Tuesday, June 03, 2014

Notas do fundo do baú


Quando procurava um ficheiro perdido encontrei nas pastas ligadas às caminhadas e montanha o que na altura chamei de "pequeno argumentário". Julgo que o terei escrito quando preparava com os restantes conjurados do Movimento Natureza para todos uma reunião que tivemos no Ministério do Ambiente em Julho de 2012. Como o tempo continua a passar sem que o raio da nova portaria, à qual só faltariam as assinaturas, veja a luz do dia resolvi publicar o que escrevi então. É que de lá para cá, com excepção da proposta da Carta de Desporto, nada se alterou e os visitantes do PNPG continuam a ser empurrados para a clandestinidade. Sobre a Carta de Desporto seria bom lembrar que já se passaram mais de 5 meses desde encerramento da consulta pública sem notícia da sua versão final e publicação.

A cobrança de taxas pelos pedidos de autorização para actividades desportivas e recreativas não está prevista na Portaria 138-A/2009. O enquadramento destes pedidos em outros serviços é ilegítimo porque as taxas para actividades desportivas estão previstas na tabela da portaria e um estudo comparado da evolução das portarias que regulamentaram a taxação dos serviços do ICNB permite comprovar que houve uma deliberada intenção de desonerar de taxas estas autorizações.

A Tabela de Taxas no ponto 2 do capítulo I - Declarações, pareceres, informações ou autorizações, estabelece quais as actividades desportivas e culturais são taxadas. O capítulo VI — Prestações de outros serviços não previstos aplica-se aos actos e serviços prestados pelo ICNB, I. P., que não se encontrem previstos na tabela anexa. Ora, é errado dizer que a taxação das actividades desportivas e culturais não se encontra previstas porque ela está efectivamente prevista. No entanto, apenas se aplica a:
  •  Actividades motorizadas organizadas, concursos e competições desportivas (2.1);
  • Espectáculos, feiras, mercados e outros eventos que não se enquadrem na excepção prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º (2.2.1);
  • Festivais de música (2.2.2).

O enquadramento das actividades de desporto da natureza (pedestrianistas e outras) em actividades desportivas e culturais decorre do POPNPG:

«Desporto de natureza», a actividade desportiva ou recreativa não motorizada, cuja prática aproxima o Homem da natureza de uma forma saudável e seja enquadrável na gestão das áreas protegidas e numa política de desenvolvimento sustentável.(in Artigo 4.º Definições)

Caso a alteração da portaria venha a considerar taxar estas actividades, há que ter em atenção que o cobrado aos pedidos de autorização é uma taxa administrativa.

“Paralelamente, com vista a dissipar os equívocos suscitados pela Portaria n.º 1245/2009, de 13 de Outubro, foi evidenciada a exclusão do âmbito de aplicação da presente portaria das taxas devidas pelo acesso e visita às áreas integradas no Sistema Nacional de Áreas Classificadas, cuja cobrança visa contribuir para o financiamento da conservação da natureza e da biodiversidade e para regular o impacte da presença humana em áreas particularmente sensíveis, conforme definido no artigo 35.º do Decreto –Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho, que isenta os residentes dos concelhos abrangidos e prevê a sua regulação em portaria autónoma. Tratam -se manifestamente de taxas diversas das previstas na presente portaria, que respeita às taxas devidas pela contraprestação de serviços, como sejam a atribuição de uma autorização, a emissão de um parecer ou a cedência da utilização de espaços ou infra –estruturas sob gestão do ICNB, I. P” (in Preâmbulo da Portaria 138-A/2010)

O ICNB não pode cobrar o acesso a áreas protegidas cuja titularidade não lhe pertence.

O valor/custo do serviço é irrisório, padronizável e os processos/procedimentos são aplicáveis a pedidos semelhantes.

Recorda-se que o preâmbulo do regime jurídico da conservação da natureza e da biodiversidade estabelece o princípio de justa e equilibrada remuneração dos serviços prestados. É duvidoso ele esteja a ser cumprido e estaremos disponíveis para travar esta luta no futuro. Trata-se de uma simples aplicação dos critérios estabelecidos no POPNPG e o custo administrativo é simplesmente desprezável em face do valor de controlo e ordenação. É para todos evidente que um custo de autorização elevado, associado a um território de difícil fiscalização e escassez de meios resulta em visitação regulada. Ora se o objectivo das autorizações estabelecidas no POPNPG é ordenar as taxas não serão simplesmente contrárias ao objectivo? O que é preferível? Saber quantas pessoas visitam as AP’s ou entrar num jogo de “rato e o gato” com os visitantes?

Se todo os discurso político está construído na valorização da educação ambiental. Se a recente alteração do POPNPG foi num sentido de valorizar a visitação ao acabar com o conceito de áreas santuário (agora a visitação da área de protecção total é possível) porque insistir em medidas que contrariam os objectivos de promover a educação da conservação da natureza?

As estratégias de gestão mais rígidas (introdução de regulamentação, zonamento, etc.) apenas serão eficazes se forem complementadas por técnicas de gestão mais flexíveis, pois só as mudanças de comportamento dos visitantes asseguram bons resultados.

A gestão de visitantes deve ter como objectivo eliminar o uso inadequado do visitante, bem como para melhorar a experiência do visitante e sua compreensão do destino enquanto sustentação da qualidade de recursos turísticos. Seu objectivo final é promover um sentido de participação cívica, responsabilidade e orgulho na protecção dos recursos.

Fazer do visitante um clandestino é educar contra a conservação da natureza. Os vigilantes e outros profissionais do ICNF deixam de ser um apoio para ser um inimigo. Alguém a evitar a todo o custo. Em vez de promover a educação, está-se a promover um desprezo pelo ICNF.


É falsa a ideia de que os pedidos de autorização apenas se aplicam à presença humana na Zona de Protecção Total, uma vez que eles são ainda obrigatórios para todas as actividades de visitação que integrem mais de 15 participantes, impliquem pernoita ou não venham a ser enquadradas pela futura Carta de Desporto da Natureza (CDN) do PNPG. Pelo que o âmbito desta questão não está circunscrito a actividades numa determinada área restrita.

A necessidade de solicitar pedidos de autorização não se restringe apenas à zona de protecção total. Aliás, no PNSAC – Parque Natural Serra de Aires e Candeeiros não existem zonas de protecção total e nem por isso os seus visitantes estão isentos destas taxas.

No PNPG e em muitas outras AP´s falta ainda a publicação da Carta de desporto da Natureza. Assim, ainda não é totalmente conhecido o enquadramento da visitação. Exercícios de aplicação de CDN já publicadas ao PNPG fundamentam os receios de maiores restrições no futuro.

Recorda-se que a obrigatoriedade da elaboração de uma Carta de Desporto de Natureza (CDN) para as Área Protegidas decorre do Artigo 6º, do Decreto Regulamentar n.º 18/99, de 27 de Agosto." . Ou seja, em Agosto deste ano decorrem 13 anos desde que a obrigatoriedade legal foi estabelecida. Treze anos sem que tenha sido publicada ainda que sejam conhecidos trabalhos realizados. A argumentação de desculpabilização é que só com a recente publicação do POPNPG foram criadas as condições para a sua elaboração e posterior publicação. Um argumento falso porque desde 1995 existia um POPNPG e, ainda que a recente revisão do POPNPG obrigasse à revisão da CDN, é sabido que ela esteve em elaboração e até terá sido apresentada num congresso.

Não se compreende no Parque Transfronteiriço do Gerês/Xurés a prioridade não seja a harmonização do ordenamento. O ICNF, pelo menos dentro do parque transfronteiriço deveria procurar harmonizar as condições de visitação dos dois parques.

Muitos dos visitantes do PNPG desconhecem a diferença de ordenamento e facilmente podem incorrer em infracções ambientais graves. Se a vontade é afirmar o parque transfronteiriço a prioridade deveria ser a harmonização do POPNPG e PRUG do parque espanhol.

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