PRESENÇA HISTÓRICA DO URSO EM PORTUGAL E TESTEMUNHOS DA SUA RELAÇÃO COM AS COMUNIDADES RURAIS
Francisco Álvares e José Domingues
3. Discussão e considerações finais
"Com base nos registos obtidos, o urso terá ocorrido nas serras do Norte de Portugal até meados do século XX, muito para além de 1650, data anteriormente apontada para a sua extinção em Portugal. O carácter agreste das serras fronteiriças ao longo dos séculos XVIII e XIX, com extensos matagais, reduzida acessibilidade e escasso povoamento humano (p.e. BORRALHEIRO, 2005), pode ter permitido a sobrevivência de uma população residual de urso e, simultaneamente, levado a que esta fosse escassamente documentada por parte de naturalistas e letrados. Consequentemente, face à reduzida disponibilidade de fontes documentais locais, a ocorrência da espécie passou facilmente despercebida. A ocorrência do urso no Norte de Portugal até ao inicio do século XX poderá ter tido origem em movimentos dispersivos de animais provenientes de núcleos reprodutores residuais bem documentados em Espanha, situados a menos de 50 km da fronteira portuguesa, como sejam a Serra da Queixa (centro da Província de Ourense), a Serra do Faro (limite das Províncias de Pontevedra, Ourense e Lugo) e a região de Caurel/Sanábria/La Cabrera (limite das Províncias de Ourense, Zamora e Leão) (NORES & NAVES, 1993; GRANDE DEL BRIO et al., 2002). Os ursos machos apresentam um acentuado comportamento errático durante a época do acasalamento, podendo percorrer distâncias superiores a 40 km da sua área de presença habitual (CLEVENGER & PURROY, 1991). Como resultado deste comportamento, ainda recentemente (p.e. 2006) tem sido confirmada a presença ocasional de ursos provenientes da população cantábrica, na região de Sanábria/La Cabrera situada a pouca mais de 20 km a Norte da Serra de Montesinho (GRANDE DEL BRIO et al., 2002). Desta forma, não é de estranhar a presença de ursos ao longo da primeira metade do século XX nas Serras do Gerês e do Larouco, se considerarmos que a Serra da Queixa, situada a menos de 30 km da fronteira portuguesa, albergou um núcleo reprodutor de urso até à década de 1930 (NORES & NAVES, 1993; JUSTO MÉNDEZ, 1993; GRANDE DEL BRIO et al., 2002). Porém, um dos registos documentais recolhidos aponta para a aparente reprodução do urso em 1920 na Serra do Larouco. Face a esta evidência, será necessária uma maior investigação através da recolha de fontes documentais ou de testemunhos orais, que permita avaliar se a presença de ursos no início do século XX nas serras fronteiriças se limitaria a incursões esporádicas de indivíduos provenientes de núcleos reprodutores situados em Espanha, ou se, pelo contrário, constituíam os últimos exemplares de uma população residual ainda com reprodução.
Os resultados obtidos para o Norte de Portugal evidenciam ainda a necessidade de estudos adicionais que permitam detectar evidências da presença do urso nos últimos séculos em outras regiões do país, e assim esclarecer a evolução da sua área de ocorrência. A pesquisa de fontes documentais de carácter local, em território nacional ou nas regiões espanholas fronteiriças, revela-se como uma das principais abordagens que deverá ser realizada. No entanto, o inventário, caracterização e cronologia do património construído associado a este carnívoro, em particular das silhas, poderá constituir uma fonte de informação complementar. A aparente restrição e coerência geográfica das áreas de edificação de silhas a nível nacional poderá reflectir a existência de importantes núcleos populacionais de urso, tal como parecem indicar as fontes documentais obtidas para o Noroeste e Nordeste do país. Adicionalmente, o bom estado de conservação das silhas poderá estar relacionado com a ocorrência recente desta espécie, face ao esforço humano que implica manter estas estruturas nas suas dimensões originais e facto da protecção face ao urso aparentar ser a principal razão que assim o justifica. Tal é evidente em determinadas regiões da Galiza, como as Serras da Queixa, Caurel e Faro, onde a espécie estava presente há menos de um século. De forma coincidente, a identificação de silhas em excelente estado de conservação nas Serras do Gerês e Larouco, foi corroborada no presente trabalho através de vários registos documentais que atestam a sobrevivência do urso durante o século XIX e início do século XX. Assim, outras áreas do país onde estas estruturas apresentem um estado de conservação próximo do original, como por exemplo na bacia do médio Tejo (HENRIQUES et al., 1999; RODRIGUES & NEVES, 2002), deverão ser alvo preferencial para a pesquisa de fontes documentais de carácter regional, de forma a esclarecer a área de ocorrência de urso em épocas recentes."
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