Friday, February 25, 2011

Raiva de não ficar com o passado roubado na algibeira

Eu, o meu pai e um primo numa das muitas saídas com o Merelinense

A memória dos nossos são muito mais que as datas que continuaremos a celebrar. Hoje seria o aniversário do meu pai. Só que já não é o tempo de o festejar.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa como uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa-o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...


O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Aniversário - Álvaro de Campos

Monday, February 21, 2011

Uma aventura na Serra

Vivi na companhia de 2 amigos uma grande aventura na Serra quando uma linha de água intransponível tornou impossível a conclusão do trilho que estávamos a realizar. Sem meios de atravessar para a outra margem em segurança, e sem tempo de voltar no sentido inverso, tivemos que fazer opções que resultaram felizes. Sair da Serra foi um misto de sorte, instinto, experiência, equipamento e amizade. Sorte porque encontramos um trilho no momento em que ele era necessário. Instinto porque seguir o trilho quase sem luz e  depois em luz só foi possível graças a um instinto que nos levava a reencontrá-lo sempre que a noite o escondia. Experiência porque foram os muitos quilómetros e horas de Serra que desenvolveram o instinto de ler o terreno nos seus pormenores (o pisoteio, o aproveitar as curvas de nível para diminuir os esforços, etc.). Equipamento porque o GPS primeiro deu-nos tranquilidade e depois levou-nos ao trilho. Amizade porque sentimos sempre que do outro lado do telemóvel estavam pessoas que se preocupavam connosco e a quem poderíamos recorrer quando fosse necessário tal como o fizemos. Explicar porque um amigo de uma amiga se meteu à Serra ao nosso encontro e nos poupou os últimos e penosos quilómetros só é possível em nome de uma amizade desinteressada e um sentimento de responsabilização pelos seus "vizinhos", um sentimento que a “cidade” nos foi diminuindo. É o anonimato citadino que quebra os laços ancestrais de fraternidade mimetizados com amigos no facebook. Cada vez tenho mais a certeza que a livre comunhão e a desinteressada fraternidade  precisam dos pés presos ao chão. O Torga tinha razão e talvez por isso goste de o imitar nos "métodos de almocreve" e "ouvir apenas nas fragas, nos matagais, nos restolhos, nas areias e nas calçadas o eco dos meus próprios passos". Precisamos de estar em comunhão com o nosso lado telúrico para sermos mais autênticos.

Tuesday, February 08, 2011

Publicado o POPNPG nem tudo é ainda claro

 zonamento do anterior POPNPG (a vermelho as ZPT)

zonamento do actual POPNPG (a escuro as novas ZPT)


Ainda não consegui fazer uma leitura muito clara do novo POPNPG porque os mapas do novo zonamento não estão disponíveis em qualidade aceitável. Conheço apenas os mapas publicados no DR e prestam-se a confusões entre as manchas. Mesmo assim, comparando o antes e o depois, parece óbvio o aumento da área de ambiente natural e muito particularmente a ZPT. A publicação em DR são 29 páginas com uns enunciados giros e politicamente correctos, mas que agora falta ver como se concretizarão. Há algumas coisas claramente  absurdas e fiquei parvo quando fui consultar na Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto os montantes das coimas das contra-ordenações previstas (artigo 39º)*. Fazendo a coisa por baixo são 500€ a que se arrisca um visitante sem o papelinho do ICNB e a coisa piora se for um clube ou associação. Sobre as autorizações prevejo muita confusão. Há taxas? Não há taxas? Telefonem para o ICNB e ficam a mesma dúvida. Eles ainda não sabem! Ainda que, orçamento exige, parece se sim. Vingando a ideia das taxas o cenário é este: se quiser fazer uma caminhada em ZPT - subir até às minas dos Carris - com 3 amigos terei que pagar cerca de 150€. No entanto se subir à Nevosa pelo vale das Sombras (Espanha) não preciso de pedir nada e custa-me zero. Para ir ao marco 60 (Cruz do Touro) pelo território nacional é a mesma situação, mas se subir ao mesmo local pela Serra de Sta. Eufémia volto a poupar 150€. Se isto é "ordenar e promover um regime de visitação sustentável com vista à sensibilização e mobilização da sociedade para a conservação do património natural e cultural" vou ali e já venho. Adaptando a letra que todos andam a cantar. "Que Parque tão parvo que para o ver é do lado de fora". Então não poderei ir aos Carris? Claro que sim, as empresas terão esse serviço por uns 20 a 30 euros.

*é no artigo 22º

Wednesday, February 02, 2011

"No creo em brujas, pero que las hay, las hay"


Na revisão do POPNPG o que me preocupou mais foi a sua utilização no âmbito da estratégia da adesão ao PAN Park. Sempre tive claro que essa era principal motivação desta revisão. As razões porque considero esta adesão errada já as expliquei por diversas vezes, mas dentro destas há duas que se destacam:

a) a dificuldade de num parque de 70.000 ha encontrar a área de 10.000 ha de wilderness;
b) o desacordo com a visão fundamentalista sobre a gestão das áreas naturais nas quais o homem parece não ter lugar.

Enquanto não conhecemos o novo POPNPG decidi proceder à divulgação de extractos dos relatórios que foram públicos na fase de discussão pública. S´é enganado quem quer, porque a estratégia está perfeitamente delineada e este POPNPG é só a primeira das fases. A seguinte a ser concluída nos próximos 10 anos é fazer da zona alta da Serra do Gerês os 10.000 ha wilderness.

Nós últimos tempo comecei a acreditar ainda mais que há um sério risco que essa área acabe por ficar monopólio da exploração comercial da visitação ao PNPG. É que há alguns sinais que isso possa vir a acontecer. O método até seria simples, bastaria viciar o acesso às licenças ou tornar obrigatório a presença de um guia certificado. Pela simples via administrativa fechava-se a Serra às caminhadas informais e protegia-se o negócio do PAN Park.

Dois extratos do Relatório da 2ª fase Diagnóstico:
5.1. – O estado de conservação e a certificação Pan Park (pag 115)

"Um dos aspectos que distingue o Parque Nacional da Peneda-Gerês de outras áreas protegidas em Portugal é o da existência de uma zona núcleo de habitats naturais não fragmentados com mais de 10 000 ha, que compreende toda a parte alta da Serra do Gerês. Para alem desta área que faz parte integrante da actual área de ambiente natural, existem ainda outras áreas em excelente estado de conservação no Parque Nacional da Peneda-Gerês, como seja a Mata do Ramiscal, a Serra da Peneda, a encosta da Serra Amarela virada a Vilarinho, e os Planalto de Castro Laboreiro e da Mourela. Estas zonas ou fazem parte da actual área de ambiente natural ou estão identificadas como zonas prioritárias para conservação na proposta de zonamento que integra este relatório."
 
(...)

"A certificação PAN Parks traz o importante desafio de aumentar a actual área de Zona de Protecção Total na Serra do Gerês para um valor de 10 000ha ao longo dos próximos 10 anos, a “core wilderness area” ou zona núcleo do PAN Park. Assim, e concebendo a possibilidade de que o plano agora em elaboração venha a ser revisto no final deste período, será importante atingir já com este plano uma Zona de Protecção Total na Serra do Gerês na casa dos 5 000 ha. Note-se que isto não implica que essa Zona de Protecção Total seja fechada aos visitantes. Pelo contrário, a abordagem PAN Parks promove o conceito de visitação destas áreas, ainda que de forma controlada. O que é essencial é que nesta zona não haja nenhum tipo de actividade humana que altere a dinâmica natural dos ecossistemas, como são as actividades extractivas. Nestas actividades interditas na zona núcleo do PNPG inclui-se a pastorícia, embora tenha sido aceite pelos verificadores internacionais do PAN Parks a manutenção dos cavalos em regime silvestre na zona núcleo, pois são ecologicamente idênticos aos cavalos selvagens que outrora ocupavam estas áreas.

Por forma a controlar o número de visitas à zona núcleo do PNPG, irá ser implementado um sistema de licenças com limites diários rigorosos e serão devidamente identificados os trilhos que os visitantes podem percorrer. As saídas dos trilhos em Zona de Protecção Total serão interditas. As visitas poderão ainda ser acompanhadas por guias de natureza devidamente certificados, para maior grau de segurança e usufruto dos visitantes.

A ideia de abrir a Zona de Protecção Total aos visitantes permite explorar novas oportunidades de turismo sustentável no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Quem não estará interessado em conhecer um dos últimos espaços “selvagens” da Europa? É também a partir desta mensagem que a Fundação PAN Parks promove o turismo nos Parques Nacionais que fazem parte da sua rede. Aliás, um dos fundadores da PAN Parks é a Molecaten, que é uma empresa de turismo que se dedica a promover destinos naturais de eleição. Assim, a certificação PAN Parks para alem de elevar a fasquia para a gestão da natureza e da biodiversidade no PNPG, põe o PNPG na rota dos melhores destinos naturais da Europa.

A combinação da conservação da natureza e do desenvolvimento económico através da promoção do turismo sustentável propicia uma metodologia de promoção das melhores práticas na gestão das áreas protegidas. Note-se que a Direcção Geral do Ambiente da União Europeia, na Conferência “Rede Natura 2000 e Turismo Sustentável” realizada em Lisboa, em 1999, referiu o PAN Parks como sendo uma das mais relevantes iniciativas para a gestão do turismo sustentável nos Sítios da Rede Natura 2000.

A oportunidade de um turismo internacional de qualidade que é aberta pela certificação PAN Parks só poderá ser devidamente aproveitada caso haja um empenho nesta visão de todos os agentes económicos no PNPG. A abordagem PAN Parks promove um conjunto alargado de parcerias que manterão unidos a entidade gestora da área protegida, a comunidade local e os empresários. A certificação dos parceiros locais pela PAN Parks irá na prática atestar da qualidade que os nossos alojamentos, restaurantes e empresas de animação podem oferecer. Os parceiros locais poderão depois utilizar o logotipo PAN Parks na promoção das suas actividades, que é cada vez mais uma marca de qualidade reconhecida internacionalmente. A ligação entre o PAN Parks e a WWF e a possibilidade de utilização do logótipo da WWF – o Panda, mundialmente conhecido – fortalece ainda mais a imagem PAN Parks.

Por fim, a Fundação PAN Parks apoia de perto as entidades gestores das áreas protegidas e os seus parceiros na implementação de projectos que beneficiem quer o ambiente quer a comunidade local. Um turismo local de proximidade e de pequena escala é a chave para o desenvolvimento rural nas áreas protegidas. A Fundação PAN Parks tem vindo a desenvolver parcerias com operadores turísticos de toda a Europa. Esses operadores estão comprometidos com os objectivos de conservação das áreas protegidas e sensibilizados para o recurso a parceiros turísticos locais certificados para o desenvolvimento das suas actividades e serviços."