Monday, September 25, 2006

Pelas Terras do Barroso com o UPB


As Terras do Barroso são um território do maravilhoso, Éden transmontano como lhe chamava uma revista de viagens. – “Isolada pelas montanhas, barricada atrás de lagos sucessivos, abandonada pelas vias rápidas, envolta em nevoeiro, chuva e neve. A região do Barroso é um território de florestas misteriosas, onde os uivos do lobo não são um mito; de bruxas e feiticeiros que se juntam em encruzilhadas e estranhas. Não é terra para homens, mas também lá existem.”

Em Vilar de Perdizes o Padre Fontes terá pretendido dar relevo a este património cultural mas nos últimos tempos, por força de uma errada mediatização, perdeu terreno para os charlatães das tv´s e revistas. Abastardamento de que é exemplo o inqualificável Bruxo Alexandrino, presente na última edição do congresso de medicina popular como proto-candidato presidencial. É pena que assim seja. Apesar de descrer de misticismos, respeito os conhecimentos da "alquimia" popular e Vilar Perdizes podia ter um papel importante no estudo e divulgação desses conhecimentos, um diálogo entre o saber popular e o desenvolvimento da ciência

Pitões das Júnias não fica muito afastada do litoral, são uns escassos 90 km de Braga e 145 km do Porto. Só que, como toda a região transmontana, foi a uma região esquecida e isolada. Aldeia da raia seca, a fronteira unia-a mais do que separava da Galiza, por sua vez também abandonada por Espanha. Até às extinções das ordens religiosas em Espanha era o Mosteiro de Osseira (Espanha) que se responsabilizava pela paróquia. Hoje ainda é possível identificar muitos sinais desta relação, ainda que envenenada por episódios durante a Restauração. Encontrar, no centro de Pitões um bar/café chamado "Taverna Celta" é um testemunho claro desse relacionamento. É também um sinal da cultura de "druidas" que Vilar de Perdizes talvez tivesse podido festejar antes de derivar para a cultura de "doidos e doidas" mais interessados em tarot e amuletos.

Ao procurar informação da capela de S.João da Fraga, encontrei no "Portugal Antigo e Moderno" de Pinho Leal uma pequena preciosidade sobre Pitões das Júnias: "Os costumes dos habitantes são geralmente bons, mas visinhos dos hespanhoes, aprenderam com elles a rogar medonhas pragas, contra os filhos, contra os animaes, e contra tudo que incommoda; são muito inclinados à gulla, no comer e no beber, seguindo-se por consequência necessária, a sensualidade desenfreada, que ali se nota em grande escala. Em razão d’esta freguezia ser curada por padres espanhoes, que pouco cuidavam dos deveres próprios do seu elevado ministério, viviam os fieis d’esta freguezia n’uma crassa ignorância da doutrina christan, e do cumprimento dos preceitos da nossa Santa Egreja ...". Fantástico, como nada mais se pudesse dizer, culpa-se os vizinhos das consequências do abandono. Fiquei é a perceber melhor a t´shirt de um colega de Montalegre dos tempos da universidade, que apunha, na simplicidade de umas letras garrafais, o orgulho da condição de "Touro Barrosão". Resquícios de uma "inclinação para a gula" é o que era.

Da Capela de S. João da Fraga não encontrei muita informação, mas acredito que alguém com mais conhecimentos poderia relacionar a sua existência no local onde se encontra, assim como estar dedicada a S. João Baptista, com cultos mais antigos do sol e do fogo celebrados pelo solstício de Verão. Mais um sinal de um certo "paganismo" tornado oficializado.

Também não encontrei muita informação de uma povoação antiga junto a Pitões das Júnias, Aldeia Velha do Juriz - Sancti Vicencii de Gerez . que não tive tempo para a visitar. Fica para outra oportunidade. Quem sabe se para uma fria tarde de Inverno depois de comer um cozido na Casa do Preto. Pitões têm ainda as ruínas de um Mosteiro que vale a pena visitar. Originalmente Beneditino, mais tarde da Ordem de Cister, remonta ao século XII. Foi lá que, num dia calor,avistei um sardão com um porte e cores fantásticas que nunca esquecerei e só tenho pena de não ter fotografado.

A ideia da caminhada era explorar a ligação de Pitões às Minas de Carris pelos prados e corgos junto à capela. Tínhamos vários relatos de caminhadas idênticas mas desconhecíamos em absoluto o terreno. Era a aventura por completo. A zona é magnífica e transmite uma sensação única de liberdade e pureza. Em poucos lugares de Portugal haverá montanha tão pura.

As previsões meteorológicas eram muito desfavoráveis, ameaçando chuva forte e trovoada. E esta última assustava. Caminhar e trovoadas não ligam. Só que o dia não cumpriu totalmente as previsões.

O local de encontro foi o café do costume em Braga, de onde partimos em direcção a Pitões. A estrada aconselhava algumas cautelas na condução e retardou a hora de início da caminhada. Acordámos avançar até às 14h00 e nessa altura iniciar o regresso Pitões. Era importante garantir luz para regressar.

Começámos a caminhar em direcção à capela de S. João e logo um cão se juntou a nós. Aparentava ser novo, brincalhão e muito curioso, um companheiro inesperado e divertido. Nos cursos de água que atravessámos entretinha-se com um estranha brincadeira, quase como se estivesse a pescar, abocanhando a água.

Sinto um prazer que não sei explicar em caminhar à chuva, prazer que descobri partilhar com mais gente que gosta de caminhar. Há certas paisagens que só se revelam em toda a sua força e beleza quando as águas rebentam. Linhas de água e cascatas que nos mostram uma natureza fora do período de adormecimento estival. Os dias quentes são bons para uma banhoca numa lagoa, não são os melhores para caminhar. Exigem de nós um esforço suplementar que não compensa.

Caminhámos por entre mato, subimos, descemos e poucas vezes encontrámos trilhos abertos. À hora acordada não estávamos longe do Pico da Nevosa e dos Carris mas havia ainda o caminho de regresso para fazer.

Regressamos por um caminho diferente, mais curto e mais fácil. A navegação estava facilitada porque, para além do conhecimento do terreno adquirido, a capela de S. João da Fraga era um óptimo ponto de orientação. A capela é uma pequena construção rústica caiada de branco no cimo de uma fraga imponente. Acede-se a ela por uns degraus talhados na rocha que depois desci a medo devido à chuva. Lá em cima a vista é avassaladora.

No final da caminhada retemperámos forças na Casa do Preto. Sopa, presunto e um tinto transmontano sem pedigree mas de bom paladar. Antes de voltar a Braga comprei no forno comunitário da aldeia uma broa de centeio acabada de cozer. A padaria da aldeia, que distribui até Braga e por Espanha, coze lá todos os dias.

O objectivo da caminhada não tinha sido cumprido mas poucas caminhadas me deram tanto prazer. Tinha as botas encharcadas, mas nada disso importava pois tinha experimentado uma sensação de liberdade única. Citando um transmontano a quem uma companheira de caminhadas chama poeta padroeiro do UPB: “Se há gente que eu entenda, é aquela que gasta a existência a escalar os Himalaias do mundo. Abismos invertidos em direcção ao céu, para os amar é que é preciso ter asas de Nietzsche. Os triunfos, ali conquistam-se nas barbas de Deus.” – Miguel Torga; Diário VI, 10 de Agosto de 1952.

ver fotos da caminhada

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