Wednesday, March 31, 2010

Lenda do Rio Ave



Não vou à procura das lágrimas da linda cabreira, mas a minha próxima caminhada será para conhecer mais uns segredos da Cabreira.

"Há muitos anos, há mesmo muitos, muitos anos, dezenas ou centenas de anos, chegou à Serra da Agra uma jovem, com um rebanho de cabras, vinda da Galiza. Sem ligar a fronteiras que, naquele tempo, não tinham a importância que hoje lhes damos, por ali andava a cabreira guardando o seu rebanho e admirando a paisagem que seduzia e encantava.

Por encostas e vales a jovem cabreira, bonita e formosa, ia contemplando a beleza local: os mantos verdes da vegetação, o azul transparente do céu, o amarelo cintilante do sol…. Nesta Serra do norte de Portugal, com 1200 metros de altitude, na passagem da província do Minho para a de Trás-os-Montes, reinava a paz. Os sons emitidos pelo rebanho, o chilrear das aves e o relinchar dos pequenos cavalos, os garranos, que habitavam a serra, eram uma melodia que sublimava as lindezas da natureza.

Mas um dia instalou-se a confusão. Cães que ladravam, cavalos que galopavam, homens que bradavam, trombetas que tocavam, setas e mais setas que assobiando cortavam o ar. Andavam caçadores pelas redondezas e a linda cabreira foi vista por um cavaleiro, também ele jovem, bonito e encantador. Deslumbrado com a sua formosura, o cavaleiro parou, admirou-a e com um grande sorriso, disse-lhe:


- Olá linda cabreira! Estou seduzido pela tua beleza. Os teus cabelos são como raios de sol, o teu olhar tem o brilho das estrelas e a tua doçura o reflexo do luar. Ela sentiu o mesmo encanto pelo cavaleiro e, envergonhada, respondeu-lhe:

- São os vossos olhos que me vêem assim. Senhor! Não mereço tanta admiração e o que me dizeis faz-me corar.

Vencido pela atracção que por ela sentia, o cavaleiro desceu da montada e deixou a caçada.

- Ouve, por ti, e só por ti, deixo os meus amigos e fico nesta serra só para te adorar!

E foi assim que começou, entre eles, uma linda história de amor. O cavaleiro e a cabreira esqueceram-se dos dias. Ali, sozinhos e felizes, sonharam, brincaram e fizeram juras, como se só eles existissem no Mundo. Mas, um dia, o cavaleiro sabendo que tinha trabalhos importantes a fazer e assuntos urgentes a tratar viu-se obrigado a partir.

- Ouve, minha princesa, eu vou ausentar-me, mas voltarei o mais depressa possível. Já não posso nem quero viver sem ti.

Suspirando de tristeza, a cabreira apenas confessou:

- Nem sei sequer quem és, nem tão pouco como te chamas.

O cavaleiro sorriu e abraçou-a, procurando dar-lhe confiança.

- Pouco importa, sou o homem de quem tu gostas e que também gosta muito de ti.

Mas digo-te que sou o Conde de uma vila próxima e em breve virei buscar-te para o meu palácio. Espera por mim!


Como numa jura, ela prometeu:

- Esperarei até ao fim da minha vida.

E esperou….

Os dias passaram, uns atrás dos outros, e a cabreira aguardava, impaciente, o seu amado. Recordava os dias felizes vividos com ele e não o vendo chegar ia entristecendo. Então, pensava:

- Preciso de o encontrar, de o ver, abraçá-lo, brincar e sonhar de novo… nem que para isso tenha de me transformar numa ave para sobrevoar as vilas mais próximas.

O tempo corria e o cavaleiro não voltava. Cada vez mais triste, quase morta de cansaço a cabreira começou a desesperar. As lágrimas inundaram-lhe os olhos e chorou. Chorou tanto, tanto, que as lágrimas foram formando um rio. As suas águas, que eram a dor e a mágoa da linda cabreira, percorreram as terras das redondezas.


Para ajudar este rio, a encontrar o cavaleiro, outros, mais pequenos vieram ao seu encontro. Da margem direita chegou o rio Pelhe que percorreu 20 quilómetros e o Este 52 Km. Da margem esquerda ocorreu o rio Selho que caminhou 21 quilómetros e o Vizela 47, trazendo consigo os rios Ferro e o Bugio.

Todos juntos, rios e riachos cobriram uma área de 1390 quilómetros quadrados. Correndo de nordeste para noroeste, o rio de lágrimas calcorreou 94 quilómetros. Com os rios mais pequenos banhou terras de Vieira do Minho, Povoa de Lanhoso, Fafe, Guimarães, Vizela, Santo Tirso, Lousado, Ribeirão e Trofa, espraiando-se em Vila do Conde, a terra do cavaleiro que jamais foi encontrado.

O povo comovido e entristecido com a malfadada história da jovem e linda cabreira, não quis que ela fosse esquecida. Assim passou a chamar-se à serra onde a cabreira e o cavaleiro se conheceram – Serra da Cabreira e ao rio de lágrimas – Rio Ave – Já que ela queria ser ave e voar.

Um dia, se puderes, visita a Serra da Cabreira e faz o percurso do Ave. Quem sabe … talvez ainda descubras as lágrimas da linda Cabreira."

Fonte: Livro "A Lenda do Rio Ave e da Serra da Cabreira"

Tuesday, March 30, 2010

O Belo


Numa caminhada o Rui do blogue Carris chamou-me a atenção para alguns topónimos curiosos que existem na Serra do Gerês. Quando depois voltou a referir-se a eles no seu blogue e referiu a existência de uma casa que é referência mundial reavivou-me a curiosidade. Sobre o topónimo Adpropeixe nada descobri, mas a citada casa é qualquer coisa. Independentemente das questões da sua construção - em PNPG e junto da Albufeira de Caniçada, é a arquitectura que quero saudar. Somos educados e formados para procurar o prático, mas é o belo que nos surpreende.

Friday, March 26, 2010

Construir a natureza

The Berg - construir uma montanha

Nos tempos da universidade um amigo meu, na pré-história do stand-up, brincava com os construtores de montanhas e com os políticos que construiam pontes para as quais depois "inventavam" rios. O absurdo da ideia soltava as gargalhadas. Construir a natureza era apesar de tudo mais absurdo. Infelizmente a ideia de inventar "rios" para justificar "pontes" já não nos pareciam tão inverosímil.

Foi por isso que ao descobrir uma proposta em se discute em Berlim não consegui deixar de soltar um gargalhada e recordar esses momentos.

Sobre a proposta nem sei o que pensar.





Thursday, March 25, 2010

Os nomes dos lugares - Matança



Quando caminhamos pela serra muitas vezes perguntamo-nos a origem dos nomes dos locais. Algumas são fáceis de compreender, outras permanecem um mistério por desvendar até que alguém nos dá uma pista.

Uma conversa fez-me recordar um daqueles achados felizes em que tropecei. Nunca consegui cruzar a informação com outras fontes e nem sei se as haverá. Com alguma sorte ainda haverá quem tenha escutado estas histórias à lareira. Não sei. Decidi partilhar esta informação porque sei como todos coleccionamos estas pequenas curiosidades. Pelo menos todos os que gostam de correr a Serra do Gerês mais pela busca dos seus segredos e menos pelo exercício físico.

Esta pode ser uma explicação para o topónimo Matança, o mesmo que na carta 31 dos anos 50 identifica uma elevação junto a Lamalonga.

"Dizem ter o privilegio das Arraias e que no tempo da sempre feliz e ditosa Aclamação vindo hum corpo de homens da galiza a furtar os gados de Portugal aos pastores e serra do Gerês acudiram os desta freguesia e mais alguns armados e foi ferido o combate que escaparam da morte mui poucos galegos excedendo em grande numero aos portugueses e destes mui poucos perderam a vida, cujo sittio concerva hoje a gloria e memoria de se chamar Matança que hé na ditta e onde chamam o Castinheiro e onde chamam as Lamas de Corrichão" Memórias Paroquiais de 1758 - Outeiro (1)

É natural que o topónimo anteriormente identificasse um local diferente, mas o combate deverá ter ocorrido algures por ali. O alto do Castanheiro é também identificado e junto aos Cornos de Candela existe um local chamado Currachã.

(1) As freguesias do Distrito de Vila Real nas Memórias Paroquiais de 1758; Viriato Capela, José; Borralheiro, Rogério; Matos, Henrique

Thursday, March 04, 2010

Vem por aqui

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!

O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

José Régio - Cântico Negro


Para mim este poema terá o rosto e a memória de Aurelino Costa com quem partilhei uma das viagens da minha vida. Foram 19 dias num autocarro de 2 andares a percorrer a Europa com destino São Petersburgo, na altura ainda Leningrado (Ленингрáд). Foram muitas as vezes em que o vi a declamar a solo ou na companhia da guitarra do João Moura e da viola do Veloso. Memórias de tempos de universitário.

Hoje, ao receber as notícias do dia, recordei-me dele. Recordei-me da forma agitada e energética com que o declamava. Uma energia de que estamos a precisar. No dia 16 de Abril estará na FNAC BRAGA a declamar Miguel Torga.



Monday, March 01, 2010

A galinha dos ovos de ouro


Notícias recentes sobre actividades de clubes e grupos informais que organizam actividades de pedestrianismo parecem dar razão aos mais pessimistas. O emaranhado jurídico tecido em torno da realização de actividades pedestrianistas é cada vez mais complexo e são cada vez mais as dúvidas que as certezas.

O acto de caminhar, promovido por clubes, associações e, fundamentalmente, por grupos informais aparentemente foi qualificado como actividade de animação turística. Sendo esta actividade própria (leia-se exclusiva) das empresas de animação turística.

"São consideradas actividades próprias das empresas de animação turística, a organização e a venda de actividades recreativas, desportivas ou culturais, em meio natural ou em instalações fixas destinadas ao efeito, de carácter lúdico e com interesse turístico para a região em que se desenvolvam"

Ainda que as actividades que não envolvam venda continuem possíveis às "associações, fundações, misericórdias, mutualidades, instituições privadas de solidariedade social, institutos públicos, clubes e associações desportivas, associações ambientalistas, associações juvenis e entidades análogas" a regulamentação conexa acaba por dificultar a sua organização.

É que todas as entidades que promovem, ou venham a promover, com carácter esporádico e sem natureza comercial, aquilo que é qualificado como animação turística dificilmente conseguirão cumprir os requisitos fixados. Ou, na complexidade dos processos e custos acessórios, acabarão por desistir da sua organização.

A dúvida sobre se não se trata de uma estratégia de preservar o mercado aos operadores turísticos é cada vez mais legítima. Facto que dá um outro enquadramento às taxas que o ICNB pretendeu/pretende cobrar.