Thursday, February 23, 2012

Sobre a possível origem do topónimo Matança na Serra do Gerês

Já tratei aqui sobre uma possível origem do topónimo Matança na Serra do Gerês quando partilhei uma leitura das memórias paroquiais da freguesia de Outeiro (Montalegre). A hipótese então avançada pode ser consultada aqui e apontava para um dos muitos reencontros na altura da Restauração. Época em que Pitões da Júnia terá sido incendiada, as pontes da Geira derrubadas e durante vários anos terão existido diversos conflitos fronteiriços.

Tal como esclareci então, considero que são estas pequenas coisas que ajudam a enriquecer os que gostam de andar pela serra por razões diferentes da, usando uma expressão de Unamuno aprendida no Torga, mera voluptuosidade da fadiga. Gosto de partilhar com os companheiros de caminhada o que vou descobrindo sobre a serra e os seus segredos.

Na leitura da monografia de Pincães (ver aqui) encontrei uma outra hipótese que aponta para uma justificação diferente e muito mais anterior do topónimo Matança. Com efeito, o livro Aldeia de Pincães transcreve parcialmente um manuscrito de 1744, do Padre Diogo Martins Pereira, no qual se pode ler:

"...
34º Estes três acima repartidos no grande distrito e âmbito desta freguesia fariam guerra aos sarracenos e mouros que infesteram quase toda a Espanha, e nesta freguesia lhe era fácil a defesa junto com os mais cristão que povoaram aquelas montanhas da serra do Gerês, como em toda esta serra ainda hoje se veêm, foi antigamente cultivada tudo aquilo que podia dar fruto para sustentar os perseguidos e ainda esta casa da Freira tem naquela serra várias propriedades em que se colhia e colhe bom centeio como é o Pêro, curral das mangas, dois em Lagoa, um no Pássaro e outro em Rocalva e muitos desertos que ninguém cultiva, e naquele tempo se cultivaram para remédio dos viventes.
35º E que foi certa batalha que os cristãos ali deram aos mouros, como sediz desta batalha, tomaram o nome de Matança pelos muitos que, os cristãos ali mataram se haviam de achar, a ela, os três referidos com toda a mais cristandade que havia por aquela serra ou os seus descendentes que não havia degeneras daquela aperto dos seus antepassados, e assim serviu esta freguesia  naquele tempo de Valha Couto e baluarte da cristandade  como seria na referida batalha da Matança a qual fica vindo da parte de  Pitões para o meio do Gerês adiante, dos Currais de Lamalonga, limites desta freguesia de Cabril.
36º E seria na ocasião que o príncipe Dom Pelágio, se viu favor vindo do Céu nas Covas de Oviedo, quando as setas que contra ele aos seus atiravam os mouros, as mesmas que atiraram e se feriam e matavam e aos muito mouros que ali escapavam se viriam com esta serra em paradeiro fazendo nela redutos e cateteres no áspero da mesma serra, donde os cristãos os expulsaram e fizeram  retroceder até Matança, onde lhe deram batalha, e que por isso lhe deram o nome de Matança pelos muitos que ali mataram, donde não puderam entrar nesta freguesia, a qual tinham extremado ódio, sendo esse ódio comum contra toda a cristandade que vivia nas Espanhas, venha a ser especial contra os povos que viviam nesta freguesia tão extensa, e lhe fazia tanto dano como se viu nesta batalha da Matança e dizem que juraram os mouros vencer ou morrer como morreram os mais deles, e também dizem que deste solene juramento que fizeram no Gerês, tomara a serra este nome de Gerês, e então se não deve escrever Gerês, mas sim Jurês.
..."

Parece-me óbvio que estamos a falar do mesmo local e, sendo assim, pelo menos uma das explicações para o topónimo estará errada. Ainda que não queira tomar partido por nenhuma das possíveis explicações, devo esclarecer que me parece mais credível a que encontrei nas Memórias Paroquiais. Fundamento a minha opinião em duas grandes razões.

A primeira porque são conhecidos os muitos conflitos fronteiriços que ocorreram na Restauração, a que o manuscrito também faz referência, e me custa acreditar num reencontro entre cristão e mouros num local tão elevado e afastado dos locais naturais para atravessamento da serra. Mais ainda quando relaciona esse reencontro com Pelágio e a Batalha de Covadonga (o que situa esse reencontro por volta de 721).

A segunda porque me questionei sobre a etimologia da vocábulo Matança e descobri uma provável, apesar de não confirmada e controversa, origem árabe (ver aqui). Ora, confirmando-se a origem , seria muito estranho que os critãos nomeassem o local da batalha com um vocábulo de origem árabe (1).

Ainda assim, não quero afirmar definitivamente qualquer uma das explicações para o topónimo. Que cada um seja livre para escolher uma das duas. Ou faça como eu, relate ambas e deixe para terceiros a decisão sobre elas.

(1) há quem defenda que a origem da palavra é “matar”, do Latim MACTARE, “imolar, sacrificar aos deuses”. Aparentemente o verbo significava, no início, o ato de elevar o objeto de sacrifício ao ar, em direção ao céu. Depois se estendeu ao ato de tirar a vida da oferenda (ver aqui).


3 comments:

Carlos M. Silva said...

Olá Rui
Agradeço estas tuas notas.
De facto,na nossa última saída a essa parte do Gerês,em Jul/2011 (não somos assíduos como tu!como é bom de ver!),também perguntamos a um dos pastores (de Fafião?) por que se chamava assim a Pte. da Matança.
E a resposta que ele nos deu revelou-nos a sabedoria destas populações que nos sentimos obrigados a citar a frase que nos foi dita,no que depois publicamos; aqui fica a frase reveladora não necessariamente do esquecimento mas reveladora do tempo,e o tempo é o que existe nas serranias:
<<"Chamam-lhe a Ponte da Matança. Dos vivos, não há quem se lembre porquê.",pastor de Fafião>>
Obrigado
Carlos M. Silva

Carlos M. Silva said...

Olá outra vez.E desculpas.
Tenho o blog Carris logo acima do teu e chamei-te de Rui.As minhas desculpas.Mas o comentário era obviamente para o teu!
Carlos M. Silva

joca said...

Falar com os pastores é sempre um prazer e consegue-se muita informação curiosa. Experimenta andar um pouco com um deles e ele vai-te mostrar uma serra totalmente diferente da que vemos normalmente. Os nomes dos lugares, os nomes das plantas, etc.
A Matança tratada neste post é uma outra, diferente da ponte da Matança. A Matança deste post fica perto das minas dos carris.