Thursday, December 07, 2023

Anunciação feita a Maria


Há muito tempo que desejava levar a Maria à montanha. Na gravidez, a primeira vez que a Joana a sentiu foi no Museu Etnográfico de Vilarinho das Furnas na apresentação do livro Rio Homem de André Gago. Gosto de pensar que foi uma manifestação precoce da sua relação com a serra, o tempo o dirá. Nesse dia tínhamos percorrido as ruínas da aldeia e encontrado o que julgo ser parte do marco miliário da milha XXIX. (ver aqui). 


Ainda que esteja habituada a ir ao Gerês, nunca tinha ido muito longe da estrada. Com pouco mais de um ano quando passamos uma tarde no Sagrado (veiga de Campo do Gerês) a explorar as pequenas flores do prado junto às ruínas.


Num outro dia tinha tentado chegar ao Curral da Égua, partindo da Pedra Bela. O sol e o calor não o permitiram e não avançamos muito na aventura. O dia foi de pic-nic e recuámos para a sombra.


No Verão fizemos o seu baptismo de campismo no Parque da Cerdeira e banhou-se na albufeira de Vilarinho das Furnas. Faltava-lhe, no entanto, conhecer um ambiente mais puro. Mais de serra.


Uma estadia na casa do Rui França na Cabreira permitiu que se familiarizasse com alguns dos rituais de caminhar. Os percursos foram essencialmente pelos caminhos da aldeia e desses dias deve recordar os animais que viu.

Contrariando as histórias infantis, onde a floresta é normalmente um lugar perigoso, o livro "Era Uma Vez Um Urso do Gerês", de Cláudia Silva, editado pela Quercus, formou no seu seu imaginário que a serra, ou a montanha, é um local feliz. 



Finalmente, os dias quentes e secos do último Dezembro proporcionaram a caminhada que estava há muito prometida à Joana e à Maria. Um pequeno passeio desde a Tribela ao Pinhô, para almoçar no local.

Desta vez caminhou pouco, pois foi mais às cavalitas no pai. Na Primavera/Verão voltará, mas ainda vai ter que crescer para ir muito mais longe. As costas do pai não aguentam e a serra ainda esconde muitos riscos para uma criança tão pequena. Antes disso terá que libertar a Joana de volta aos trilhos.

(Esta publicação esteve guardada como draft durante nove anos. O facebook recordou-me a publicação de uma foto e lembrei-me da sua existência e decidi que já era tempo de a publicar. Se o tempo deixar regressarei ao Pinhô brevemente)

Friday, July 31, 2020

Notas sobre a questão do topónimo Carris das Fontaíscas

mapa de Camacho Pereira (retirado de Rui Barbosa, blogue Carris)

Acompanhei, sem puder contribuir muito, uma questão levantada por Rui Barbosa relativamente ao topónimo Carris das Fontaisca (carris de fontaiscas um toponimo e será carris de fontaiscas um erro) a partir de um  mapa de Camacho Pereira que já conhecia de uma anterior publicação do Rui Barbosa.

Aproveitando um retiro forçado,  volto à questão com o meu contributo para o seu esclarecimento. Como tudo começou no mapa, considero que para sua melhor compreensão é importante ter presente a descrição de uma jornada de serra de Camacho Pereira publicada na Revista Latina, de que era diretor, que em seis entradas o Rui Barbosa publicou em tempo (um; dois; três; quatro; cinco e seis).

Para um enquadramento mais completo, poderia ser ainda interessante abordar quem foi Camacho Pereira, mas para isto não ficar grande demais, sugiro aos espíritos mais curiosos que façam uma pesquisa Google e encontrarão algumas entradas sobre o editor.

O artigo  da Revista Latina descreve um passeio pela Serra do Gerês, na companhia de um guia, saindo da vila termal em direção à Pedra Bela, Carvalha das Éguas, Vale Teixeira e Borrageiro que seria o objetivo. No entanto o grupo acaba por continuar até ao Peito de Escadas, passando por Lomba do Pau, Conho, Prados da Messe, Prados Coveiros de onde descem até à Albergaria pelo Peito de Escada. Retornam à vila por Leonte, onde chegam já de noite.

Como o percurso foi realizado pela serra a este da estrada florestal, regressando por ela, podemos formular a hipótese de que Camacho Pereira fixasse do guia os topónimos dos locais por onde passaram ou imediatamente adjacentes a esses locais. Naturalmente sem  invalidar que escutassem outros que ficassem no horizonte visual e os pudessem igualmente fixar.

Se considerarmos os topónimos citados no artigo (Pedra Bela; Observatório; Cabeça de Cão; Desfiladeiro de Artur Loureiro; Varegeira; Carvalha das Éguas; Vale Teixeira; Junco; Pé de Salgueiro; Curral de Cambalhão; Garganta da Preza, Borrageira; Leonte; Lomba de Pau; Fichinhas; Vale do Conho; Fonte de Alvas; Prado da Messe; Prados Coveiros; Abelheirinha; Cantarelo; Alto de Peito de Escada; Laspedo; Bargiela, Eiras; Albergaria e Preguiça), a hipótese parece confirmar-se. Logo será previsível que o topónimo de Carris das Fontaíscas designe um lugar algures a este da estrada floresal e próximo do percurso realizado.

No entanto, Camacho Pereira não fez apenas esta excursão e conhecia mais do Gerês. O mapa poderia, portanto, refletir também outras excursões.

De acordo com Rui Barbosa "o mapa possui alguns erros de localização e de referenciação de algumas características daquela zona na Serra do Gerês". Erros que são perfeitamente compreensíveis num mapa realizado sem o rigor científico e desculpáveis no objetivo da revista.


mapa de Camacho Pereira (retirado de Rui Barbosa, blogue Carris)

Camacho Pereira foi, com mais rigor e interesse, numa época em que o turismo interno se estava a desenvolver como industria, um antecessor dos "influencers" de hoje que publicam as suas viagens e fotos. Entre outras coisas, escreveu e publicou para os excursionistas, turistas e viajantes em geral, os roteiros, itinerários ou os guias de viagem incluindo mapas e plantas turísticas que constituíam um excelente complemento das descrições textuais e mesmo das imagens e fotografias.

Publicando com um tempo de reflexão muito diferente e sem ter a pressão do"clickbait" é normal que Camacho Pereira tivesse um cuidado superior de edição dos seus sucessores. Mas terá cometido cometido erros e a localização deste topómino será um deles. 

Sobre o topónimo Fontaíscos (ou Fontaiscas) sabemos que na zona está referido na carta nº 31 (na versão de 1991) para designar uma linha de água que desde as encostas sobranceiras à Lomba de Pau corre até ao Vale de Maceira.

Pode Camacho Pereira, como Rui Barbosa formula inicialmente, ter confundido 'Carris de Maceira' ao designá-lo como Carris de Fontaiscas? Ou, como formula em segunda hipótese, Carris das Fontaíscas, seria a designação para uma passagem entre a Lomba de Pau e o Vale de Maceira sem haver a necessidade de subir a Tábuas e passar por Carris de Maceira e o topo da Corga dos Cântaros para chegar à Lomba de Pau?

Sobre esta questão, sem ter dúvidas de ter existido em tempos da passagem direta do Vale de Maceira e a Lomba de Pau (na verdade em direção aos Prados da Messe), considero que Rui Barbosa acertou na primeira intuição. De fonte direta, recolhi a informação que a cartografia unicórnio dos extintos Serviços Florestais designa a vertente norte do vale Maceira como Fontaiscos e isso permite pensar que os Carris das Fontaíscas pode ter sido em determinada altura uma designação alternativa para Carris da Maceira. Ainda que a mesma fonte me informe que o Curral de Tábuas aparece nessa cartografia designado por Curral  dos Carris da Maceira. Razão pelo que podem não terem sido usadas contemporaneamente. 

Infelizmente, relativamente à cartografia que ajudaria a esclarecer estas pequenas curiosidades, não posso fazer mais do que esta referência. É uma pena que o PNPG não disponibilize o acesso a ela.  Percebendo os cuidados com a sua preservação, com as atuais facilidades de digitalização seria fácil permitir o acesso em formato digital.

Lateralmente a esta questão, julgo ter aprofundar (1) um pouco a possível origem do topónimo “maceira”   que poderá estar relacionado com a existência de ribeiros, veigas, mananciais (em latim manatio/-onis - corrimento, corrente de água). Hipótese que associa os topónimos Fonataíscos e Maceira à existência de água.


Saturday, January 20, 2018

O Penedo das Letras


Numa exploração recente visitei o famoso Penedo das Letras, em S. Pedro de Oliveira (Braga), onde se encontra a inscrição gravada nas rochas:

NO DIA 6
DE DEZEMBRO DE 1832
VEIO A ESTE SITIO
E SUBIU A ESTAS PEDRAS
SVA MAGESTADE O
SENHOR D. MIGUEL 1º

Conhecia a sua existência e a sua ligação ao Rei D. Miguel, mas desconhecia a sua localização. O local apareceu-me no Google Earth enquanto pesquisava a minha nova freguesia e os seus limítrofes. Ainda que a minha atenção se tenha desviado para o Monte Redondo, pareceu-me que seria viável para a iniciação da Inês e mais fácil de explicar à Maria que ainda precisa de uma razão material para caminhar. Para certas idades o ir precisa de um objectivo claro e concreto. Por si só, a caminho não chega. A caminhada serviu  para voltar a calçar as botas após um jejum de mais de um ano e caminhar em família. Foi também a iniciação da Inês nestas coisas de caminhar. 

Quanto ao caminho, foram pouco mais de quatro quilómetros pelo meio de um eucaliptal cujo abandono explica em parte as consequências do incêndio do passado 15 de Outubro. Alguns carvalhos comprovavam que por ali o bosque já terá sido outro, mas pior que a monocultura é a forma de cultura caracterizada pela geração espontânea e falta de mondas ou limpeza. Quando nos interrogamos porque é que as plantações das celuloses não ardem, fazemos a pergunta errada. Eu não gosto da árvore, mas ela não é a única culpada.

Na descida ainda fizemos um desvio que nos levou ao sítio arqueológico do Monte Redondo. A sua visita vai requerer mais tempo. Pouco haverá para visitar e o máximo que poderei encontrar será um deslumbre de muros de casas ou das muralhas que seriam 3. No entanto a descrição de Albano Bellino em Cidades Mortas alimenta-me a vontade de lá voltar. O castro seria comparável à citânia de Briteiros e imaginar permaneça desconhecida intriga-me e entristece-me. 

Como desconhecia  a  história do Penedo das letras procurei mais informação para dar aos meus companheiros de caminhada. Descobri que ao longo dos tempos o local alimentou lendas e narrativas pouco credíveis.  As estórias vão de amores proibidos - "o rei vinha ao Penedo das letras para cortejar uma moça da terra", a refúgios de conflitos com a sua mãe (a famosa Carlota Joaquina). Esta última cronologicamente impossível uma vez que  Carlota Joaquina faleceu em 1830. 

Na revista Bracara Augusta (vol XL), nºs 89/90 (102/103), anos de 1986/87, encontrei num artigo de Armado B. Malheiro da Silva, "O Miguelismo em Braga - Factos e ideias para o Estudo da Contra-Revolução", a explicação da inscrição e razão da visita. Por ocasião da estadia em Braga, durante a guerra civil de 1832/34, nessa data o D. Miguel  deu, na data, "um passeio a cavalo pelos arredores de Braga indo até ao crasto de Monte Redondo freguesia de Escudeiros"(1).

Como o local me abriu a curiosidade para um período de Braga que desconhecia, retiro uma longa citação de Armando Malheiro Silva para fazer o enquadramento das razões da estadia do D. Miguel em Braga: 

Seguindo de perto os indícios desta «pista» chego a 1832 - ano do desembarque na pequena praia de Labruge ou Arnoso-do-Pampelido (a cerca de uma légua ao sul do Mindelo] do .exército libertador. de D. Pedro, da entrada deste no Porto, do cêrco a cidade pelas tropas miguelistas, da deflagração do conflito armado e da viagem ao norte de D. Miguel, que, assim, se dispunha a utilizar a força do seu carisma para animar os que por ele combatiam. Os historiadores são, porém, unânimes em afirmar, que a ideia não surtiu efeito, porque o rei entregou-se a um frívolo lazer na Braga .romana.. Veremos, adiante, que D. Miguel-defensor do absolutismo régio ainda possível (ténue amostra do esplendor joanino) - instalou-se com Côrte na cidade minhota e comportou-se não como soldado [este foi o papel do seu irmão], mas como rei absoluto e adorado, a quem os súbditos pediam encarecidamente, que refreasse os seus ímpetos de guerreiro e se mantivesse longe das operações militares! Mas, para já. vejamos como alguns autores abordaram o último dos factos acima enumerados.

José Maria de Sousa Monteiro (2), referiu-se, com cores sombrias, ao comportamento do rei, que classificou de indigno: 
D. Miguel tinha chegado a Braga, e ainda não tinha ousado cumprir a promessa que havia feito de visitar o Exercito que para o conservar n'um Throno, para o qual não nasceu, e de que era indigno, morria a milhares debaixo das linhas do Porto. Com uma Cõrte d'hipocritas e libertinos passava os dias e as noutes em deboches e orgias, que mal encubria com as palavras de defensor da Religião, que elle mais que ninguem ultrajava; e atascado em prazeres vergonhosos abandonava a ministros ignorantes e perversos as cousas do Governo: eis porque a sua vinda, que se elle fosse capaz de governar povos, seria uma medida d'alta politica, cujos resultados serião muito vantajosos para a sua causa, não produziu resultado nenhum, a não ser desconceitual-o na opinião de provincianos que o não conhecião de perto.
Por seu turno, o coronel Hugh Owen (3), escrevendo sobre o mesmo assunto, revelou maior equilíbrio e objectividade: 
D. Miguel chegara a Braga mas ainda não se mostrara ao exercito, tão dedicado a sua causa. Viajava acompanhado pelas princezas com um' g8rande trem de carruagens da casa real e dava beijamão em todas as villas onde pernoitava . A visita da côrte de Lisboa as provincias do norte era um golpe de mestre se fosse bem manejado. O que não faria um principe de aquelle povo rude, quando um Silveira, 10 marquez de Chaves, viravam de todo as cabecas e se faziam obedecer cegamente em proveito da rebelião, da patria ou da realeza-do que quizessem, emfim!
E, em nota de rodapé, pode ler-se:
Rodeava D. Miguel em Braga uma côrte de fidalgas, que lhe beijocavam as mãos n'um extasi.-Era mais que furor realista, era um furor amoroso na phrase pitoresca de um observador. Quasi todas as mulheres de esse tempo baptisaram os filhos com o nome de Miguel; as freiras presenteavam-no com os mais finos doces, que os conventos fabricavam a primor; os frades de Tibaes, de Bouro e de Villar mandavam-lhe fructas, presuntos, pipas de azeite e até vitelas. A noite, o adorado Miguel entrava disfarçado nos conventos das freiras, dizendo mos miguelistas que ia incognito para não receber homenagens . . . Humildade . . . Mas algum liberal rancoroso anotava no seu diario: - Lá váo as freiras todas! .... 
Que os adeptos da tese dos amores proibidos saibam que o monarca não precisava de subir aos montes. Bastava-lhe ir incógnito  aos conventos receber as homenagens.

(1) citação de Gomes, José Cândido - Ephemerides Bracarenses.
(2) Monteiro. José Maria de Sousa -Hlistoria de Portugal. Desde o Reinado da Senhora 13. Maria Primeira, até ir Convençáo d'Evora-monte: com um Resumo Histórico dos Acontecimentos mais 'Notaveis que tem tido logar desde então até nossos dias, t. IV. Lisboa. Typ. de Antonio José da Rocha, 1830, p. 255-2515,
(3) Owen, Hugh-O Cerco do Porto Contado por uma Testemunha, prefácio e notas de Raul Brandão, col. Bibliotheca Historica, 1. Porto, Renascença Portuguesa, 1915, p. 203-204.

Monday, May 30, 2016

O Caminho de Santiago pela Portela do Homem (Gerês)


Quando em 2012 decidi voltar fazer o caminho de Santiago, decidi também que não voltaria a fazer o percurso que tinha feito anteriormente. Sabendo que a Geira (Via Nova ou Via VIII) foi um dos percursos medievais de peregrinação, decidi que seria pelo Gerês que voltaria a Santiago de Compostela. Estudei outras alternativas, mas passar pelo Gerês sobrepôs-se a todas as outras opções de forma natural. Mesmo com as dificuldades de logística que essa opção acrescia, pois de Lóbios a Ourense tudo me era desconhecido.

Após diversos adiamentos  concluí no passado mês de Abril esse Caminho. O percurso correspondeu ao que esperava e não tenho dúvidas que os muitos quilómetros suplementares às alternativas dos designados Caminho Português e Caminhos Português pela costa valeram a pena. Pela paisagem porque o itinerário atravessa dois parques naturais e depois porque conserva uma integridade que a faixa litoral, muito urbanizada, perdeu. Culturalmente porque possui  pequenos tesouros que por serem menos conhecidos nos surpreendem.

É verdade que este trajeto perde Ponte de Lima, Valença do Minho, Tui, Ponte de Vedra e Padrón, mas ganha a igreja visigótica de Santa Comba, Cellanova, Ourense e o mosteiro de Oseira. Sendo que no último até se pode pernoitar.

Perdi os apoios e as vantagens de não ser, ainda, um caminho Xacobeo? Sim, mas, com todas as dificuldades logísticas que isso implica, ganhei um caminho mais natural e mais próximo do que seriam as peregrinações medievais. Sobre isso recordo as palavras de Paco, um companheiro com que entrei em Santiago de Compostela, com quem conversei sobre isso - "o primeiro caminho que fiz foi o francês, porque era o que conhecia e todos faziam. Hoje de todos os que fiz é o de que menos gosto." Para ele a massificação do principal itinerário xacobeo retira-lhe parte do encanto e o mesmo pode estar a acontecer nos itinerários nacionais.

No entanto, para já, é ainda uma alternativa dura e de logística complicada. Devem também ir preparadas para altimetrias menos simpáticas do que a planura do litoral. Este é um caminho de serras e vales, mas também não é por isso que se torna mais difícil. Fica é mais intenso.

As opções de pernoita neste itinerário obriga também a etapas mais longas e aconselho que façam a sua reserva antes de se meterem ao caminho. A alimentação também deve ser toda planeada porque até Ourense nas aldeias não é fácil encontrar bares. 

Para uma próxima publicação ficam outras reflexões. Esta é basicamente para partilhar a informação que recolhi e que me tem sido pedida. Os tracks GPS, cujos links partilho, não são os meus registos. Eu não me preocupei em marcar os pontos intermédios e estes tracks, os que usei, de diversos autores, acabam por ser mais úteis. Foram de uma forma geral fáceis de seguir.

As raízes históricas
Sobre as peregrinações a Santiago pela Via Nova (Geira) há muitos testemunho e a presença dos Templários no Campo do Gerês atesta como o percurso terá até tido alguma relevância:
“Na aria em que esteve antig te a Igra. Matriz de S. João do Campo, tiverão os Romanos hu grandioso Templo, adonde veneravão os seus idilos e satisfazião os votos que lhes prometião. Estava este Templo no sitio da Veiga de S. João, alem do Rio, em distancia de 50 passos, e da aldeia ou lugar do Campo 500 passos; presume-se que este Templo foy arruynado pelos Godos, e depois reedificado, em tempo do Emp. Constantino Magno, e dedicado a S. João Baptista do Campo e dahi a na.s foy pessuido pellos Carvall.os Templarios; extinctos estes, ficou sempre permanecendo athé o anno de 1692, em que por Capp.os de Visita se mandou mudar p.a o lugar do Campo, por a d.a Igr.a estar em sitio ermo e remotta da povoação…”  Contador de Argote (séc. XVIII).
Do lado espanhol há também notícias da presença dos Hospitalários e dos Templários e na pesquisa web de informação li que no Mosteiro de Celanova, documento n º 156 de 15 de setembro do ano 1142, Tomos I e II, existe um pacto entre Pelaio abade de Celanova, e don Xerardo tenente da obediencia de San Paio de Veiga e representante dos Hospitalarios de Xerusalén, para “facer e rexer un hospital na Portela de Samuel, en terras de propiedade celanovesa”.

Fora dos livros e arquivos, a toponímia e os oragos de muitas das Igrejas ao longo do percurso são outro dos testemunhos da relevância do Caminho de Santiago pela Portela do Homem.



Em algumas das credenciais de peregrino há um mapa que ilustra de forma muito sintética o trajeto, fazendo uma ligação de Braga a Ourense, e já se encontram muitos mapas com este itinerário marcado. Este mapa terá origem em Moreno (1986).
Surpresa foi ter encontrado a referência a uma segunda peregrinação da Rainha Isabel de Aragão – Rainha Santa por este itinerário, que de acordo com a tradição popular terá ido a Cellanova. É por esta razão que muitos também o designam por Camiño da Raíña Santa. A referência a esta peregrinação fez parte da candidatura apresentada à Xunta da Galiza para classificação como Camiño de Santiago,  mas a Confraria da Rainha Santa não possui dados históricos que a validem. 

No entanto em Lóbios esta peregrinação foi-me referida por duas vezes. Primeiro numa conversa sobre o caminho num bar onde parara para descansar e onde a referência à rainha santa surgiu de forma espontânea. Enquanto me convidava a provar uns fantásticos cogumelos, até me deram o email de um dos responsável pela candidatura  a caminho Jacobeo.

Um pouco mais à frente, na Casa da Feira (Portaxe), o Filipe Pires, cuja presença em Lóbios conhecia e encontrei numa feliz coincidência, voltou a fazer-me a mesma referência.

Seria interessante estudar  esta tradição, mas o itinerário possui atrativos suficientes para se afirmar por si se não se vier a confirmar a passagem da rainha.

As peregrinações por este itinerário estariam ainda marcadas pelos culto de San Rosendo em Celanova, o culto de Santo Cristo de Ourense e, particularmente, pelo culto San Trocado (San Torcuato), primeiro em Santa Comba e depois trasladado para Celanova.
De acordo com a tradição, San Trocado foi um dos discípulos de Santiago e o Códice Calixtino diz que participou na trasladação do corpo para Santiago de Compostela. A devoção a San Trocado seria de tal forma que os peregrinos raspavam as unhas o sarcófago para levar parte do pó que se despendia e que teria propriedades milagreiras. O sarcófago ainda é possível visitar na igreja visigótica de Santa Comba (https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_de_Santa_Comba_(Bande)), uma das joias do percurso e que Miguel Torga (Diário VII, 18 de Agosto) considerou irmã afortunada da de S. Frutuoso, em Braga.

A preparação
Tomada a decisão sobre o caminho a fazer, fiquei com duas preocupações principais: estabelecer o percurso no terreno e os pedidos familiares para não partir sozinho.
Na preparação do caminho decidi que seria uma boa oportunidade para aprender um pouco mais sobre a Geira e que tentaria ser o mais fiel possível ao traçado romano. Uma preocupação que me foi exigindo mais tempo e deixando muitas dúvidas por esclarecer.
Reli a informação que possuía várias vezes e fui sossegando os familiares com a promessa de fazer o caminho por etapas. No entanto, era complicado sossegar as preocupações falta de segurança e apoio. Os albergues julgava poder substituir facilmente por alojamentos locais, mas não podia esperar encontrar muita gente pelos locais ermos que o caminho percorre.

Estabelecer o itinerário
Com o apoio de cartas militares e bibliografia sobre a Geira fui estabelecendo o itinerário.
Partindo de Braga, o  ponto zero do caminho não poderia ser outro que a Sé e depois tentaria ser o mais fiel possível à Via Nova (Geira), a via XVIII do itinerário Antonino que  ligava Bracara Augusta a  Asturica Augusta (Astorga).
Da Sé, seguiria pela rua dos Chãos, Rua de S. Vicente, Areal, Bairro das 7 Fontes e, a partir da capela do Senhor dos Milagres (Capela das 7 Fontes), desceria até Adaúfe. Junto à igreja de Adaúfe, não podendo hoje cruzar a vau, ou em barca, o Cávado de Navarra (Braga) para Ancede (Amares), seguiria depois pela estrada nacional até à Ponte do Porto. Seria uma percurso perigoso pelo muito tráfego e pela quase inexistência de bermas onde caminhar.  Conscientemente, estaria a abandonar a trajeto da Via Nova, ou Geira, mas a travessia medieval seria esta.
Feita a travessia na Ponte do Porto, ficava com duas possibilidades: seguir pelo percurso dos peregrinos para S. Bento da Porta Aberta, pelo vale do Cávado, para depois ligar a Covide, ou ser mais fiel à via romana e retomar a Geira na milha XI em Paredes Secas, seguindo o vale do Homem.
Qualquer uma das opções seria dura e longa, mas a minha opção era a de realizar o percurso mais fiel à via romana, confiando que os agrimensores romanos tivessem escolhido o melhor itinerário. Contava fazer esta ligação numa única etapa para ir dormir a Campo do Gerês. A etapa não deveria andar longe dos cerca 42 km que milha XXVIII da Geira estabelecia até Bracara Augusta.

Seria uma etapa dura e ainda ponderei fazer a sua divisão algures em Amares. Se este itinerário vier a ser considerado caminho jacobeo oficial essa deverá ser uma das preocupações.  Na opção do vale do Homem, a divisão poderá ser feita em Caldelas, permitindo um desvio pelo Mosteiro de Rendufe. Na opção do vale do Cávado, a divisão poderá ser feita em Bouro (Santa Maria) ou na Sra. da Abadia.

Na etapa seguinte seguiria a Geira, pela Portela do Homem até Lóbios onde existe alguma oferta hoteleira. Esta etapa não ofereceria grandes dificuldades e a quilometragem estimada era de +/- 24 Km. Sabia que em Espanha o percurso está marcado até Ourense como Ruta de S. Rosendo e na web tinha encontrado diversos tracks GPS para seguir.

Na terceira etapa, com uma subida exigente a seguir à povoação de A Portaxe, terminaria em Bande após cerca de 34 km. Em Os Baños (San Xoan), a mansio de Aquis Querquennis, o percurso  deixava o traçado da Via Nova (Geira) para rumar a norte por Celanova, seguindo o que seria uma via romana secundária.

A Aquis Querquennis terá sido um importante nó rodoviário e nela confluiriam diversas vias secundárias. Uma dessas vias secundárias, talvez a mais importante, ligava a Lugo (Lucus Augusti) seguindo para norte por Ourense (Auurienis Civitas).

Em Bande para pernoita teria apenas a opção do Bar Restaurante Trébol, que possui um pequeno hostal que também funciona como albergue privado e faz um preço especial a peregrinos.

Na quarta etapa ficaria alguns quilómetros após Celanova e, em Manchica, teria que me desviar do caminho para encontrar onde dormir. A única opção que encontrei seria a Pension Casa Conde, na povoação de Merca. Seria uma etapa relativamente fácil apesar de ter novamente uma quilometragem perto dos 34 km.
Na etapa seguinte, a quinta, chegaria finalmente a Ourense onde já teria um albergue de peregrinos do Caminho Sanabrés, que continua a Via da Prata.

Depois seriam mais 4 etapas até Santiago de Compostela ao longo dos quais existem vários albergues públicos e privados que  também permitiriam a divisão das etapas em quilometragens menores.
A divisão de etapas que tinha estabelecido era:
·         Braga – Campo de Gerês (+/- 42 Km duros).
·         Campo de Gerês a Lóbios (+/- 24 Km)
·         Lóbios a Bande (+/- 34 Km)
·         Bande a Manchica (Merca)  (+/-  34 Km)
·         Manchica (Merca) a Ourense (+/- 30 Km)
·         Ourense a Cea ( +/- 22 Km) [ opção Ourense - Oseira, +/- 28 km]
·         Cea a A Laxe (+/- 37 Km) [ opção Oseira - A Laxe, +/- 29 km]
·         A Laxe a Ponte Ulla (+/- 29 Km)
·        Ponte Ulla a Santiago (+/- 22 Km)
No total, por este itinerário, contava realizar cerca de 280 kms e 9 dias de caminhada. Sendo que algumas das jornadas poderiam duras e longas. Comparando com itinerário por Ponte de Lima, contava fazer mais cerca de 90 kms.

Não havendo albergues até Ourense, tinha estabelecido a divisão das etapas pelos locais onde tinha identificado onde dormir. Contactando os ayuntamientos poderia ter encontradas outras alternativas para as pernoitas, mas não explorei essa solução.

Alguns tracks na WEB
Portugal
1.      Braga - Paredes Secas 
2.      Paredes Secas - ... http://pt.wikiloc.com/wikiloc/view.do?id=1657959
Camiño natural – Via Nova
1.      Portela do Homem - Lóbios  http://pt.wikiloc.com/wikiloc/view.do?id=3481081
2.      Lóbios - Os Baños (San Xoan) http://pt.wikiloc.com/wikiloc/view.do?id=3486436
Camiño da Raiña Santa
1.       Portela do Homem - As Conchas  http://pt.wikiloc.com/wikiloc/view.do?id=3269874
2.       As Conchas -Alto do Vieiro  http://pt.wikiloc.com/wikiloc/view.do?id=3276235
3.       Alto do Vieiro - Parderrubias http://pt.wikiloc.com/wikiloc/view.do?id=3276569

Via Nova


Ruta de S. Rosendo

Caminho Sanabrés ou Mozárabe (continuação da Via da Prata)

2.       Cea a Puxallos - http://pt.wikiloc.com/wikiloc/view.do?id=2720611
3.       Puxallos a Silleda - http://pt.wikiloc.com/wikiloc/view.do?id=2721124
4.       Silleda a Ponte Ulla - http://pt.wikiloc.com/wikiloc/view.do?id=2732631
5.       Ponte Ulla a Santiago - http://pt.wikiloc.com/wikiloc/view.do?id=2811178

Não partir sozinho
Aceitando o pedido para não partir sozinho e nunca se concretizando as companhias, acabei por nunca me meter ao caminho até ter notícia da iniciativa da Associação Teatro Construção (ATC). Juntei-me ao grupo a partir de Campo de Gerês e acabei por não fazer os 42 quilómetros iniciais. Desconhecia as iniciativas Xacobeas da ATC e não posso deixar de as recomendar. Com os normais problemas de gestão grandes grupos e ritmos muito diferenciados a gestão do grupo foi eficaz.

Com a ATC, em diferentes etapas, com o apoio de um autocarro, realizei o percurso desde Campo de Gerês até Pielles (7 kms depois de Cea) sem da preocupação logística da dormida. A divisão das etapas com a ATC tinha como critério a de realizar uma quilometragem próxima dos 24 km por jornada. Uma liberdade permitida pelo apoio de um autocarro.

Terminar a solo
Por razões de calendário não concluí o caminho com a ATC. A solo, em 3 etapas, pernoitando em Cea, A Laxe e Ponte Ulla, fiz o restante caminho aproveitando um fim de semana prolongado.

Após analisar várias opções, decidi deixar o carro junto ao albergue em Cea e de Santiago regressar a ele de autocarro.  Hoje ponderaria deixar o carro em Santiago de Compostela. Pois depender do horário do autocarro não me permitiu usufruir de Santiago de Compostela como pretendia.

Na Fundación Euroski (http://caminodesantiago.consumer.es/los-caminos-de-santiago/sanabres/) encontrei a melhor informação sobre os trajetos, quilometragem, altimetria, albergues e serviços ao longo de cada etapa. Existe ainda um pequeno guia que pode ser impresso e levado para o caminho.

As fotos
Enquanto não faço uma seleção, podem consultar o álbum do facebook (aqui).


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Um comentário numa rede social recordou-me uma opção que ainda ponderei. José Carlos Callisxto, do blogue Por fragas e Pragas, realizou em 2014 um outro itinerário, designado de Camiño Xacobeo Miñoto-Ribeiro, passando também pela Portela do Homem. Como leio o blogue ainda troquei algumas mensagens com ele sobre o itinerário, mas acabei por optar pelo itinerário por Ourense porque julgo ter sido o mais percorrido. A opção por Ourense, possui, na minha opinião, a vantagem de oferecer menores dificuldades logísticas já que encontra o Sanabrés mais cedo e, por isso, beneficiar das estruturas (albergues) desse caminho. Ainda assim, o percurso de  José Carlos Callisxto na saída de Braga é muito interessante. Não sendo fiel ao trajeto da Geira, permite a passagem pela Igreja de S. Frutuoso, a tal irmã menos afortunada da igreja visigótica de Santa Comba, pelo túmulo de São Martinho de Dume e pelo Mosteiro de Rendufe. Esta opção permite ainda com facilidade a divisão da etapa Braga a Campo de Gerês em Caldelas (Amares), onde, devido às termas, existe oferta hoteleira a preços relativamente económicos. Será uma boa solução na homologação do(s) caminho(s) pela Portela do Homem.
Post sccriptum 2
Recebi a indicação de que abriu um hotel em Celanova (ver aqui). Esse hotel possui online informações interessantes sobre este itinerário (ver aqui) da qual destaco "en la Edad Media, sobretudo de la zona de Braga, seguían la calzada romana Via XVII (Via Nova) desde Braga, visitando Dume (reliquias de San Martin de Dume) hasta Bande (reliquias de San Torcuato s I DC, discipulo de SanTiago Apostól según Códice Calixtino y obispo de Gúadix, después trasladas a Celanova. Desde Bande los peregrinos seguían la via secundaria de esta calzada (que passava por Celanova, Ourense y llegava Lugo) caminando por Verea (vereda) hasta el Monastério de San Salvador de Celanova (reliquias de San Rosendo y de San Torcuato) e seguiría hasta Ourense (veneración del santo Cristo de Ourense y de Santa Eufemia)."

A web do hotel faz referencia à passagem de Rainha Santa Isabel por este itinerário (com saída de Braga), mas ainda não consegui qualquer outra confirmação. Ainda que em Marques (1992, ) tenha confirmado que  a rainha tenha ido duas vezes em peregrinação - "Mas não foi a única vez que ela se deslocou a Compostela. Em 1335, voltou lá novamente, de forma discreta, como peregrina, profundamente marcada pela virtude da humildade, a pé, sem aparato externo, trajando com simplicidade e com um reduzidíssimo número de acompanhantes. Não era já a peregrinação da rainha, que, indubitavelmente, acabaria por assumir um aspecto oficial, político, que temos de compreender e aceitar. Agora, era a religiosa, que, aos 64 anos, mais sentia a necessidade de se aproximar do túmulo deste Apóstolo, que foi um dos confidentes de Jesus."

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O itinerário do José Carlos Callisxto passou a ser designado por Camino Braga - Santiago- da Geira e os Arrieros - Miñoto Ribeiro. Sobre este itinerário existe diversa informação que está condensada numa web (ver aqui) e existe um track "oficial" (ver aqui). No terreno não existe atualmente qualquer marcação pelo que é preciso usar um GPS. Os divulgadores deste itinerário avisam que "Varios tramos transcurren por sitios poco habitados en los que el camino puede estar en muy mal estado y no hay bares, supermercados ni alojamientos. Solo se recomienda recorrerla si ya tienes experiencia en otros caminos de Santiago y dominas el uso de GPS."

Post sccriptum 4
Em Marques (1992, 120) é referida a passagem de D. Manuel I por Dume na sua peregrinação a Santiago com o objetivo de "homenagear o grande apóstolo dos Suevos, S. Martinho de Braga (Dume) e S. Frutuoso, cuja acção, exercida através da rede monástica que sobreviveu até aos começos do século XII, ajudou a plasmar a alma das gentes do Noroeste peninsular." Considero que esta informação valida a saída de Braga por Dume nas peregrinações medievais ao contrário do que tinha imaginado. Eventualmente pode colocar a questão sobre o local da travessia do Cávado pois o mesmo artigo refere que "as pontes, como elementos fundamentais de ligação dos e nos caminhos, que deverão ser igualmente estudados em conjugação com as barcas de passagemMarques (1992, 122), mas o local da atual travessia na Ponte do Bico era anteriormente designado por Vau do Bico pelo que a travessia do Cávado no local já seria anterior à ponte.

Bibliografia
Marques, José. "O Culto de S. Tiago no norte de Portugal." Lusitânia Sacra, 2 série, 4, 1992: 99-148 (aqui)
Moreno, Humberto Baquero. "Vias portuguesas de peregrinação a Santiago de Compostela na Idade Média" Revista da Faculdade de Letras : História, série II, vol. 3, 1986: 77-90 (aqui)

Thursday, March 10, 2016

Ecce Homo
















Humanidade exposta
À varanda do mundo,
A mostrar,
Consumadas,
As horas cruciantes da paixão.
As chagas a sangrar
E as mãos atadas… 
Violência e prisão.
Semi-velado, o rosto
Não tem olhos,
Ou cobre-os o pudor
Da lucidez…
Alheio ao sol fortuito do poder
E à vencida aparência que lhe dê,
O penitente deixa-se apenas ver.
O que ele vê, não se vê… 
Miguel Torga

Wednesday, March 09, 2016

Sobre o Quinxo

vista desde o Quinxo para o Lima

Já abordei algumas vezes a questão da demarcação da fronteira Luso-Espanhola e os conflitos diplomáticos que ela envolveu. Educados com a ideia de termos a fronteira mais antiga da Europa, não temos a percepção de como a sua demarcação rigorosa é recente e que não foi assim tão consensual. 

Uma reflexão que partilhei com os meus companheiros da subida ao Quinxo no último fim de semana e depois procurei ilustrar com a informação de Finis Porttugaliae - Nos Confins de Portugal , de Maria Helena Dias (IGEOE):, sobre a definição da fronteira junto a Lindoso:

"O Juiz e mais Oficiais da Câmara do concelho de Lindoso, em seu nome e de todo o Povo, representam a Vossa Alteza Real que no ano de 1773 os moradores dos lugares de Bao, de Compostela e Ludeiros, vizinhos à raia do Reino da Galiza, cortaram a maior parte das vinhas que os moradores deste concelho possuem no sítio de S. Maria Madalena e levaram as cepas em carros para o dito Reino (…). Desde aquele tempo até o ano de 1800, têm estes pobres moradores experimentado mil ruínas, como foi queimarem­lhe as casas que de tempo imemorial possuíam naqueles montes, ou arruinarem­lhas fundamentalmente da mesma sorte, queimarem­lhe os colmeais, arrasarem­lhe as paredes e curros em que recolhiam os seus gados, etc., de que tudo, e da falta da produção das mencionadas vinhas, tem resultado aos moradores deste concelho um considerável dano que monta uns poucos de contos de reis, além dos insultos graves perpetrados em suas próprias pessoas. De tudo isto se tem dado a Vossa Alteza Real repetidas contas, por cuja causa têm vindo aqui vários Ministros, mas inutilmente (…)” (trecho de um requerimento provavelmente de 1800). Inúmeras são as exposições, requerimentos e ofícios mostrando os antigos e contínuos desacertos entre os moradores do Lindoso e os da Galiza próxima, tanto ocorridos no monte da Madalena como na serra do Quinjo (actualmente Quinxo, em Espanha). A contenda ter­se­ia iniciado por volta do começo do segundo quartel do século XV, quando o alcaide­ ­mor do castelo do Lindoso vendeu a vacaria que tinha e os gados deixaram de pastar, como sempre fizeram os dos seus antecessores, naquela parte portuguesa da serra. A desocupação desses terrenos, e a abundância de pastagens nas vizinhanças do Lindoso, deu lugar a que os galegos das aldeias próximas os ocupassem, sem oposição portuguesa. Porém, em 1538 procedeu­se ao tombo do termo de Lindoso, cujos resultados se representaram cartograficamente nos começos de Oitocentos, quando a questão se voltava a reacender, quer por Custódio José Gomes de Vilas Boas (1803), quer por Raimundo Valeriano da Costa Correia (1807). No entanto, não se conseguiu proceder então à demarcação, ora por falta de comparência dos comissários espanhóis, ora pela sua dilação. Não era só a serra do Quinjo que era motivo de discórdia, por pretenderem os galegos que o limite dos dois países passasse pelo rio Tibo ou Várzea (hoje, rio Castro Laboreiro); a questão era sobretudo nesta altura com o monte da Madalena, onde os moradores do Lindoso iam regularmente em romaria à capela aí existente e onde tinham vinhas, colmeias e campos agrícolas, mas que os vizinhos do outro lado pretendiam desalojar, estendendo o limite da fronteira para o rio Cabril. Quando, em meados do século XIX, a comissão preparou a proposta de demarcação, confrontava­se com a existência de vários limites: aquele que os espanhóis pretendiam (pelos rios Cabril, Lima e Castro Laboreiro); o marcado no tombo de 1538, que os portugueses reconheciam (que partia da Cruz do Touro, na serra do Gerês, descendo até à Pedra do Bozelo, ou Bozelho, e atravessando o Lima, subia ao Quinjo e ia paralelamente a este rio até à confluência com o de Castro Laboreiro; e, ainda, o anterior a este, abrangendo os terrenos outrora ocupados pelos alcaides do Lindoso e que os espanhóis haviam usurpado. Apesar das memórias então apresentadas e das provas irrefutá­veis, o comissário português aceitou a proposta espanhola a troco de compensações, com muitos agradecimentos de Bourman: este “era o terceiro presente” que Cabreira lhe oferecia (Vasconcelos e Sá, 1861, transcrito por José Baptista Barreiros, 1961­-1965)! A solução final para o litigioso monte da Madalena, dirimido por via diplomática, viria a dividir o terreno questionado em duas partes iguais (veja-­se o artigo 4.º do Tratado de 1864), acabando a linha de fronteira por ficar posicionada a Este da capela, e não no rio Cabril, e seguir por onde pretendiam os espanhóis, na restante parte."

Tuesday, January 26, 2016

Toponímia da Serra - Borrageiro

 panorâmica do Vale Teixeira com o Borrageiro ao fundo


Recentemente, no grupo do FaceBook Gerês - Xerés, acompanhei uma troca de opiniões sobre como distinguir os Borrageiro existentes na serra do Gerês. Um topónimo, cuja explicação julgo ter encontrado Dulce Lima [1] e era um dos que tinha intenção de abordar aqui.

Os Borrageiro


Na Serra do Gerês existem diversos locais com o topónimo Borrageiro que, por vezes, aparece designados por outras formas. Na minha opinião, as formas de Borrageira, usada por Miguel Torga, nas entradas dos seus Diários em 25 de Julho de 1945, 15 de Agosto de 1952 e 12 de Agosto de 1955, ou Alto do Borrageiro, forma usada na delimitação do Perímetro Florestal do Gerês, referem-se ao local onde se encontra o marco geodésico do Borrageiro. Em 1909, no mapa inserto em Serra do Gerez, Estudos - Aspectos – Paisagens,  Tude de Sousa usa Borrageiro para o mesmo local.

Gerês, Vilarinho da Furna, 25 de Julho de 1945 “O pé do Cabril, a Borrageira, o Altar de Cabrões, a Calcedónia parecem deuses solenes, com as cabeças divinas envoltas na fofa bruma das nuvens” Miguel Torga, Diário III 
Gerês, 15 de Agosto de 1952 – Despedida da serra. Quatro horas a trepar para chegar ao alto da Borrageira. Sobre o talefe, a 1433 metros, invadiu-me uma estranha sensação de que não estava a dizer um adeus provisório àqueles cumes, mas a perder para sempre um pedaço do mundo. Miguel Torga, Diário VI 
Gerês, 12 de Agosto de 1955 – Serra. Sempre que me encontro aqui, quando chega este dia, perco-me pelas fragas. Vou fazer anos à Calcedónia, ao Cabril ou à Borrageira – aos picos mais altos da Montanha. Que ao menos o espírito, que vai morrendo no corpo, tenha assim um vislumbre de ressurreição. Miguel Torga, Diário VII
Num relato de Camacho Pereira sobre uma excursão pela serra do Gerês, publicado no n.º 4 (Vol. II), Julho de 1935, a revista Latina, utiliza para o local a forma Borrageira,

Um novo cáos de predaria se desenrola, ao fundo na distância o Vale da Teixeira, para onde descemos; fecham o espaço o Junco e o Pé de Salgueiro; Garganta da Preza é p nome da passagem aberta ao vale. A prumo quási em frente a Borrageira para estar a um quarto de hora, porám quantas dobras de motanha!
A forma de Borrageiros (plural) seria usada para designar a região onde a cartografia mais antiga regista o Borrageiro 1º e Borrageiro 2º, onde se situam as ruínas das Minas do Borrageiro. Quanto à forma Borrageirinha, que Miguel Torga utilizou na entrada de 10 de Agosto de 1952, Rui Barbosa (blogue Carris), no Gerês-Xerés, referiu já ter escutado a referência Borrageirinho para o mesmo local. Ainda que não possa afirmar que seja referente ao cabeço junto às Minas do Borrageiro (Borrageiro 2º),  Maria Carronda (aka White Angel), a minha fonte preferida para esta área da serra, confirmou-me que conhecia as formas Borageiro 1, Borrageiro 2, do BorrageirinhoBorrageiras  ou Borrageirinhas para estes cabeços .


Se atendermos à entrada de 10 de Agosto de 1952, podemos considerar que o relato de Miguel Torga se adequa ao cabeço junto às Minas do Borrageiro:
    Gerês, 10 de Agosto de 1952 – Excursão à Borrageirinha, uma soberba meda de granito erguida numa paisagem lunar, que não descrevo. Há certos recantos da natureza para os quais não existem palavras nem tinta. Demais a mais quando as circunstâncias que nos aproximam deles são, como as de hoje, de tal modo propícias que os transformam e tornam quase irreais.
    Perfeitamente possesso da inexprimível grandeza que me envolvia, tirei-me da pequenez habitual e cometi naquele cenário imprevisto uma das loucuras mais bonitas da minha vida. Subi ao Fragão pelo seu lado menos acessível e mais perigoso. Os companheiros, aflitos escoravam-me com os olhares. Mas apetecia-me uma façanha digna de tamanha majestade. E ela do que arriscar a própria vida.
    Se há gente que eu entenda, é aquela que gasta a existência a escalar os Himalais do mundo. Abismos invertidos em direcção ao céu, para os amar é que é preciso ter asas de Nietzsche. Os triunfos, ali, conquistam-se nas barbas de Deus. Miguel Torga, Diário VI
A utilização de Borrageira e Borrageirinha, com apenas com 5 dias de diferença, se atendermos ao cuidado que Miguel Torga tinha na revisão dos seus livros, poderá ser também uma boa indicação que estaria a referir-se a locais diferentes. 

O topónimo


Sobre o topónimo, de acordo com Dulce Lima  [1], borrageiro, ou cabeço, são denominações locais para designar o Castle-Kopje (os "inselberg" de forma acastelada). Assim, a origem destes topónimos seriam referências ao relevo. Pequenas ilhas erguidas em oceanos de pedras.

localização dos diferentes Borrageiro na carta 31

Thursday, January 21, 2016

Notas dos currais de Vilarinho da Furna

cabana de Porto covo, com Chão de Peijoanas em 2º plano


Numa caminhada recente passei por locais que há muito queria visitar com a intenção de localizar os currais de Vilarinho da Furna.

Baseando-me na informação de Jorge Dias, em Vilarinho da Furna - Uma aldeia Comunitária, e Manuel de Azevedo Antunes, em Vilarinho da Furna - Memórias do Passado, é possível proceder a uma listagem dos currais da aldeia. Compiladas em momentos diferentes, as listagens são naturalmente diferentes, mas informação não deva ser tida por completa e devem ter existido mais currais do que o citados.

O livro de Jorge Dias resulta da tese de doutoramento apresentada na Universidade de Munique em 1944 e os trabalhos de campo foram realizados num tempo em que na aldeia se mantinha vivo o comunitarismo e a serra ainda era profusamente ocupada pelos rebanhos da aldeia.

O livro de Manuel de Azevedo Antunes é uma obra mais tardia. Uma homenagem às memórias da sua aldeia e da sua comunidade. Nascido em Vilarinho da Furna, Manuel de Azevedo Antunes já cresceu com a ameaça da barragem que a haveria de sepultar e com os efeitos das migrações. Não sendo apenas uma memória dos últimos tempos da aldeia é naturalmente marcada por eles. 

O maneio da serra por parte de Vilarinho não terá sido igual ao longo dos tempos. Era realizado de acordo com as necessidades e capacidades da  aldeia e foi também influenciado por causas externas à aldeia. Entre as últimas podemos facilmente isolar duas pelo impacto profundo, ambas do século XIX: a marcação da fronteira luso espanhola e florestação iniciada com o Perímetro Florestal do Gerês.

Para melhor compreensão da utilização dos currais, faço também uma breve explicação da organização pastoril da aldeia.

A questão da fronteira


A delimitação tardia da fronteira explica os currais situados em Espanha. As referências de Jorge Dias, prova que a aldeia a ignorou enquanto lhe foi possível e que, nas primeiras décadas do século XX,  continuava a utilizar currais em Espanha. A utilização destes prados terá terminado com a arborização das montanhas pelos serviços florestais de Espanha e foi  um golpe na economia pastoril de Vilarinho.

Ainda que nos seja atribuída uma das fronteiras mais antigas e estáveis do mundo  a sua delimitação é apenas do século XIX:
"A estabilidade da fronteira que muitos pretendem ver desde o Tratado de Alcañices foi, contudo, mais aparente do que real. As fronteiras medievais eram fluidas e imprecisas e as frequentes disputas obrigavam à interven­ção dos poderes régios. Na realidade, ao longo da História, a fronteira foi palco de múltiplos litígios entre os moradores de um e do outro lado, como múltiplas foram também as tentativas de entendimento e de demarcação territorial." Maria Helena Dias, Finis Portugalliae - Nos Confins do Mundo 
Na década de 50 do século XIX foi criada a primeira Comissão Internacional de Limites e  o Tratado de limites entre Portugal e Hespanha, seria assinado em Lisboa em 29 de Setembro de 1864 (com dois anexos de 1866, relativos aos rios limítrofes e sobre as apreensões de gados).

A colocação dos marcos necessários e sua descrição geométrica demorou 40 anos e a  1 de Dezembro de 1906 foi, finalmente, assinada a Acta geral de delimitação entre Portugal e Espanha, após intensos trabalhos de campo e de gabinete.
“Portugal tinha, deste modo, e pela primeira vez, grande parte da sua linha de fronteira terrestre descrita científica e minuciosamente: uma linha poligonal que une pontos determinados do espaço, materializados no terreno pelos marcos fronteiriços, paralelepípedos numerados, com uma das faces voltada a Portugal, onde se encontrava inscrita a letra P, e a face oposta voltada a Espanha, onde se encontrava inscrita a letra E.” Maria Helena Dias, Contributos para a História da Cartografia militar portuguesa.
Na delimitação da fronteira na área do Lindoso, as populações nacionais reivindicavam uma fronteira, marcada no tombo de 1538, que da Cruz do Touro descia até à Pedra do Bozelo, ou Bozelho, e atravessando o Lima, subia ao Quinjo e ia paralelamente a este rio até à confluência com o de Castro Laboreiro; e, ainda, o anterior a este, abrangendo os terrenos outrora ocupados pelos alcaides do Lindoso. As populações espanholas pretendiam que a fronteira fosse estabelecida pelos rios Cabril, Lima e Castro Laboreiro. A solução final este litígio, dirimido por via diplomática, viria a dividir o terreno questionado em duas partes iguais (artigo 4.º do Tratado de 1864), acabando a linha de fronteira por ficar posicionada a Este da capela, e não no rio Cabril, e seguir por onde pretendiam os espanhóis, na restante parte. 

A questão da fronteira do Lindoso, a verde a fronteira marcada e a amarelo a reclamada. 
Maria Helena Dias, Finis Portugalliae - Nos Confins do Mundo 
"A conflituosa fronteira junto ao Lindoso, segundo a posse dos seus habitantes e os títulos antigos registados nos arquivos da Torre do Tombo e do Arcebispado de Braga, num desenho de Custódio José Gomes de Vilas Boas em 1803 (aqui destacada). Enquanto esses documentos estabeleciam os limites de Portugal e Espanha pelas cumeadas das serras, os galegos vizinhos pretendiam que a demarcação passasse pelos rios Tibo ou da Várzea (hoje, Castro Laboreiro), Lima e Cabril." Maria Helena Dias, Finis Portugalliae - Nos Confins do Mundo 

O Perímetro Florestal do Gerês


Perímetro Florestal do Gerês
mapa de Tude de Sousa - Serra do Gerez

A criação do Perímetro Florestal do Gerês em 1888 (1) altera o modo secular de usufruto da serra e dos seus recursos. A instalação da Mata e dos Serviços Florestais marcou o Gerês, a Serra, o Parque, o concelho de Terras de Bouro e as suas comunidades. Sobre este evento, José Viriato Capela em Os povos da Serra do Gerês em luta contra a Mata e os Serviços Florestais escreve que “com eles [a Mata e os Serviços Florestais] põe-se fim a um larguíssimo ciclo de uso tradicional da serra e dos seus recursos por estas comunidades serranas. Comunidades que põem todo o seu empenho na salvaguarda e defesa dos pastos dos montes onde se cria o gado que é a sua principal fonte de rendimento. A eles tudo submete e em função deles tudo organiza.”

Naturalmente que é errado não reconhecer o mérito do trabalho realizado pelos Serviços Florestais, mas do ponto de vista das comunidades locais o efeito foi devastador. Em nome do progresso estas comunidades foram prejudicadas na apascentação do gado; na fabricação de carvão; na recolha de mato para adubar as terras e no corte e apanha de lenhas secas e rasteiras. O que, até teve alguma compreensão e compromisso da Mata e Serviços Florestais quando estabeleceu acordos que deixavam sem arborização os currais, sítios de excelência de pastos da montanha geresiana. Eu  compreendendo o progresso, mas tenho sempre presente,  de Quando os lobos uivam; Aquilino Ribeiro, o discurso do advogado de defesa dos que se revoltaram contra a florestação: “Na minha opinião humilde e desambiciosa, opinião de quem vê o homem através da sua humanidade, o que há a fazer é plantar a civilização nas aldeias, uma civilização digna do século XX, antes de pensar ir para a serra mudar-lhe a natureza.”


A organização pastoril de Vilarinho da Furna


Jorge Dias faz uma descrição pormenorizada da organização pastoril de Vilarinho da Furna. O maneio do gado obedecia às decisões dos juízes do acordo e nem todos o gado era vigiado. Os cavalos e éguas eram deixados em liberdade num estado semiselvagem  e, se o tempo permitia,  acabadas as vezeiras, os bois também poderia ser deixados ao feirio por algum tempo.

Os bois e vacas formavam duas vezeiras diferentes e as zonas de pastagem estavam normalmente divididas por muros de pedra para que os animais não se encontrassem. Os bois, ainda que castrados, continuavam a ter cio e não deixavam as vacas pastar em paz. A presença dos bois poderia ainda enfurecer o toiro. Estas vezeiras começavam em Maio e duravam 5 meses.

A vezeira das vacas era a mais importante e de maior responsabilidade e com ela andava o touro de cobrição que pertencia ao lugar (Eido).

A vezeira dos bois tinha uma organização muito semelhante à das vacas e, contrariamente a outros locais, havia um certo equilíbrio entre vacas e bois. Jorge Dias via neste facto uma evidência que a aldeia se dedicava mais à engorda de animais para venda de carne e menos ao aproveitamento do leite e seus derivados.

As vacas com crias ou prestes a parir formavam a vezeira do Eido e pastavam por terrenos perto da aldeia e à noite retornavam ao Eido. Ainda hoje é fácil identificar alguns dos locais desta vezeira como, por exemplo a Chã de Cima. 

As cabras formavam a vezeira das rês. Esta vezeira era anual e saía de manhã e voltava à noite. Enquanto durassem as vezeiras das vacas e a vezeira dos bois, a vezeira das rês não podia entrar nos espaços destas de forma a não estragar os pastos.

A vezeira dos carneiros era a mais pequena de todas e os seus pastos eram todos na margem esquerda do rio Homem. São conhecidos topónimos como Chã das Ovelhas e Cabeço da Chã das Ovelhas. 

Para além destas 5 vezeiras, havia ainda o rebanho das rês de parte formada  pelas cabras de um ou dois vizinhos mais abastados. Esta vezeira era mandada com pastor próprio de forma a descongestionar  a vezeira comum, permitindo que os animais pastassem melhor. 


Os currais e cabanas de Vilarinho das Furna


Recorrendo a Jorge Dias e a Manuel de Azevedo Antunes é possível realizar uma listagem dos currais e cabanas da aldeia. Esta listagem deve ser considerada incompleta porque os autores parecem ter-se preocupado com a apascentação do alto da serra. Mais próximo da aldeia a Vezeira do Eido e a Vezeira dos Carneiros teriam também as suas zonas de pasto definidas.

Vilarinho da Furna - Uma aldeia Comunitária
Jorge Dias

Currais das Vacas
  • Prados Caveiros [Prados Coveiros em outras fontes, localização conhecida]
  • Albergaria [localização conhecida]
  • Chão do Vidoal [localização conhecida]
  • Chão do Ramisquedo [localização conhecida]
  • Chão de Peijoanas [localização conhecida]

Currais dos Bois
  • Chão de Separros [Ceparros em Manuel de Azevedo Antunes, localização provável conhecida]
  • Chão dos Toiros [localização provável indiciada por topónimo]
  • Chão do Porto Covo [localização conhecida]
  • Chão da Fonte [localização conhecida]
  • Chão de S. Miguel [localização conhecida]

Currais das Éguas (2)
  • Mouroas (ES) [localização desconhecida]
  • Chão Galego (ES) [localização desconhecida]
  • Lama do Picão (ES) [localização desconhecida]
  • Costa do Girico (ES) [localização desconhecida]
  • Costa de Negrelas (ES) [localização desconhecida]
  • Cabecinha de Pinheiro (ES/PT) [localização desconhecida]
  • Curral de Palas (ES) [localização desconhecida]
  • Rio Calvos (ES) [localização desconhecida]
  • Porta Ribeiro (ES) [localização desconhecida]
  • Chão de Fojos (ES) [localização desconhecida]
  • Onde Morreu Martinho (ES) [localização desconhecida]
  • Chão de Toiros (Fronteira) [localização sugerida por topónimo] 
  • Banhadoiro (Fronteira) [localização desconhecida]
  • Uêlo (Fronteira) [localização desconhecida]
  • Chão de Calvos [localização sugerida por topónimo] 
  • Chão de Carvalho [localização sugerida por topónimo] 
  • Chão de Pocinhas [localização desconhecida]
  • Cabeço de Palheiros [localização sugerida por topónimo] 
  • Carvalha 36 (Fronteira) [localização desconhecida]
  • Palheiros[localização sugerida por topónimo] 
  • Corga das Cabanas [localização desconhecida]
  • Gramelas [localização sugerida por topónimo] 
  • Corisco [localização sugerida por topónimo] 
  • Chão dos Cesteiros [localização desconhecida]
  • Chão Terrão [localização desconhecida]
  • Portela do Homem [localização sugerida por topónimo] 

Vilarinho da Furna - Memórias do Passado
Manuel de Azevedo Antunes (3)

  • Vidoal Vidoal [localização conhecida]
  • Chão do Muro [localização conhecida]
  • Chão da Fonte [localização conhecida]
  • Ramisquedo [localização conhecida]
  • Peijoanas [localização conhecida]
  • Chão do Carvalho [localização provável conhecida]
  • Ceparros [Separros em Jorge Dias, localização provável conhecida]
  • Chão dos Touros [localização provável indiciada por topónimo]
  • Calvos[localização provável indiciada por topónimo]
  • Rio D'Home [localização desconhecida]
  • Albas [localização provável indiciada por topónimo]
  • Abrótegas [localização conhecida]
  • Amoreiras [localização conhecida]
  • Palheiros [localização provável indiciada por topónimo]
  • Varziela [as cartas 30 e 31 assinalam locais com estes topónimos]
  • Prados Caveiros [Prados Coveiros para outras fontes, localização conhecida]
  • S. Miguel [localização conhecida]
  • Albergaria [localização conhecida]



(1) Limites circunstanciados do perímetro florestal da Serra do Gerês,

1. Limite sul caminhando de oeste para Leste: marco geodésico do Escuredo; marco triangulado do Françoz; marco geodésico da Pedra Bella.

2. Limite a nascente caminhando do sul para norte: marco geodésico da Pedra Bella; marco geodésico do Veregeiro; marco geodésico do Junco; marco triangulado do Pé de Salgueiro; desde o ´Pé de Salgueiro até ao marco do Borrageiro, águas vertentes do rio do Gerês; marco geodésico do Borrageiro; marco geodésico das Albas; marco triangulado do Cabeço Cova da Porca; marco geodésico da Cidadelhe; marco triangulado da Cesta do Pássaro; marco triangulado do Alto do Pássaro; marco triangulado de Lamas do Homem; marco triangulado dos Carris; marco triangulado da Cabreirinha; marco triangulado do Altar dos Cabrões.

3. A norte caminhando par oeste pela raia de Espanha: marco triangulado do Altar dos Cabrões; marco triangulado do Outeiro da Meda; marco triangulado da Lage do Sino; marco triangulado do Lajão; marco triangulado da Lage da Cruzes; marco triangulado da Bella Ruiva; marco triangulado da Cruz do Pinheiro; marco triangulado do Alto de Negrellos; marco triangulado da Portela do Homem; marco triangulado de Chão de Calvos; Marco triangulado de galo de Calvos; marco triangulado do Alto do Salgueiro; marco triangulado da Cruz do Touro;  marco geodésico das Eiras.

4. A nascente caminhando de norte para sul: marco geodésico das Eiras, águas vertentes pelo talweg [i] do Rio Parrade; Rio Parrade até ao seu encontro com o Rio Homem; Rio Homem em direção à sua foz até ao Rio Tirliron ou Águas de Mós; Talweg do Rio Tirliton até ao marco geodésico Pé de Cabril; marco geodésico de Mesas; marco geodésico de Junceda; marco geodésico de Lamas; marco geodésico do Escuredo.


[i] talweg (talvegue):a linha na qual o último veio d’água seguiria no leito completo de um rio caso este estivesse em seca gradual até finalmente desaparecer completamente.»

[fonte Manuel de Azevedo Antunes, Vilarinho da Furna - Memórias do Passado]

(2) Atendendo que as éguas e cavalos andavam ao feirio a existência de curral/cabana seria desnecessária. Assim, Jorge Dias estaria a fazer uma indicação de zonas de pasto. No entanto, como a listagem Manuel Azevedo Antunes,  que se terá essencialmente preocupado com as cabanas, refere alguns destes locais não deve ser excluída a existência de cabanas em alguns deles.

(3) Atendendo ao que parece ter sido o critério de listar apenas os currais com cabanas, mesmo quando o topónimo não deixa dúvidas sobre a localização, são estão considerados como "localização conhecida" não é conhecida a existência de cabana.