Friday, July 31, 2020

Notas sobre a questão do topónimo Carris das Fontaíscas

mapa de Camacho Pereira (retirado de Rui Barbosa, blogue Carris)

Acompanhei, sem puder contribuir muito, uma questão levantada por Rui Barbosa relativamente ao topónimo Carris das Fontaisca (carris de fontaiscas um toponimo e será carris de fontaiscas um erro) a partir de um  mapa de Camacho Pereira que já conhecia de uma anterior publicação do Rui Barbosa.

Aproveitando um retiro forçado,  volto à questão com o meu contributo para o seu esclarecimento. Como tudo começou no mapa, considero que para sua melhor compreensão é importante ter presente a descrição de uma jornada de serra de Camacho Pereira publicada na Revista Latina, de que era diretor, que em seis entradas o Rui Barbosa publicou em tempo (um; dois; três; quatro; cinco e seis).

Para um enquadramento mais completo, poderia ser ainda interessante abordar quem foi Camacho Pereira, mas para isto não ficar grande demais, sugiro aos espíritos mais curiosos que façam uma pesquisa Google e encontrarão algumas entradas sobre o editor.

O artigo  da Revista Latina descreve um passeio pela Serra do Gerês, na companhia de um guia, saindo da vila termal em direção à Pedra Bela, Carvalha das Éguas, Vale Teixeira e Borrageiro que seria o objetivo. No entanto o grupo acaba por continuar até ao Peito de Escadas, passando por Lomba do Pau, Conho, Prados da Messe, Prados Coveiros de onde descem até à Albergaria pelo Peito de Escada. Retornam à vila por Leonte, onde chegam já de noite.

Como o percurso foi realizado pela serra a este da estrada florestal, regressando por ela, podemos formular a hipótese de que Camacho Pereira fixasse do guia os topónimos dos locais por onde passaram ou imediatamente adjacentes a esses locais. Naturalmente sem  invalidar que escutassem outros que ficassem no horizonte visual e os pudessem igualmente fixar.

Se considerarmos os topónimos citados no artigo (Pedra Bela; Observatório; Cabeça de Cão; Desfiladeiro de Artur Loureiro; Varegeira; Carvalha das Éguas; Vale Teixeira; Junco; Pé de Salgueiro; Curral de Cambalhão; Garganta da Preza, Borrageira; Leonte; Lomba de Pau; Fichinhas; Vale do Conho; Fonte de Alvas; Prado da Messe; Prados Coveiros; Abelheirinha; Cantarelo; Alto de Peito de Escada; Laspedo; Bargiela, Eiras; Albergaria e Preguiça), a hipótese parece confirmar-se. Logo será previsível que o topónimo de Carris das Fontaíscas designe um lugar algures a este da estrada floresal e próximo do percurso realizado.

No entanto, Camacho Pereira não fez apenas esta excursão e conhecia mais do Gerês. O mapa poderia, portanto, refletir também outras excursões.

De acordo com Rui Barbosa "o mapa possui alguns erros de localização e de referenciação de algumas características daquela zona na Serra do Gerês". Erros que são perfeitamente compreensíveis num mapa realizado sem o rigor científico e desculpáveis no objetivo da revista.


mapa de Camacho Pereira (retirado de Rui Barbosa, blogue Carris)

Camacho Pereira foi, com mais rigor e interesse, numa época em que o turismo interno se estava a desenvolver como industria, um antecessor dos "influencers" de hoje que publicam as suas viagens e fotos. Entre outras coisas, escreveu e publicou para os excursionistas, turistas e viajantes em geral, os roteiros, itinerários ou os guias de viagem incluindo mapas e plantas turísticas que constituíam um excelente complemento das descrições textuais e mesmo das imagens e fotografias.

Publicando com um tempo de reflexão muito diferente e sem ter a pressão do"clickbait" é normal que Camacho Pereira tivesse um cuidado superior de edição dos seus sucessores. Mas terá cometido cometido erros e a localização deste topómino será um deles. 

Sobre o topónimo Fontaíscos (ou Fontaiscas) sabemos que na zona está referido na carta nº 31 (na versão de 1991) para designar uma linha de água que desde as encostas sobranceiras à Lomba de Pau corre até ao Vale de Maceira.

Pode Camacho Pereira, como Rui Barbosa formula inicialmente, ter confundido 'Carris de Maceira' ao designá-lo como Carris de Fontaiscas? Ou, como formula em segunda hipótese, Carris das Fontaíscas, seria a designação para uma passagem entre a Lomba de Pau e o Vale de Maceira sem haver a necessidade de subir a Tábuas e passar por Carris de Maceira e o topo da Corga dos Cântaros para chegar à Lomba de Pau?

Sobre esta questão, sem ter dúvidas de ter existido em tempos da passagem direta do Vale de Maceira e a Lomba de Pau (na verdade em direção aos Prados da Messe), considero que Rui Barbosa acertou na primeira intuição. De fonte direta, recolhi a informação que a cartografia unicórnio dos extintos Serviços Florestais designa a vertente norte do vale Maceira como Fontaiscos e isso permite pensar que os Carris das Fontaíscas pode ter sido em determinada altura uma designação alternativa para Carris da Maceira. Ainda que a mesma fonte me informe que o Curral de Tábuas aparece nessa cartografia designado por Curral  dos Carris da Maceira. Razão pelo que podem não terem sido usadas contemporaneamente. 

Infelizmente, relativamente à cartografia que ajudaria a esclarecer estas pequenas curiosidades, não posso fazer mais do que esta referência. É uma pena que o PNPG não disponibilize o acesso a ela.  Percebendo os cuidados com a sua preservação, com as atuais facilidades de digitalização seria fácil permitir o acesso em formato digital.

Lateralmente a esta questão, julgo ter aprofundar (1) um pouco a possível origem do topónimo “maceira”   que poderá estar relacionado com a existência de ribeiros, veigas, mananciais (em latim manatio/-onis - corrimento, corrente de água). Hipótese que associa os topónimos Fonataíscos e Maceira à existência de água.


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