamos porque é que as plantações das celuloses não ardem, fazemos a pergunta errada. Eu não gosto da árvore, mas ela não é a única culpada.

Na descida ainda fizemos um desvio que nos levou ao sítio arqueológico do Monte Redondo. A sua visita vai requerer mais tempo. Pouco haverá para visitar e o máximo que poderei encontrar será um deslumbre de muros de casas ou das muralhas que seriam 3. No entanto a descrição de Albano Bellino em Cidades Mortas alimenta-me a vontade de lá voltar. O castro seria comparável à citânia de Briteiros e imaginar permaneça desconhecida intriga-me e entristece-me. 

Como desconhecia  a  história do Penedo das letras procurei mais informação para dar aos meus companheiros de caminhada. Descobri que ao longo dos tempos o local alimentou lendas e narrativas pouco credíveis.  As estórias vão de amores proibidos - "o rei vinha ao Penedo das letras para cortejar uma moça da terra", a refúgios de conflitos com a sua mãe (a famosa Carlota Joaquina). Esta última cronologicamente impossível uma vez que  Carlota Joaquina faleceu em 1830. 

Na revista Bracara Augusta (vol XL), nºs 89/90 (102/103), anos de 1986/87, encontrei num artigo de Armado B. Malheiro da Silva, "O Miguelismo em Braga - Factos e ideias para o Estudo da Contra-Revolução", a explicação da inscrição e razão da visita. Por ocasião da estadia em Braga, durante a guerra civil de 1832/34, nessa data o D. Miguel  deu, na data, "um passeio a cavalo pelos arredores de Braga indo até ao crasto de Monte Redondo freguesia de Escudeiros"(1).

Como o local me abriu a curiosidade para um período de Braga que desconhecia, retiro uma longa citação de Armando Malheiro Silva para fazer o enquadramento das razões da estadia do D. Miguel em Braga: 

Seguindo de perto os indícios desta «pista» chego a 1832 - ano do desembarque na pequena praia de Labruge ou Arnoso-do-Pampelido (a cerca de uma légua ao sul do Mindelo] do .exército libertador. de D. Pedro, da entrada deste no Porto, do cêrco a cidade pelas tropas miguelistas, da deflagração do conflito armado e da viagem ao norte de D. Miguel, que, assim, se dispunha a utilizar a força do seu carisma para animar os que por ele combatiam. Os historiadores são, porém, unânimes em afirmar, que a ideia não surtiu efeito, porque o rei entregou-se a um frívolo lazer na Braga .romana.. Veremos, adiante, que D. Miguel-defensor do absolutismo régio ainda possível (ténue amostra do esplendor joanino) - instalou-se com Côrte na cidade minhota e comportou-se não como soldado [este foi o papel do seu irmão], mas como rei absoluto e adorado, a quem os súbditos pediam encarecidamente, que refreasse os seus ímpetos de guerreiro e se mantivesse longe das operações militares! Mas, para já. vejamos como alguns autores abordaram o último dos factos acima enumerados.

José Maria de Sousa Monteiro (2), referiu-se, com cores sombrias, ao comportamento do rei, que classificou de indigno: 
D. Miguel tinha chegado a Braga, e ainda não tinha ousado cumprir a promessa que havia feito de visitar o Exercito que para o conservar n'um Throno, para o qual não nasceu, e de que era indigno, morria a milhares debaixo das linhas do Porto. Com uma Cõrte d'hipocritas e libertinos passava os dias e as noutes em deboches e orgias, que mal encubria com as palavras de defensor da Religião, que elle mais que ninguem ultrajava; e atascado em prazeres vergonhosos abandonava a ministros ignorantes e perversos as cousas do Governo: eis porque a sua vinda, que se elle fosse capaz de governar povos, seria uma medida d'alta politica, cujos resultados serião muito vantajosos para a sua causa, não produziu resultado nenhum, a não ser desconceitual-o na opinião de provincianos que o não conhecião de perto.
Por seu turno, o coronel Hugh Owen (3), escrevendo sobre o mesmo assunto, revelou maior equilíbrio e objectividade: 
D. Miguel chegara a Braga mas ainda não se mostrara ao exercito, tão dedicado a sua causa. Viajava acompanhado pelas princezas com um' g8rande trem de carruagens da casa real e dava beijamão em todas as villas onde pernoitava . A visita da côrte de Lisboa as provincias do norte era um golpe de mestre se fosse bem manejado. O que não faria um principe de aquelle povo rude, quando um Silveira, 10 marquez de Chaves, viravam de todo as cabecas e se faziam obedecer cegamente em proveito da rebelião, da patria ou da realeza-do que quizessem, emfim!
E, em nota de rodapé, pode ler-se:
Rodeava D. Miguel em Braga uma côrte de fidalgas, que lhe beijocavam as mãos n'um extasi.-Era mais que furor realista, era um furor amoroso na phrase pitoresca de um observador. Quasi todas as mulheres de esse tempo baptisaram os filhos com o nome de Miguel; as freiras presenteavam-no com os mais finos doces, que os conventos fabricavam a primor; os frades de Tibaes, de Bouro e de Villar mandavam-lhe fructas, presuntos, pipas de azeite e até vitelas. A noite, o adorado Miguel entrava disfarçado nos conventos das freiras, dizendo mos miguelistas que ia incognito para não receber homenagens . . . Humildade . . . Mas algum liberal rancoroso anotava no seu diario: - Lá váo as freiras todas! .... 
Que os adeptos da tese dos amores proibidos saibam que o monarca não precisava de subir aos montes. Bastava-lhe ir incógnito  aos conventos receber as homenagens.

(1) citação de Gomes, José Cândido - Ephemerides Bracarenses.
(2) Monteiro. José Maria de Sousa -Hlistoria de Portugal. Desde o Reinado da Senhora 13. Maria Primeira, até ir Convençáo d'Evora-monte: com um Resumo Histórico dos Acontecimentos mais 'Notaveis que tem tido logar desde então até nossos dias, t. IV. Lisboa. Typ. de Antonio José da Rocha, 1830, p. 255-2515,
(3) Owen, Hugh-O Cerco do Porto Contado por uma Testemunha, prefácio e notas de Raul Brandão, col. Bibliotheca Historica, 1. Porto, Renascença Portuguesa, 1915, p. 203-204.