Monday, December 10, 2007

Serra Amarela


Sábado, 8 de Dezembro, voltei à Serra Amarela. Este ano terá sido a quinta ou sexta vez que por lá andei. A chuva e o nevoeiro foram a companhia dos 30 caminheiros do UPB, de modo que não pudemos apreciar a Serra Amarela em toda a sua beleza.

Realizada em homenagem a Miguel Torga, connosco levamos o poeta e em alguns lugares fomos lendo textos e poemas. O Diário III relata uma jornada em 25 de Julho de 1945 pela Serra Amarela que em parte procuramos refazer. Então, para visitar um velho fojo, Miguel Torga contratou um pastor como guia em Vilarinho da Furna. Esse guia, o Fecha, viria a tornar-se um dos seus amigos no Gerês. Mais tarde, no volume 5 da "Criação do Mundo", este episódio seria recordado como um relato de Fecha de forma muito interessante. Ainda que Vilarinho já não exista, a serra está lá. Praticamente igual na sua “pureza essencial e granítica”. As antenas da Louriça são das poucas marcas na paisagem. De resto continua igual. Numa outra caminhada com o UPB, tive a sorte de termos como companheiro de caminhada um natural de Vilarinho (baptizado no UPB como Furna). Foi ele que nos explicou a história do estradão que começaria junto à Louriça e seguiria até à Portela do Homem. Um estradão que parou no muro com que aldeia demarcou o seu território. Esse projecto interrompido continua na serra como símbolo da força comunitária de Vilarinho da Furna. Mantendo-a praticamente sem estradas, como terra do “sopro claro das livres asas e o riso aberto dos grandes sóis”.

Açor, Serra da Lousã, 26 de Outubro de 1942 – Aqui estou, no alto desta serra ondulada, sentado, a contemplar um largo horizonte, enquanto o cão abana o rabo, um tanto ao quanto perplexo dum descanso com perdizes à vista. Paciência, camarada, que são apenas dois minutos. O coração ainda puxa, mas já pede de vez em quando, pelo amor de Deus, um pouco de caridade cristã. De maneira que não há remédio. De resto, faz parte do meu ritual subir aos altos, sentir a voluptuosidade da fadiga, como diz Unamuno, e depois olhar. Devo à paisagem as poucas alegrias que tive no mundo. Os homens só me deram tristezas. Ou eu nunca os entendi, ou eles nunca me entenderam. Até os mais próximos, os mais amigos, me cravaram na hora própria um espinho envenenado no coração. A terra, com os seus vestidos e as suas pregas, essa sempre foi generosa. É claro que nunca um panorama me interessou como gargarejo. É mesmo um favor que peço ao destino: que me poupe à degradação das habituais paneladas de prosa, a descrever de cor caminhos e florestas. As dobras e as cores do chão onde firmo os pés foram sempre no meu espírito coisas sagradas e intimas como o amor. Falar duma encosta coberta de neve sem ter a alma branca também, retratar uma folha sem tremer como ela, olhar um abismo sem fundura nos olhos, é para mim o mesmo que gostar sem língua, ou cantar sem voz. Vivo na paisagem integrado nela. De tal modo, que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou nevoeiro. Nenhum outro espectáculo me dá semelhante plenitude e cria no meu espírito um sentido tão acabado do perfeito ou do eterno. Bem sei que há gente que encontra o mesmo universo no jogo dum músculo ou na linha dum perfil. Lá está o exemplo de Miguel Ângelo a demonstrá-lo. Mas eu, não. Eu declaro aqui a estas fundas e agrestes rugas de Portugal que nunca vi nada mais puro, mais gracioso, mais belo, do que um tufo de relva que fui encontrar um dia no alto das penedias da Calcedónia, no Gerês. Roma, Paris, Florença, Beethoven, Cervantes, Shakespepeare… Palavra, que não troco por tudo isso o rasgão mais humilde da tua estamenha, Mãe!

Miguel Torga - Diário II

Thursday, November 15, 2007

Serra d'Arga


A Serra d’Arga era um local que já tinha sinalizado para uma caminhada. Os percursos que conhecia eram invariavelmente curtos, coisas para poucas horas. Percursos de quem gosta de subir à montanha e descer para comer à mesa.

O percurso que realizei com a AAEUM foi o mesmo de uma caminhada realizada pelo UPB. Caminhada na qual não participei, mas da qual recolhi opiniões muito positivas. Ao preparar esta caminhada descobri coisas muito interessantes. Já conhecia a lenda da princesa cristã que teria procurado protecção contra a ira paterna nestas serras e a baptizado de Agro. Desconhecia as outras que encontrei. As montanhas foram, e são ainda, muitas vezes associadas ao mágico e ao sagrado. As lendas e histórias sobre a serra relatam bem quanto antiga é essa ligação. Talvez por isso as montanhas minhotas estão pejadas de santuários, capelas ou simples cruzes. Como minhoto já não estranho, mas nada me podia preparar para a capela da Sra do Minho. Sem medo das palavras, devo dizer que é uma coisa feia que nunca deveria ter sido construída. A Igreja Católica deveria ter mais cuidado com os projectos arquitectónicos que autoriza. Deveríamos ter muito mais cuidado com o património que estamos a deixar para o futuro. Aquele projecto desqualifica a cultura do nosso tempo. Foi apesar de tudo a nota menos positiva numa caminhada que me deixou cheio de vontade de voltar.

Começámos a caminhar em Cerquido um pouco mais tarde do que pretendíamos. Pessoalmente sentia os efeitos do magusto do UPB do dia anterior. Tinha-me levantado com algum esforço. Por um caminho antigo subimos até à Chã Grande, o ponto mais elevado da caminhada. Deste local alcança-se uma vista única sobre o Vale do Lima. É também aqui que se encontra a capela da Sra do Minho. A subida é por uma encosta nua, que se sobe ao ritmo que as pernas permitem. Ainda que o desnível possa assustar os menos preparados, lá em cima a vista sobre o vale do Lima é fantástica. Recompensa largamente o esforço. A Serra d’Arga não é uma serra elevada, está cheia de torres eólicas, mas vale a pena caminhar por ela. É uma serra bastante despida de vegetação. A sua mata original forneceu os estaleiros de Viana do Castelo e permitiu as nossas aventuras marítimas. Na década de 40 de século passado os serviços florestais também andaram por aqui. Como em outros locais, a florestação, à base de pinheiro, provocou profundas mudanças sociais. As aldeias de Arga, viram partir as suas gentes. Incêndios na década de 80 terão afectado profundamente o coberto florestal. Diversos grupos de garranos cruzam-na em liberdade. Deve ser mesmo o local onde é mais fácil encontrar garranos. Eu nunca tinha encontrado tantos em tão pouco tempo.

Rapidamente atravessámos o planalto e fomos almoçar ao Mosteiro de S. João d’Arga. Um local que merece uma visita mais prolongada. O seu enquadramento é fantástico. As enormes árvores no terreiro mosteiro, tão integradas com as construções, são símbolos de uma comunhão com natural que perdemos. A sua fundação é muito antiga, são séculos de história que se contam naquelas paredes. Mais de 10. O mosteiro é uma construção simples de dois pisos, duas alas de hospedarias, formando dois L's opostos, com a capela no meio. Em Arga de Baixo, uma senhora falou-me sobre a festa de S. João. Já tinha escutado muito sobre esta romaria. Na universidade um colega de Caminha disse-me que trocava todos os festivais de Verão por ela. Uma noite longa e profana que atrai gente de todo o lado.

Em Arga de Cima e Arga de Baixo paramos a conversar com grupos de senhoras que se aqueciam ao sol. Trocámos pouco mais que palavras de circunstância. Com umas a admirar os galináceos em liberdade, fortes e apetitosos como poucos, e a responder sobre de onde vínhamos e para onde íamos. E com outras pedindo informações sobre outros caminhos e sobre as romarias da serra. Sempre que posso gosto de ter estes momentos de conversa. São sempre recompensadores. Há sempre alguma coisa que fica. Pequenas expressões de uma genuinidade que a cidade perdeu.

À saída de Arga de Baixo perdemos mais algum tempo a admirar uns moinhos antigos e para procurar o Pontão do Lobo. Conheço-o apenas de fotografias, mas ainda não foi desta que o encontrei. Regressámos a Cerquido pouco tempo antes do dia terminar. A caminhada não tinha sido muito exigente, mas tinha deixado em todos vontade de voltar.

Wednesday, November 14, 2007

As aventuras por Terras da Nóbrega do UPB

A ideia era fazer uma pequena caminhada como preparação “espiritual” para o magusto do UPB, pelo que procurámos um trilho pequeno e próximo do destino final: Vila Verde. O trilho escolhido, Trilho de Terras da Nóbrega, é um percurso pedestre denominado de Pequena Rota (PR) – aberto pela VALIMAR, pelo que as respectivas marcação e sinalização deveriam obedecer às normas internacionais e facilitar a caminhada. Digo deveria porque tivemos imensa dificuldade em as seguir, sinal de falta de manutenção.

Este percurso localiza-se no Monte do Castelo de Aboim, mais precisamente na aldeia de Sampriz a cerca de 6 km a Este da sede de concelho de Ponte da Barca. É um percurso de âmbito paisagístico e cultural, nos limites dos Concelhos de Ponte da Barca e Vila Verde. A primeira dificuldade foi encontrar o local de partida devido a pouca sinalização existente. Descobrir Sampriz foi a primeira aventura do dia.

Partindo da Junta de Freguesia de Sampriz, iniciámos o percurso em direcção a Ventoselo. O trilho segue por um misto de caminhos empedrados, terra batida e caminhos carreteiros. Na Capela da N.ª Sr.ª do Livramento fizemos uma curta paragem para descanso e para observar a paisagem que nos rodeia. Seguimos depois em direcção ao Castelo de Aboim. O percurso marcado contorna o castelo pelo sopé, mas decidimos subir ao castelo e lá fazer a refeição. É na verdade o local do castelo que encontramos. O Castelo de Aboím é castelo medieval, do qual apenas restam as fundações, situa-se no topo do majestoso monólito, num local estratégico que goza de uma excelente visibilidade, dominando por completo a paisagem. A sua história está ligada ao inícios da fundação de Portugal. Foi um castelo roqueiro, construído por Honorigo Honorigues, que por isso recebeu algumas terras de Afonso Henriques. Com a construção do Castelo do Lindoso perdeu a sua importância estratégica. Do castelo apenas restam alguns vestígios de alicerces. No local não existe qualquer informação para interpretação, apesar de existiram dois placares em inox. Sinal que o fornecedor dos placares é muito mais rápido que os restantes fornecedores. É uma pena porque sem qualquer explicação os visitantes não percebem o local e não conseguem imaginar o castelo. Numa pesquisa sobre o castelo, encontrei um desenho que pretende representar a sua reconstrução. Ainda que desconfie do rigor, serve de ilustração.


Do castelo eram visiveis diversos fogos em zonas florestais, sinal evidente do clima seco deste estranho Outono. Com um pequeno corte no percuro marcado, retomámos o trilho e por caminhos de pé posto descemos até à estrada EN 351. Aqui o trilho atravessa um belo bosque de carvalhos por caminhos antigos, sem qualquer dúvida a parte mais bonita do trilho. No meio desse bosque encontramos vestígios de uma queimada. O chão ainda fumegava e, apesar de parecer estar apagada, ficámos preocupados com a possibilidade de ali se dar um incêndio florestal. Como “sapadores” improvisados investigámos o local. O fogo parecia ter iniciado junto a um anexo agrícola. Com terra e alguma água procurámos arrefecer os locais mais quentes do terreno queimado. O ruído provocado por algumas castanhas a estoirar aumentou a nossa preocupação e, para descargo de consciência, decidimos alertar o 117. Estranhamente estava ocupado pelo que telefonámos para o 112. Se foram lá não sabemos, mas fizemos o que deveríamos fazer. Estranho é que um número de emergência nacional dê ocupado. Do bosque o trilho deveria prosseguir para uma zona mais elevada após atravessar novamente a EN 351, mas não encontrámos a respectiva marcação. Assim, a parte final foi feita fora do trilho e por estrada.

O local merece uma visita, mas não percebo estas armadilhas criadas pela falta de manutenção dos trilhos. Quem escolhe fazer um trilho marcado deve necessitar apenas seguir as marcações e chegar ao final sem qualquer dificuldade. Abrir um trilho é apenas a primeira das etapas. Resta esperar que as coisas mudem. E já agora, formular o desejo que os placares de inox junto ao castelo não desapareçam antes que a informação apareça.

Na zona existem mais motivos de interesse, nomeadamente um fojo duplo na freguesia de Gondomar (Vila Verde) e a aldeia de Aboím da Nóbrega (Vila Verde), onde se recolheram os mais interessantes lenços de namorados. Numa próxima oportunidade pretendo voltar lá para a explorar melhor. Desta na encosta de Vila Verde.

Thursday, November 08, 2007

Ícaros sem asas


Fiz recentemente algumas caminhadas com o UPB no Parque Natural de Ordesa y Monte Perdido, nos Pirinéus Aragoneses. Descrever as caminhadas seria cansativo e fastidioso. Foram 3 dias de paisagens arrebatadoras e boa companhia. Apesar do cansaço físico a que me submeti, regressei de lá renovado e revigorado. Percebi que tenho que me preparar melhor fisicamente e que, para ir além do que faço hoje, também preciso de mais técnica. Não cumpri o objectivo de subir ao Monte Perdido, o terceiro pico mais elevado dos Pirinéus, mas isso não foi importante. Levava alguns medos de estatísticas ameaçadoras, mas desisti por um misto de cansaço e condições de logística. Tudo o que aprendi foi importante. Subi mais alto do que já alguma vez tinha subido e, pela primeira vez, estive na alta montanha. Percebi melhor a motivação de quem quer ir sempre mais alto. Ícaros sem asas que continuam a querer alcançar o sol.

Wednesday, October 31, 2007

Duas ideias da última caminhada com o UPB


A primeira

As grandes obras, no caso da barragem de Paradela, possuem sempre efeitos laterais sobre a paisagem para além dos óbvios. O que não deixa de ser uma boa oportunidade para reflectir sobre os efeitos de outras que se anunciam. Quando falamos de uma barragem pensamos logo nas terras que vão ser submergidas, nas casas que vão desaparecer, mas esquecemo-nos de reflectir nos efeitos silenciosos que essas obras terão. Não sou contra o progresso. Aceito-o e defendo-o. Recuso a hipocrisia urbana de quem quer os montes para coutada espiritual e abandona os rurais ao triste destino de se manterem pobres na terra ou participarem no êxodo. Simplesmente não compro o progresso como meramente benéfico. Fico entre Paris e Tormes, da Cidade e as Serras de Eça de Queiroz. Nem só as luzes do progresso, nem apenas o retiro edílico e bucólico.

Apercebi-me melhor desses efeitos quando fui consultar a carta antiga da zona percorrida pela caminhada. A barragem não marcou a paisagem apenas com a albufeira. Forçou ao abandono de muitos campos e prados a que se acediam por caminhos agora submersos. Não posso afirmar que a barragem tenha sido a única razão, mas com a excepção da zona junto ao lugar da Gafaria e alguns campos próximos de Sirvozelo, a margem direita da albufeira é uma zona abandonada.

A segunda

A história dos locais não se lê e aprende apenas nos livros. Lê-se e aprende-se também nos pequenos indícios, nas pequenas conversas com os pastores, na história que a senhora da aldeia nos conta, etc.. É por isso que procuro sempre falar com algumas pessoas dos locais por onde caminho.

Nesta caminhada a existência de algumas casas num lugar ermo poderia ser apenas mais uma curiosidades da montanha. O nome do local dá no entanto a pista para a sua origem, Gafaria. Este local foi uma antiga leprosaria medieval. A sua origem está perfeitamente evidenciada no nome. Na verdade a designação dos lugares é uma vezes uma das melhores pistas sobre a sua origem ou antiga função. Ainda que por vezes se deva procurar no português antigo os reais significados. Um exemplo de uma leitura não imediata: Prados da Messe = Prados do centeio.










Tuesday, October 23, 2007

Novamente o castelo de Bouro

Gosto ler sobres os locais onde caminho. É uma forma de aproveitar melhor as caminhadas que faço. Uma forma de ficar mais atento para pequenas coisas que me poderiam passar despercebidas. Numa dessas leituras fiquei com algumas dúvidas sobre a localização do castelo de Bouro. Eu já o tinha procurado numa excursão magrugadora e solitária desde a Casa dos Bernardos. E, ainda que não tivesse encontrado qualquer vestígio, confiava ter estado lá a contemplar a Serra do Gerês ao sol de Abril. Nessa manhã, sentado numa fraga a trincar uma maça, perdi-me nos recortes do horizonte. Locais que então desconhecia e que agora adoro percorrer. Quando regressei para almoçar a Campo dos Abades, ter encontrado o castelo ajudou a que percebessem melhor a excentricidade de quem madruga para percorrer os montes.

Recentemente, convencido que o Castelo e Castro seriam designações do mesmo sítio arqueológico, comecei a localizá-lo num outro local, ainda que próximo do primeiro. Uma passagem das Memórias Paroquiais de 1758 e uma descrição do castelo encontrei na web sustentavam esta minha nova certeza. Uma das fontes localizava-o sem qualquer dúvida no Piorneiro e outra descrevia um castro, designado-o também por fortaleza, no mesmo local. Escrevi isso aqui e disse-o aos meus companheiros de caminhada. Só que estava enganado.

O castelo de Bouro e o Castro são dois sítios arqueológicos distintos, ainda que muito perto um do outro. Do arqueólogo Luís Fontes, que em 2003 o estudou para a CM Terras de Bouro, recebi informação bastante clara sobre um e outro. E, como acredito que, tal como eu, muitos se interessam por conhecer os montes que caminhamos, transcrevo parte dessa informação.



O Castro

"Nas plataformas superiores, definidas por paredões que fecham as aberturas entre penedias e dos quais se conservam vestígios, recolhem-se fragmentos de cerâmica grosseira e observam-se aglomerações de pedras, que poderão corresponder a ruínas de construções.Trata-se dos vestígios de um povoado de altura, que se pode considerar grosseiramente fortificado e cuja ocupação, pela sua tipologia formal e pela ergologia dos materiais cerâmicos, por se vincular com uma exploração de recursos de modelo pastoril e possuir como contexto arqueológico as mamoas de Chã da Nave, se poderá situar entre os IV e II milénios a.C.. Alguns autores situaram aqui, erradamente, o castelo medieval de Bouro.

Escolhido como marco para limite do couto do mosteiro de Santa Maria de Bouro, o “Castro mao”, como aí é referido, faz parte do imaginário colectivo das populações vizinhas, que o apreendem como algo estranho, misterioso, relacionado com uma ocupação longínqua com a qual não se identificam,originando efabulações em torno da sua inacessibilidade e dos riscos da sua escalada - a este propósito é notável a descrição feita pelo pároco de Chamoim,José Coelho da Silva, em resposta ao questionário de 1758 (vulgo MemóriasParoquiais)."


Como uma das minhas leituras, que erradamente interpretei, foi a "notável a descrição feita pelo pároco de Chamoim", logo que me seja possível procurarei publicar-la em conjunto com a gravura que a acompanha.


O castelo de Bouro

"O Castelo, como é conhecido localmente, é a elevação que remata o esporão do maciço do Piorneiro que se estende mais para nascente, sobranceiro ao profundo vale do Ribeiro de Freitas. Com 890 metros de altitude, o monte é coroado porum denso caos de blocos graníticos de grandes dimensões, que no topo se sobrepõe formando abrigos e lapas naturais. Separado do volume maior da serra pela Chã do Castelo, a Oeste, e praticamente inacessível por qualquer outra das vertentes, possui uma implantação de grande espectaculosidade, proporcionada pela visão esmagadora do imponente maciço da serra do Gerês, que lhe fica fronteiro. Daí se domina uma ampla paisagem sobre o curso alto do Rio Homeme sobre todo o vale do Ribeiro de Freitas, que estabelece a ligação natural entreas bacias dos rios Homem e Cávado.

Na mais ampla plataforma superior, circuitada por uma cerca formada por paredões que fecham as aberturas entre penedias e dos quais se conservam vestígios significativos, recolhem-se fragmentos de cerâmica doméstica e observa-se o resto dos alicerces de uma construção de planta quadrangular,encostada à massa rochosa.

Trata-se dos vestígios de uma fortificação que, pela tipologia formal e pela ergologia dos materiais cerâmicos, e ainda pela sua estreia ligação ao caminho carreteiro, perfeitamente estruturado, que liga Seara a Covide e lhe dava acesso, se pode classificar como castelo roqueiro, característico dos primórdios da nacionalidade. Considerando as suas características construtivas, a implantação geo-estratégica e localização relativa e as fontes medievais que lhe fazem referência, seria este o castelo de Bouro.

Para a aceitação de que o castelo de Bouro corresponde ao local e vestígios acima descritos concorrem, não só as características tipológicas, comuns a tantos outros castelos que se ergueram nos cumes dos montes do Entre Douro-e-Minho, mas também o facto de as população das aldeias próximas assim o designarem, distinguindo-o claramente da elevação do Crasto, que lhe fica a Sudoeste, e sobretudo o contexto histórico-arqueológico em que se insere, em que releva o estar fora do couto do mosteiro de Santa Maria de Bouro e ser servido por uma via própria.

A sua edificação deverá datar do século XII, ao tempo das primeiras iniciativasde Afonso Henriques para afirmar a independência do reino de Portugal. Nas Inquirições de 1220 e 1258 já é amplamente referenciado, evidenciando-se as pesadas obrigações e encargos de praticamente todas as freguesias do Julgado de Bouro relativamente à manutenção do castelo.

Com a Portela da Amarela e a Portela do Homem, o castelo de Bouro constituíao vértice de um triângulo de vigilância e defesa da importante via decomunicação de origem romana que penetrava no interior galego, a célebre“Jeira” (ou Geira), a via XVIII do itinerário de Antonino que se manteve em usoaté bem entrada a Época Moderna.

O castelo, uma construção elementar aparentemente estruturada à base de madeira, que tinha que ser refeita praticamente todos os anos, terá conhecido uma ocupação recorrente mas não permanente, servindo sobretudo em períodosde conflito. Nunca foi, portanto, um castelo residencial, onde habitasse o senhorda Terra, mas antes uma instalação estritamente militar, de ocupação eventual, relacionada com um sistema regional de defesa da fronteira com a Galiza. Comos desenvolvimentos modernos da arte da guerra, nomeadamente a difusão do uso da artilharia a partir do século XVI, o castelo de Bouro deixou de ter qualquer importância militar, devendo datar desse período o seu abandono."

Thursday, October 18, 2007

PR2 - Trilho do Castelo (Terras de Bouro)


O dia amanheceu em tempo de Verão tardio. O Sherpa foi o primeiro a chegar a Terras de Bouro. O Passo Largo, a Senhora do Monte, o Quarto Crescente, a Lua Nova (a mais nova UPBotista a caminhar) e o Louro (o escrevedor nomeado voluntário) chegaram um pouco mais tarde ao pequeno-almoço. A Nogueira, depois de resolver um pequeno contratempo pneumático já tinha seguido para Santa Isabel do Monte e já nos esperava em Campos Abades.

Pelas 10h00 começamos a caminhar. À frente o Quarto Crescente ia anunciando as marcações. Era sempre o seu olhar atento o primeiro a descobrir as marcas do PR, um campeão no jogo do “Xacobeo”.

Primeiro por uma paisagem rural de enorme beleza. Entre as aldeias de Campos Abades e Seara, o trilho percorre velhos caminhos entre bosques e campos de lameiro. Pouco depois da Casa dos Bernardos, uma antiga granja dos frades Bernardos recuperada para turismo rural pela CM Terras de Bouro, um cão de uns caçadores resolveu juntar-se a nós. E, apesar de termos tentado que regressasse ao seu dono, só quando entendeu é nos deixou. Na saída da aldeia de Seara encontrámos algumas marcações vandalizadas, “apagadas” com tinta verde. É complicado compreender a motivação para tal, mas não foi complicado seguir o caminho.

Depois a paisagem foi de chãs elevadas, zonas de pastos percorridas por pastores e cavalos em liberdade. O Castelo que baptiza o trilho seria um castelo roqueiro há muito abandonado. A sua existência está documentada e terá sido importante no início da nacionalidade.

Almoçamos no coreto de Covide e no final deu tempo para um cafezinho. O percurso seguiu depois pela encosta a este. Primeiro por antigo caminho e depois por caminhos de pé posto. Um caminho com umas vistas fantásticas sobre a Calcedónia e vale do S. Bento da Porta Aberta. Nesta parte do percurso as marcações nem sempre foram fáceis de seguir, mas é a zona mais bonita do trilho. Novamente em Seara, novamente as marcações vandalizadas. Junto a um moinho de água foi preciso ter alguma atenção para não perder o percurso. O trilho seguiu depois por um bosque e levou-nos de regresso a Campos Abades pela antiga escola. Agora abandonada. Ao seu lado existe uma construção mais moderna, mas provavelmente da mesma forma vazia de alunos.

Regressámos aos carros e terminámos no Tosko, em Covide, a comer a bolo de chocolate da Nogueira. Uma grande caminhada, com o recorde de idades UPBotistas largamente rebaixado e com um grande campeão de “Xacobeo”.

texto publicado em Um Par de Botas

Wednesday, October 17, 2007

Na montanha com Miguel Torga

Os Serviços de Documentação da Universidade do Minho (SDUM) realizaram no passado Sábado uma caminhada que me deu um enorme prazer. Realizada em ritmo de passeio, num percurso curto entre Campo do Gerês e a vila do Gerês, a caminhada associou a leitura de textos de Miguel Torga à montanha que ele percorreu.

Inserida nas actividades dos SDUM por ocasião do Centenário de Miguel Torga, a caminhada decalcou numa anterior realizada pela CM Terras de Bouro. O percurso acessível permitiu a participação caminheiros menos experimentados, mas não defraudou os mais experientes. Em locais determinados, com a colaboração do Sindicato da Poesia de Braga, foram lidos poemas e textos retirados do Diário de Miguel Torga. Escutados naquele enquadramento os textos ganharam uma outra dimensão. Não é segredo que Torga é o meu escritor favorito. Poeta era como ele se considerava, mas a sua obra é muito mais que poesia. A sua prosa não é inferior à sua poesia. O seu Diário, que comecei a ler mais tarde, é extraordinário. Reflexões diversas sobre quase tudo e com uma actualidade impressionante. A Criação do Mundo, ainda que na primeira pessoa, é um impressionante retrato de um país. Um retrato que nem sequer escondende algumas das contradições pessoais. Obra de um canibal, como chega a reconhecer. Miguel Torga amou como poucos a paisagem de Portugal. Amou-a com os seus defeitos e misérias. Não a amou porque a idolatrava, mas porque sentia que a ela pertencia. Não a venerava no altar da história e das glórias pátrias. Amava-a carnalmente.

Foram muitos os textos lidos e não posso transcrever todos. Deixo apenas dois que ilustram bem o que pretendi salientar.


"Castro Laboreiro, 6 de Agosto de 1948

Não, não terei a hipocrisia de dizer que seria aqui o meu paraíso, aqui que não há papel, nem tinta, nem cinema, nem livrarias, nem cafés, nem nehum dos tóxicos de que necessito. O homem põe, mas a vida dispõe. A cidade é como prostitutas: o seu amor é falso, mas vence o de qualquer mulher honrada. Agora que estas pedras, estes gados, estas alturas que vivem recalcadas no meu sangue, não há dúvida. Aquele desgraçado Boileau, que pouco ou nada sabia de poesia, disse uma verdade imorredoira:

Chassez le naturel, il revient au galop.

Mal apanho uma aberta, sou como um galgo pelos montes acima. Não posso dizer o que sinto, nem o que procuro. Mas as pedras parecem-me fofas debaixo dos pés. A parte mais íntima de mim encontra-se e expande-se. Citadino e perdido, sou na verdade uma montanha comprimida."


"Coimbra, 7 de Dezembro de 1949

Não é por nacionalismo que seria uma tolice. É por funda necessidade cultural que peregrino a pátria. A realidade telúrica dum país, descoberta pelos métodos dum almocreve, é muito mais instrutiva do que trinta calhamaços de história, botânica ou economia. Sem acrescentar que é com o seu próprio corpo que o homem mede o berço e o caixão...

Eça falhou n'A Cidade e as Serras porque nunca calcorreou as serras. Camilo é muito mais autêntico porque atolava os pés no barro que moldava.

Temos que conhecer a nossa terra. Mas conhecê-la por dentro, sem preconceitos de nenhuma ordem. Amá-la, sim, mas objectivar-lhe tanto quanto possível os defeitos e as virtudes, para que o nosso afecto seja fecundo e progressivo.

Portugal tem sido visto ou por arqueólogos ou por obececados. São horas de tentar compreendê-lo doutro modo. Nem o cisco dos cacos, nem o delírio histórico. Uma radiografia profunda, que revele a solidez do esqueleto sobre o qual todo o corpo se mantém."


Há caminhadas que simplesmente me atraem como actividade física. Ir mais longe, mais alto. Há caminhadas que valem pela companhia, por uma vista, por uma pedra. Esta valeu por ter escutado Miguel Torga como não saberia ler.

Tuesday, October 09, 2007

O novo período albufeirozoico

Barragem da Paradela, Outubro de 2007

"Paradela do Rio, 1 de Julho de 1956

Estes tempos de barragens são uma verdadeira era nova do mundo. Qualquer dia na escola, o mestre aponta o mapa e diz:

- Antes do período Albufeirozoico aqui era o Barroso.

Miguel Torga - Diário"


Passaram mais de 50, mas o recente anúncio do novo Plano Nacional de Barragens demonstra-nos como as receitas de hoje se parecem com as receitas do Portugal de ontem. O que interessa é anunciar a "era nova" com toda a pompa. Parece que estamos condenados a ter todas as barragens possíveis e uma torre eólica no cimo de cada monte sem fazer um debate sério sobre as opções energéticas. Antes de afogar o país em albufeiras devia haver coragem para promover esse debate.

Wednesday, September 12, 2007

Jornada dupla pelo Gerês

Fim-de-semana de jornada dupla mas as pernas não se queixaram. E no Sábado pude finalmente refrescar-me numa das pequenas piscinas do Vale Teixeira. A água, fria à entrada, é, depois, um bálsamo fantástico para o esforço.

No Sábado desci com o UPB desde os Prados da Messe ao Gerês. No grupo havia alguns iniciantes e subir a Costa Sabrosa não é fácil. Algumas paragens e num ritmo leve chegamos facilmente ao Conho, onde almoçámos. Ao subirmos para o Borrageiro encontrámos um grupo de geresianos que percorriam o trilho em sentido inverso. Deveriam ter começado na Portela de Leonte. Ficámos um pouco a conversar com alguns deles. A trocar informações sobre trilhos e plantas.

Descemos para o Vale Teixeira pela Chã da Presa. É trilho muito bonito, mas deixou algumas marcas nos menos experientes. Um bom calçado é fundamental para o conforto na montanha. As sapatilhas não são normalmente uma boa opção e a descer nem “todos os santos ajudam”. Pelo menos o “santo” dos caminheiros não ajuda muito sem um calçado aderente.

Num dos currais do Vale Teixeira encontrámos dois pastores da povoação Ermida. Estivemos um pouco a conversar sobre várias coisas. É escusado tentar fazer as pazes entre eles e o lobo. É uma coexistência que nunca será pacífica. Depois a geração deles a vezeira vai acabar, os filhos já não querem saber do gado senão no prato. Perder estas actividades tradicionais é uma das maiores ameaças que paira sobre o PNPG. Eu sei que em parte faz parte de uma dinâmica social normal. Cada vez haverá menos gente nas actividades do sector primário. Mas também não deixa de ser resultado de opções que fizeram do homem uma parte do problema e não parte da solução. Permanece uma tensão por resolver entre as populações e o PNPG. Eu, por muito que lhes reconheça a tendência para o erro, a merecer vigilância e regra, cada vez mais percebo o ponto de vista das poluções.

Saímos do Vale Teixeira directamente para o PR Trilho dos Currais por um trilho que não conhecia. Depois descer até às termas foi a pior parte da caminhada. O declive é demasiado acentuado e o piso, quase todo ele em estradão, é monótono e escorregadio. Eu apenas o tinha subido e não pretendo voltar a descê-lo.

No Gerês descobri que no dia seguinte havia uma festa de encerramento da vezeira entre os pastores. Fiz-me convidado e não me negaram – Apareça que chega para todos.


O Domingo estava destinado à exploração de uma variante de um trilho da CM Terras de Bouro para uma actividade dos Serviços de Documentação da Universidade do Minho (SDUM) no âmbito do 100º aniversário do Miguel Torga. O director dos serviços, Eloy Rodrigues, é também um entusista do pedestrianismo e não há melhor forma de homenagear o poeta que se definiu a si mesmo como “geófago”. O percurso decalca uma actividade da CM Terras de Bouro, mas importava reconhecer o terreno e verificar se seria acessível a todos.

Saímos desde as Porta do Parque em S. João do Campo e no marco miliário junto à estrada, depois cruzeiro, entramos num pequeno estradão de terra. Este caminho seria a antiga ligação de S. João de Campo a Lamas e, suponho, daí a Vilar da Veiga e Gerês. O caminho é fácil de seguir e possui parte lajeadas. Junto a uma pequena ponte vedada com arame farpado seguimos em frente. Na verdade não seguimos, mas tivemos que corrigir o erro. Num zig-zag pela serra, o caminho segue a direcção de uma linha de tensão até se encontrar com a actual estrada. Bem perto passa o estradão que segue para a Junceda. Paramos a descansar à sombra acolhedora de carvalhos milenários mas rapidamete seguimos. O almoço seria no Gerês e o apetite começava a despontar. Na estrada seguimos em direcção ao Gerês até ao entroncamento de Lamas. Aí seguimos para o miradouro da Boneca - nos primeiros sinais do PR-Trilho dos Miradouros - deve-se ter a atenção ao sentido da direcção em que estamos a caminhar.

O miradouro da Boneca, em conjunto com a Pedra Bela, são as duas melhores vistas sobre o vale do Rio Gerês. O miradouro da Boneca tem ainda a vantagem de permitir ver apenas o melhor das Termas do Gerês. Com excepção do Hotel do Parque, cuja degradação ofende algumas das minhas recordações de infância, o que de menos bonito existe fica fora campo de visão.

A descida para o miradouro da Fraga Negra requer alguma atenção, mas é fácil de seguir. A diferença de cotas é elevada, mas a descida não é complicada. Apenas mesmo ao chegar ao miradouro da Fraga Negra existe uma passagem um pouco mais escorregadia.

Chegamos ao Gerês um pouco mais tarde do que imaginava e já não pude ir aproveitar o “convite” para a festa do encerramento da vezeira. Também não encontramos um restaurante aberto e ficámos por umas sandes. Para quem fez os últimos metros na ilusão de um cabritinho poderia saber a pouco, mas o menu do dia tinha sido serra. Ainda que algo domesticada, tinha sido um bom “cheirinho de serra.

"Gerês, 17 de Agosto de 1958
Sou, na verdade, um geófago insaciável, necessitado diariamente de alguns quilómetros de nutrição. Devoro planícies como se engolisse bolachas de água e sal, atiro-me às serranias como broa de infância. É fisiológico, isto. Comer terra é uma prática velha do homem. Antes que ela o mastigue, vai-a mastigando ele. O mal, no meu caso particular, é que exagero. Empanturro-me de horizontes e de montanhas, e quase me sinto depois uma província suplementar de Portugal. Uma província ainda mais pobre que as outras, que apenas produz uns magros e tristes versos.

Miguel Torga , Diário VIII"

detalhe de uma carta antiga com caminho, a actual estrada ainda não aparece indicada

Friday, August 31, 2007

Gerês organiza circuito turístico de mini-autocarro

Os visitantes do Gerês e do concelho de Terras de Bouro podem contar com a oferta de um circuito turístico através de mini-autocarro que percorre diariamente os locais mais emblemáticos da serra do Gerês.

A implementação do circuito resulta da parceria entre a Câmara Municipal, o Parque Nacional da Peneda-Gerês e a Empresa Hoteleira do Gerês, possibilitando a visita a vários locais sem a necessidade de utilizar transporte particular e contactando directamente com a natureza uma vez que está concebido de forma que as pessoas possam entrar e sair em qualquer ponto do percurso, realizar visitas a vários locais à sua escolha, inclusive almoçar no Campo do Gerês ou vila do Gerês, visitar lagoas, passear na via romana, conhecer a fronteira da Portela do Homem, retomando o autocarro no horário que desejarem.

O circuito começa e termina na vila do Gerês, passando pelos vários locais, em horários pré-determinados, sendo também permitido que o turista possa realizar apenas parte do circuito, realizando o restante a pé, o que lhe confere alguma novidade e o torna aliciante.

Embora o circuito não possa dar resposta a quantos procuram o Gerês até 15 de Setembro, todavia, é mais uma oferta para quem gosta de deixar o automóvel e contactar directamente com a natureza e entrar em plena serra e apreciar as cascatas, lagoas, flora, etc.

As informações sobre o circuito encontram-se nos postos de turismo e nas diversas unidades hoteleiras, sendo realizado pelos autocarros da Empresa Hoteleira do Gerês, entre 2,ª e 6.ª feira, a preço simbólico, e, aos fins-de-semana, entre a vila do Gerês e a fronteira da Portela do Homem, pelo autocarro do Parque Nacional de forma gratuita.

site: CM Terras de Bouro

A primeira vez que me falaram neste circuito estranhei. O Parque parecia estar a contradizer as suas próprias orientações. O que até não seria tão absurdo, porque os técnicos do PNPG reconhecem em voz baixa que o plano de ordenamento é demasiado restritivo. E, como a revisão do plano curso está em curso, poderia ser mais um exemplo do limbo em que se encontra. Esta notícia no site da CM Terras de Bouro esclareceu-me melhor.

Ainda que não me pareça recomendável que este circuito passe pelo troço Bouça da Mó - Mata da Albergaria (Geira Romana), ainda que este circuito possa ter dado origem a alguns abusos, reconheço que é uma boa medida. E que poderá ter possibilitado que alguns turistas tenha conhecido um pouco melhor a serra.

O problema é que os mesmo princípios de que validam a existência deste circuito deviam validar a possibilidade de ao longo do ano ser possível "entrar em plena serra e apreciar as cascatas, lagoas, flora, etc". Aliás, os que fora do período estival procuram a serra até a procuram com motivações não exclusivamente turísticas. Mas é a estes, que destingem a serra de uma qualquer praia fluvial, que não fazem lixo, que apreciam a serra, que até animam economicamente a zona fora dos períodos de Verão, a quem, aparentemente, mais se pretende restringir.

Eu concordo que o PNPG possa estabelecer regras, que possa controlar o acesso à serra. Não posso concordar que o ICN não possa distinguir uma actividade sem fins lucrativos de uma actividade empresarial. Temo que ultrapassadas as limitações de um plano de ordenamento caduco as actividades de montanha fiquem proibidas a muitos dos grupos informais que as praticam. Apenas porque não podem cumprir com requisitos próprios de actividades empresariais. Não defendo a não existência de regras. Não defendo regras que só alguns possam cumprir.

nota: a motivação para esta refexão foi o conhecimento de casos concretos

Thursday, August 30, 2007

Lobos e outras histórias


Avistar um lobo era algo que desejava há muito. Sabia que as probabilidades eram reduzidas. Os lobos são animais muito inteligentes e raramente se deixam avistar. Numa actividade da Ecotura, percorri o Planalto de Castro Laboreiro com Pedro Alarcão e a Anabela Moedas, autores do documentário sobre o Lobo da RTP. Nessa ocasião escutei algumas das histórias sobre o lobo e sobre a gravação do seu documentário. Fiquei a conhecer um pouco melhor o lobo, a sua organização social, os mitos e a sua relação com o homem. Aprendi também a respeitá-lo mais. No último ano oor diversas vezes encontrei vestígios de lobo nas caminhadas. E numa caminhada da AAEUM um colega avistou um lobo, mas estava muito distante para também o ver. Sábado passado a minha sorte mudou.

Numa caminhada de reconhecimento do planalto de Castro Laboreiro, com um pequeno grupo do UPB, vi o meu primeiro lobo. A nossa ideia era apenas reconhecer um terreno fácil para uma caminhada nocturna, mas aproveitámos também para subir ao Giestoso. No regresso, em terreno aberto, um colega dá o alerta. Um pouco à frente, um lobo juvenil tinha saltado e fugia velozmente. Acompanhei-o por entre o mato até desaparecer numa lomba do terreno. Nunca o vi por inteiro. Apenas o deslumbrei por entre a vegetação. Mas o dia já estava ganho.

No planalto também avistámos o voo de duas aves que nos pareceram águias. As fotos que tirei não permitem a sua identificação.

O pré-programa da caminhada nocturna metia uma feijoada oferecida por um casal do UPB , o Coura e a Tília. A festa prometia ser rija. No final da tarde a chuva parecia querer estragar a programa. O jantar, que seria na zona de lazer de Lamas de Mouro, foi transferido para um café de uns senhores simpáticos que nos abriram as portas. A meio do jantar já agradecia a chuva porque me parecia impossível caminhar depois da feijoada. Só que chuva parou e a vontade de colocar as botas no trilho foi superior. Escolhemos um trilho mais fácil e fomos caminhar pelos estradões do planalto. No único momento de hesitação valeu-nos encontrar um jipe que percorria o planalto. Algumas indicações e rapidamente nos orientámos. No final ainda ficámos um pouco à conversa até o cansaço nos aconselhar a regressar.

Chegar a Braga foi mais complicado. O cansaço era grande. Eu inicialmente tinha decidido pernoitar em Lamas de Mouro, mas a chuva fez-me mudar de planos. Cheguei a casa com a luz do dia.

Friday, August 24, 2007

Miguel Torga e o Minho

Miguel Torga não gostava do Minho. Esta afirmação possui algum fundamento, pois por diversas vezes ele o escreveu. São diversas as entradas no seu Diário que reflectem esta antipatia. Só que foi claramente uma relação de amor/ódio.

Miguel Torga era um homem da montanha. Um homem com raízes nas fragas e dava-se mal com o verde o Minho. De certa forma foi uma relação marcada pelo eterno conflito do homem da montanha com o homem da ribeira. Para ele as "cangas lavradas e coloridas que ofendiam as molhelhas do suor verdadeiro", as festas "encandeavam a lucidez dos sentidos" e não partilhava da religiosidade de um povo "a cantar o Avé atrás do cura da freguesia".

No documentário que a RTP exibiu António Barreto disse que tinha conhecimento que o Miguel Torga teria dito coisas boas sobre Coimbra, onde escolheu viver, e sobre a Universidade de Coimbra, onde se formou, mas que nunca as tinha escutado ou lido. Pelo contrário, são conhecidas algumas opiniões bastante azedas sobre ambas. Do Minho sabemos que por cá passou diversas temporadas e que o percorreu. Um dos maiores capítulos do seu livro Portugal é mesmo sobre o Minho. Maior somente o capítulo sobre o seu Reino Maravilhoso: Trás-os-Montes.

Como minhoto teria naturalmente preferido escritos mais simpáticos, mas há que reconhecer que pelo menos em parte teria razão.

Como convite à leitura fica um pequeno excerto do Portugal de Miguel Torga:

"Desanimado, meti para Castro Laboreiro à procura dum Minho com menos milho, menos couves, menos erva, menos videiras de enforcado e mais meu. Um Minho que o não fosse, afinal. Encontrei-o logo dois passos adiante, severo, de curcelo e carapuça.

A relva dera finalmente lugar à terra nua que, parda como o burel, tinha ossos e chagas. O colmo de centeio, curtido pelos nevões, perdera o riso alvar das malhadas. Identificara-se com o panorama humano, e cobria pudicamente a dor do frio e da fome. Um rebanho de ovelhas silenciosas retouçava as pedras da fortaleza desmantelada. E uma velha muito velha, desmemoriada como uma coruja das catacumbas, vigiava a porta do baluarte, a fiar o tempo. Era a pré-história ao natural, à espera da neta.

Ó castrejinha do monte,
Que deitas no teu cabelo?
Deito-lhe água da fonte
E rama de tormentelo.

Bonita, esbofeteada do frio, a cachopa vinha à frente dum carro de bois carregado de canhotas. Preparava a casa de inverno para quandochegasse a hora da transumância e toda a família —pais, irmãos, gados, pulgas e percevejos— descesse dos cortelhos da montanha para os cortelhos do vale, abrigados das neves.

– Conhece esta cantiga?
– Ãhn?

Falava uma língua estranha, alheia ao Diário de Noticias, mas próxima do Livro de Linhagens do Conde de Barcelos.

– É legitimo este cão?
– É cadela.

Negro, mal encarado, o bicho, olhou-me por baixo, a ver se eu insistia na ofensa. O matriarcado teimava ainda...

– A Peneda?

A moça apontou a vara. E, como ao gesto de um prestidigitador, foram- se desvendando a meus olhos mistérios sucessivos. Todo o grande maciço de pedra se abriu como uma rosa. A Peneda, o Suajo e o Lindoso.Um nunca mais acabar de espinhaços e de abismos, de encostas e planaltos. Um mundo de primária beleza, de inviolada intimidade, que ora fugia esquivo pelas brenhas, tímido e secreto, ora sorria dum postigo, acolhedor e fraterno.

Quando dei conta, estava no topo da Serra Amarela a merendar com a solidão. Tinham desaparecido de vez as cangas lavradas e coloridas que ofendiam as molhelhas do suor verdadeiro. A zanguizarra dos pandeiros festivos e as lágrimas dos foguetes já não encandeavam a lucidez dos sentidos. Os aventais de chita garrida davam lugar aos de estopa encardida. Nem contratos pré-nupciais ardilosos, nem torres feudais, nem rebanhos de homens pequeninos, dóceis, a cantar o Avé atrás do cura da freguesia. Pisava, realmente, a alta e livre terra dos pastores, dos contrabandistas e das urzes. As pernas de granito dum velho fojo abriam-se num grande V, como as dum gigante no sono da sesta. E saltou-me vivo à lembrança o instantâneo de Joaquim Vicente Araújo, quando no seu Diário Filosófico da Viagem ao Gerês fala duma batida aos lobos, que presenciou, e em que toda a população masculina do lugar colaborara: «Era cousa de ver a má catadura duns e a presteza de todos, que descalços, outros de socos, armados desciam pelas fragas». Sem a coragem dos avós, agora os habitantes comunitârios de Vilarinho da Furna atacavam as alcateias a estricnina e caçavam corças furtivamente. Mas mesmo assim nao faziam má figura ao lado do rio Homem, que, talvez a querer justificar um nome que a etimologia lhe nega, parecia um lavrador numa leira de pedras, tenaz em todo o percurso, e sempre límpido, a espelhar o céu. Na margem de lá, o Pé do Cabril, solene, esperava a abraço duma ascensão. E coma a desafiar aquela pétrea majestade, arrogante e lustroso, o toira do lugar roncou de uma chã. Símbolo tangível da virilidade e da fecundação, nenhum outro deus, ali, tinha forças para o destronar. Plenitude encarnada do instinto natural de preservação da seiva capaz de se multiplicar em cada acto de amor, era ele o pólo de todos os cultos cuItos e desvelos. Rei já no tempo das casarotas megalíticas que me rodeavam, continuava a sê-lo ainda no presente por exigência e graça da própria vida.

Atravessada a ponte em corcova, galgados os muros ciclópicos da Calcedónia, numa erudiçao feita à custa dos pés, e guiado pelos miliários imperiais, segui a geira romana até chegar à Portela do Homem, onde as legiões invasoras pareciam aquarteladas. Mas foi a guarda fiscal, vigilante, que me recebeu.

A uma sombra tutelar, pouco depois, num minuto de descanso, a Historia recente da Pátria avivou-se.

– Uma das incursoes monarquicas foi por aqui...
– Tentaram... Tentaram...
– Este Minho! Este Minho!...
– Tem uma costela talassa, tem...

Mas recusei-me a reintegrar, por simples razões partidárias, aquelas viris penedias no planisfério verdurengo de onde a própria natureza as libertara. Tranquei as portas da memória e, pela margem do rio, subi aos Carris. Uma multidão minava as fragas à procura de volfrâmio, por conta da guerra e de quem a fazia. Teixos e carvalhos centenários acompanharam-me quase todo o caminho. Só desistiram quando me aproximei do cume da montanha, onde a vida, já sem raizes, tenta levantar voo.

Agora, sim! Agora podia, em perfeita paz de espírito, estender a minha ternura lusíada por toda a portuguesa Galiza percorrida. Pano de fundo, o mar de terras baixas era apenas um cenário esfumado; à boca do palco reflectiam-se nas várias albufeiras do Cávado a redonda pureza da Cabreira e a beleza sem par do Gerês. E o espectador emotivo já não tinha necessidade de brigar com o cavador instintivo que havia também dentro de mim. Embora através da magia agreste dos relevos, talvez por contraste, impunha-se-me com outra significação a abundância dos canastros, o optimismo dos semeadores e a própria embriaguez que anestesiava cada acto, no fundo necessária à saúde dos corpos individuais e colectivos. Integrava o alegrete perpétuo no meu caleidoscópio telúrico. Bem vistas as coisas, se ele não existisse faria falta no arranjo final do ramalhete corográfico português.

Em acção de graças por esta conclusão pacificadora, rezei orações pagãs no Altar de Cabrões, antes de subir à Nevosa e aos Cornos da Fonte Fria a experimentar como se tremem maleitas em pleno Agosto.

Estava exausto, mas o corpo recusava-se a parar. Pitões acenava-me lá longe, de tectos colmados e de chancas ferradas. Não obstante pisar o mais belo pedaço de chão pátrio, queria repousar em terra real e consubstancialmente minha. Ansiava por estender os ossos nos tomentos de Barroso, onde, apesar de tudo, era mais seguro adormecer. Quem me garantia a mim que, mesmo alcandorado nos carrapitos doirados da Borrajeira, não voltaria a ter pela noite fora um pesadelo verde?"

Dois objectivos

Recentemente percorri dois dos locais que mais desejava conhecer no PNPG: A travessia Pitões-Portela e a cumeada da Encostado Sol. Em ambas as ocasiões foram dias de forte calor mas a beleza dos locais compensou. São zonas duras, de uma beleza muito longe das paisagens bucólicas como muitos imaginam o Gerês. A maioria das pessoas que visitam o Gerês conhece-o junto às estradas, não imagina como é longe delas. A serra é dura, despida, por vezes seca mas pura. Eu gosto de ambas. Gosto do fresco das matas e a autenticidade das fragas. Prefiro perder-me nas segundas mas sentiria a falta das primeiras.

A travessia é uma experiência dura e um bom exercício de orientação. Os antigos percursos estão esquecidos. A zona é uma sucessão de corgos e quase não há mariolas para nos orientar o caminho. Particamente não há vegetação alta. Alguns currais esquecidos onde pastam livremente grupos de garranos. A área do PNPG pertencente a Montalegre é também umas das zonas onde me sinto mais livre.

Subir à cumeada da Encosta do Sol não é fácil, mas a perspectiva sobre o vale do Homem compensa largamente o esforço. Conhecia diversos relatos. Finalmente cumpri também este objectivo.

O sinal negativo em ambas foi ter que descer o estradão de acesso aos Carris. Nada me é tão penoso como caminhar naquele leito de pedras roladas. Pior só a confusão estival nas lagoas da Portela do Homem.

Não percebo porque o PNPG que é tão restrivo com certas coisas permite esta situação. É verdade que não consigo imaginar uma razão para impedir que as pessoas se banhem nas lagoas. Recordo-me é de muitas que justificariam que um guarda do Parque impedisse o depositar de lixo junto ao caminho.


Sunday, August 12, 2007

Legado











O que eu espero , não vem.
Mas ficas tu, leitor, encarregado
De receber o sonho.
Abre-lhe os braços, como se chegase
O teu pai do Brasil,
A tua mãe, do céu,
O teu melhor amigo, da cadeia.
Abre-lhe os braços como se quisesses
Abraçar toda a luz que te rodeia.
Não perguntes por que tardou tanto
E não chegou a tempo de me ver
Uns têm a sina de sonhar a vida,
Outros a de a colher


Miguel Torga, Cântico do Homem

Wednesday, July 04, 2007

O Castelo de Bouro

Quem já fez o PR2 da CM de Terras de Bouro 'Trilho do Castelo' começa com alguma ilusão de encontrar na serra os vestígios do Castelo de Bouro. Eu, apesar de nunca os ter encontrado, fiquei convencido de ter estado no local. Sabendo de que se tratava de um "castelo roqueiro" abandonado desde o século XVI, atribuí aos meus poucos conhecimentos de arqueologia não conseguir confirmar a sua localização. Recentemente, numa publicação da CM de Terras de Bouro - "Memórias e Imagens de Terras de Bouro Antigo", de José Viriato Capela, li uma interessante descrição do castelo pelo abade de Chamoin de 1758 e percebi que poderia ter procurado no local errado. Ainda que apenas apoiado em fontes bibliográficas, estou convencido que o local indicado no mapa do trilho não corresponde à localização do Castelo. Numa próxima caminhada pela zona espero poder confirmar a minha suspeita.



Uma descrição do castelo de Luis Fontes (arqueólogo):

"Amplamente referenciado nas Inquirições de 1220 e de 1258, em relação ao qual praticamente todas as freguesias das cercanias tinham pesadas obrigações e encargos, o castelo de Bouro foi durante toda a Idade Média um ponto estratégico de defesa do acesso ao vale alto do rio Homem. Com a Portela da Amarela e a Portela do Homem, o castelo de Bouro constituia um triângulo de vigilância e defesa da importante via de comunicação de origem romana que penetrava no interior galego, a célebre "Jeira", a via XVIII do Itinerário de Antonino que se manteve em uso até bem entrada a Época Moderna. O castelo, uma construção elementar, aparentemente estruturada à base de madeira, que tinha que ser refeita praticamente todos os anos, foi erguido no topo do monte onde se aglomera um denso caos de blocos, a mais de 950 metros de altitude, numa implantação que, podendo considerar-se paisagisticamente espectacular, terá obedecido sobretudo a interesses geo-estratégicos. Daí se domina todo o curso do rio Homem, em particular o seu troço alto e a ligação natural ao vale do rio Cávado pelo talvegue Covide / Rio Caldo. A fortificação, de que apenas restam alguns panos muito derrubados da cerca que fechava os espaços entre os enormes blocos graníticos, deverá datar de finais do século XII e princípios do século XIII. Terá conhecido uma ocupação recorrente mas não permanente, servindo sobretudo em períodos de conflito. Pelas tipologia construtiva e de implantação fisiográfica, trata-se de um característico castelo dos primórdios da nacionalidade, igual a tantos outros que então se ergueram no Entre Douro-e-Minho no cume dos montes mais proeminentes. Com os desenvolvimentos modernos da arte da guerra, nomeadamente a difusão do uso da artilharia a partir do século XVI, o castelo de Bouro deixou de ter qualquer importância militar, devendo datar desse período o seu abandono. Do ponto de vista arqueológico o monumento está mal conservado."

Wednesday, June 27, 2007

Regresso à terra

Descansamos porque mudámos de actividade – respondeu-me um casal de galegos que encontrei perto Soajo na casa que estão a recuperar. Foram-me apresentados por um amigo comum no meio de uma caminhada de exploração na qual me servia de guia. Já não são jovens, mas permanecem joviais. Falaram com alegria e orgulho da horta biológica e da recuperação da casa. Começaram por acampar na zona e foram descobrindo aqueles montes. Fizeram amigos e começaram a procurar uma casa que pudessem recuperar. Não fiquei a conhecer muito sobre eles. Serão naturalmente pessoas com alguma capacidade económica e bom nível de vida, mas são também um exemplo daqueles que optaram por abrandar o ritmo para ganhar tempo. Procuraram no contacto com a terra a simplificação dos ritmos urbanos. Um regresso às raízes ancestrais de cavadores.

Mas você é só de quando em vez e por festa – responderam dois velhos pastores com quem um amigo meu se cruzou numa serra. Respondiam à sua afirmação de que também ele andava por aqueles montes e que os invejava. Como o casal sinto o chamamento do campo e a necessidade de fugir à Cidade, mas não sei se algum dia terei a coragem e condições de ir além da “festa”.

Thursday, May 24, 2007

A casa dos Prados da Messe


Nos Prados da Messe existem o resto de umas paredes que seriam as ruínas de uma cabana de caça que o Rei D. Carlos teria mandado construir. Foi assim que me explicaram pela primeira vez e nunca duvidei da Real origem da construção. Eram tantas as fontes que repetiam a mesma história que teria de estar correcta. Na verdade, recordando-me do Real porte do D. Carlos, e mesmo sabendo-o amante da caça, fiquei a admirar a capacidade física do D. Carlos. Ao ler o Serra do Gerez, Estudos - Aspecto - Paisagens, de Tude de Sousa , que no início do século XX foi regente florestal da Serra do Gerês, encontrei algumas razões para duvidar dessa explicação.

O Rei D. Carlos (1) nunca terá estado nos Prados da Messe e a casa será muito posterior à sua estada no Gerês. A estada da família Real no Gerês realizou-se “… nos dias 12, 13, 14 e 15 de Outubro de 1887, a família real portugueza, D. Luiz I, D. Maria Pia, D. Carlos e D. Amélia, subindo os três primeiros a Leonte, onde D. Luís e D. Carlos , com alguns dignatários de sua comitiva, tomaram parte em uma caçada aos corços, não indo mais longe em nenhum dia, nem se internando mais na serra, como o desejava o guia que havia sido escolhido para dirigir as caçadas e os monarchas, o P.e Sebastião Pires da Freitas, de Covide”.

Na mesma obra há também uma referência sobre a origem das ruínas:“… nos Prados da Messe, onde há uma pequena casa florestal construida no verão 1908,…”.Assim, contra a tradição, a casa terá sido construída depois do regicídio(2).

1) D. Carlos iniciou o seu reinado em 19 de Outubro de 1889 pelo que esteve no Gerês como príncipe herdeiro na companhia de seu pai D. Luiz I, com a idade de 24 anos.
(2) D. Carlos morreu em 1 de Fevereiro de 1908 na consequência de um atentado no Terreiro do Paço.

Barragem de Vilarinho da Furnas


Duas fotos da construção da Barragem de Vilarinho das Furnas (1968/1969), inaugurada 1972.


"Manuel Antunes, sociólogo e presidente da AFURNA, Associação dos Antigos Habitantes de Vilarinho da Furna, foi o último a sair da povoação. «Aproveitei as férias do Natal e vim para aqui. A minha tia estava a viver na aldeia e passámos a passagem de ano de 70 para 71. Éramos os únicos que estávamos na aldeia. No dia seguinte pegámos na trouxa às costas, as últimas coisas que ela tinha, e viemos». Nesse ano, em 1971, a aldeia já fica submersa, apesar da barragem ter sido somente inaugurada a 21 de Maio de 1972. Acabou Vilarinho da Furna.

João Barroso, técnico auxiliar do Museu Etnográfico de Vilarinho da Furna, lembra-se de ir «lá à Páscoa, às festas, íamos tomar banho à ponte, ao rio Homem». Lembra-se que tudo mudou quando apareceu o pessoal para trabalhar na barragem. «As pessoas do Campo (aldeia de São Martinho do Campo do Gerês) tinham todas rebanhos e venderam tudo com medo de que lhes roubassem as coisas. Em cada corte dos animais estava uma família a viver, quatro ou cinco indivíduos que vieram para aqui em condições sub-humanas».

Manuel Antunes recorda que quando era pequenino — nasceu em 1946 — já se falava «que vinha uma barragem. Com essa história, nós brincávamos no rio a fazer barragens, mal sabíamos que era uma barragem que ia destruir a aldeia».Nos anos 50 tudo começa a tomar forma. Estudavam-se os terrenos, faziam-se furos. A barragem estava aí. Começa a ser construída em 67. Fecha em 71. Morre Vilarinho da Furna." retirado de http://www.serra-do-geres.com/


barragem já concluída


BARRAGEM DE VILARINHO DAS FURNAS
UTILIZAÇÕES
- Energia / Derivação

LOCALIZAÇÃO
DADOS GERAIS
Distrito - BragaConcelho - Terras do BouroLocal - S. João do Campo

Bacia Hidrográfica - Cávado Linha de Água - Rio Homem
Promotor - CPPE, Cª. Portuguesa de Produção de Electricidade, SADono de Obra (RSB) - CPPE
Projectista - Hidro Eléctrica do Cávado

Construtor - MAGOPEPAno de Projecto - 1966
Ano de Conclusão - 1972
CARACTERÍSTICAS HIDROLÓGICAS
Área da Bacia Hidrográfica - 77 km2
CARACTERÍSTICAS DA ALBUFEIRA

Área inundada ao NPA - 3460 x 1000m2Capacidade total - 117690 x 1000m3
Capacidade útil - 116080 x 1000m3
Nível de pleno armazenamento (NPA) - 569,5 m
Nível de máxima cheia (NMC) - 570 m
CARACTERÍSTICAS DA BARRAGEM
Betão - ArcoAltura acima da fundação - 94 m
Altura acima da fundação - 94 m
Cota do coroamento - 570 m
Comprimento do coroamento - 385 m
Fundação - Granito
Volume de betão - 294 x 1000 m3
DESCARREGADOR DE CHEIAS
Localização - Margem direita
Tipo de controlo - Controlado
Tipo de descarregador - Afogado lateral em poço
Comportas - 2 comportas vagão
Caudal máximo descarregado - 280 m3/s
Dissipação de energia - Trampolim
DESCARGA DE FUNDO
Localização - Talvegue
Tipo - Através da barragem
Secção da conduta - D 2,60
Caudal máximo - 180 m3/s
Controlo a jusante - Sim
Dissipação de energia - Jacto oco
CENTRAL HIDROELÉCTRICA
Tipo de central - Céu aberto
Nº de grupos instalados - 2
Tipo de grupos - Francis
Potência total Instalada - 125 MW
Energia produzida em ano médio - 225 GWh

fontes: http://www.serra-do-geres.com/ e http://cnpgb.inag.pt/

Tuesday, May 22, 2007

Novamente Serra Amarela


Domingo voltei à Serra Amarela para registar a ligação de Brufe às Casarotas e explorar na totalidade o caminho de Vilarinho aos prados debaixo da Louriça. Deixámos o jipe do Tiago um pouco antes de Brufe e começamos a fazer parte do Trilho Casarotas marcado pela CM Terras de Bouro. A entrada está muito bem sinalizada e um pouco acima da estrada existe um pequeno fojo de paredes convergentes. Os muros devem ter sido reparados recentemente mas as marcas do tempo são muito claras. Aos muros laterais e ao poço falta a dimensão que já devem ter tido. Na carta antiga a esta zona está designada por Colmeias do Pito e existem vestígios de várias silhas de ursos que protegeriam as colmeias.

O trilho segue em direcção a Brufe por uma portela até um pequeno planalto onde nos desviámos em direcção a Mata Porcos. Bem perto de nós andava o rebanho cabras de Cortinhas, um dos lugares de Brufe. Na última vez que passei por lá um dos habitantes disse-me que agora eram apenas 3 as pessoas que tinham animais. Este rebanho possui o certificado de agricultura biológica e é dele que saem os cabritos para o “Abocanhado”, o conhecido restaurante de Brufe.

O trilho marcado pela CM Terras de Bouro não visita as Casarotas, mas percebi que há nele uma espécie de convite para que os caminheiros mais aventureiros o façam. O convite de que falo é um pequeno desvio logo interrompido, mas que um pouco à frente segue com umas antigas marcações de um GR até às Casarotas. Com estas marcas e as mariolas é quase impossível não chegar ao local, marcado nas cartas modernas como Chã do Salgueiral. Sobre as Casarotas já escrevi na primeira vez que as visitei.

Acima dos 1100 metros a serra estava coberta por um manto nevoeiro pelo que continuámos o nosso caminho sem grandes paragens. Num ritmo não muito elevado seguimos até à Louriça onde almoçámos mais abrigados. Na descida para Vilarinho, no Sonhe, enquanto procurávamos a entrada para o “estradão”, encontrámos um pessoa que nos abordou com – “vocês vão-se perder”. De facto o nevoeiro estava cada vez mais cerrado e aconselhava muitos cuidados. Não fosse conhecermos o caminho, e termos o trilho registado no GPS, o melhor seria voltar para Brufe. Contou-nos algumas histórias de pessoas que se tinham perdido para nos aconselhar a não nos metermos ao monte, mas ficou mais sossegado quando lhe esclarecemos que já conhecíamos o caminho e tinhamos cartas, bússola e GPS. Pouco depois verificámos bem a dificuldade de orientação no meio do nevoeiro. Sem referências, apenas o GPS nos recolocava no percurso.

Descemos até Vilarinho sempre pelo antigo caminho e de facto na parte final a vegetação não ajuda. Bem no final encontrámos 3 estudantes checos em Erasmo na Universidade de Lisboa. Estavam também um pouco perdidos e ajudamo-nos mutuamente a sair do labirinto que a vegetação criou. No final tivemos uma boleia que nos deixou no local de partida e evitámos caminhar por estrada.

Tuesday, May 15, 2007

Espanha aqui tão perto

Participei recentemente num congresso em Espanha que me deu a oportunidade de constatar, mais uma vez, as diferenças e semelhanças entre os nossos dois povos. E aqui fico com um problema porque continuo a olhar Espanha como um todo. Só que Espanha por vezes insiste em mostrar-se por partes. Nas conversas informais ficava por vezes surpreendido com a natureza de algumas questões. Há no debate político e social em Espanha coisas que só dificilmente compreendo. O facto de ser de um país com uma identidade nacional com séculos de história dificulta-me o entendimento da questão basca, catalã ou galega. E já nem falo do terrorismo, mas sim dos pequenos episódios que estes nacionalismos despertam. Ver as grandes questões reduzidas aos pequenos nadas que afectam o nosso quotidiano, é ver as grandes questões reduzidas a pormenores burlescos.

É talvez aí que nos sentimos um pouco melhor porque no resto saímos sempre a perder. Sem querer ferir o orgulho pátrio, Espanha ganha-nos aos pontos em quase tudo. É um país mais moderno, menos preso aos formalismos e muito mais prático. Há um exemplo que pela sua actualidade merece ser citado. No último concurso de acesso ao ensino superior a maioria das universidades tinha já os cursos segundo Bolonha e até ao final deverão estar a totalidade nos novos currículos. Portugal é até apontado como um bom exemplo pela Comunidade Europeia. Espanha só em 2010 pretende passar para os novos currículos. Sem pressas, está a fazer uma revisão tranquila. Como "depressa e bem, há poucos quem" não é complicado imaginar quem fará melhor esta passagem. Portugal condicionou os currículos aos novos normativos sem discutir suficientemente as vantagens e inconvenientes das diversas opções. Simplesmente cortou e colou para a nova bitola. A Espanha, ao contrário, sem pressas, prepara e discute esta oportunidade. Se Portugal é o "bom aluno" da Declaração de Bolonha, é a Espanha que aprende com ela. É a diferença paroquial de ser o primeiro em oposição à opção de estar entre os melhores. A mim não me importa que Portugal seja pequeno, só me importa que seja pequenino.

Tuesday, April 24, 2007

Portela de Leonte - Prados da Messe

No último dia 15 de Abril subi com a AAEUM aos Prados da Messe saindo de Portela de Leonte. Era a segunda actividade que organizávamos e não contava com tanta gente. É verdade que o tempo ajudou, mas a adesão também comprova o interesse que as actividades pedestres estão a despertar.

Entre os 35 caminheiros e caminheiras que responderam ao nosso convite havia diferentes experiências. Mas passo a passo o caminho fez-se. Fizemos a primeira paragem no Mourô para recuperar um pouco do esforço inicial. Há sempre quem procure forçar a marcha acima do seu ritmo e factura pode ser pesada. No trilho o grupo rapidamente se dividia em 3. E competia-me acompanhar o último, mais do que mostrar o caminho importava motivar. É o "já falta pouco" do costume. Na Freza, a paragem foi mais para deixar as pessoas admirar a paisagem sobre o Vale Teixeira. Começo a ter alguma dificuldade em nomear um local preferido na Serra do Gerês, mas recordo da sensação de deslumbramento que aquela paisagem me provocou na primeira vez. Foi alí, e um pouco mais à frente, na Lomba do Pau, os participantes começaram ter do Gerês uma ideia mais real. Ninguém pode pretender conhecê-lo sem subir à serra. O resto é só vê-lo por fora, sem o sentir. É como ler as formas das letras sem chegar a formar palavras.

As mochilas abriram-se no Conho para refeição mais completa e descansar um pouco. Fiquei um pouco a olhar as Fichinhas e a programar a caminhada de descoberta até Fafião. A ideia de descer aquele vale não me sai da cabeça. O caminho Prados da Messe foi rápido e na descida para a Costa Sabrosa decidimos fazer um desvio pelos Prados Caveiros. Em boa hora. O prado, que não conhecia, é muito bonito. O abrigo está derrubado e não há sinais de utilização há muito tempo. No livro sobre a Vilarinho das Furnas, Jorge Dias refere-se a este prado como sendo um dos prados de vacas da aldeia. Com o desaparecimento da aldeia de Vilarinho este prado poderá ter sido deixado ao abandono. Ou, sendo um dos mais afastados, o abandono poderia até ser anterior ao desaparecimento da aldeia com a diminuição do número de vacas.

Na saída deste prado, a vista que se alcança sobre a Ribeira de Monção e Mata da Albergaria justificaria só por si o pequeno desvio realizado. É preciso alguma atenção para o identificar porque as mariolas apenas se adivinham.

Subir a Costa Sabrosa é complicado mas descer não é mais fácil. Descer com sapatilhas pode ser mesmo muito complicado, como constartei em algumas das pessoas que acompanhava. Já estrada, caminhei de regresso à Portela de Lente. Foi a primeira vez que percorri a pé aquele pedaço da Mata da Albergaria. Imaginar ali um incêndio é assustador.

Mais tarde, ao descermos de Leonte para o Gerês, encontramos uma víbora no meio da estrada. Descemos do carro e ficamos a admirá-la. São muito mais pequenas do que as pessoas imaginam. Eu não gosto de cobras, mas entre a emoção de ver a minha primeira víbora em liberdade não senti qualquer medo ou repulsa. Aproveitava o calor do alcatrão no fim da tarde e não parecia interessada em sair de lá. Para evitar que algum carro a esmagasse, com a ajuda de um cajado, retiramo-la da estrada. Fechada no carro uma colega reclamava connosco. Fizemos o que deveríamos ter feito. Naquele local o seu destino seria ficar esmagada.

Friday, April 13, 2007

Pela Serra Amarela nas pegadas de Miguel Torga

percurso imaginado

À cerca de 15 dias voltei à Serra Amarela numa caminhada com o UPB para percorrer os lugares que deslumbraram Miguel Torga. Não posso garantir que o pecurso realizado seja o por ele realizado , mas passámos por alguns dos locais que refere ter visitado em 24 Julho de 1945. Esta caminhada nasceu de uma outra, que fiz com o Tiago e com o Jota. Na altura, por razões de tempo, desistimos de continuar em direcção às antenas da Louriça e ficamos do alto da Serra a olhar para os montes a imaginar a "reparação" do insucesso. Apoiados numa carta antiga procuramos imaginar uma jornada pelas antigas "vezeiras" da aldeia na Serra Amarela. A preocupação não foi "reproduzir" o que o Torga poderia ter feito. A sua motivação teria sido a notícia da existência de um fojo e teria sido essa a indicação dada ao guia que então contratou. Nós queríamos também explorar a zona, passar pelas antenas na Louriça e retornar por sítio diferente. A caminhada serviria, ainda, como teste prático de GPS.

Com o Daniel apareceu com um amigo nascido em Vilarinho que batizamos de Furna. Não habitou Vilarinho mais do que curtos períodos de férias, onde residia o seu avô, mas conhecia bem a serra. Ao longo da caminhada foi-nos contando pequenas histórias sobre factos que desconhecíamos. Uma outra aprendizagem.

A ideia original era subir da aldeia em direcção às Casarotas e fojo, visitar as antenas da Louriça e descer depois por um antigo caminho. Só que para evitar o vento de frente alteramos o sentido de marcha. Eu tinha a memória de uns prados que já não existem. As minhas recordações de um dia ali passado no final da adolescência estavam também "submergidas". Não pelas águas da albufeira, mas sim pelo avançar do mato. Os poucos terrenos de aluvião do vale da Reibeira das Furnas não são de fácil passagem. Um moinho que recordava em campo aberto estava agora rodeado de arbustos. O problema é que o nosso caminho seguia por ali.
Por sugestão do Daniel, desviamos um pouco para a esquerda e seguimos por terrenos onde o mato não cresce. Um pouco à frente a primeira supresa do dia. Junto ao trilho uns garranos olhavam-nos com uma estranha imobilidade. Como eles não se desviavam, desviámo-nos nós. Só o macho, muito nervoso, se afastou. A fêmea manteve-se estranhamente inquieta mas estática. Sem máquina para registar o momento segui. O Daniel ,que ficou para trás, descobriu depois a razão do estranho comportamento. Um pequeno potro, ainda com vestígios do cordão umbilical, que a égua queria proteger e esconder.

É a partir dos 900 metros que a serra se começa a revelar. Há naquelas paisagens uma grandeza que parece vingar a nossa geografia. São montes nús, pedregosos, de uma magestade impoluta. Ali as poucas árvores só crescem nos locais onde algum solo se formou. O resto são fragas que apenas permitem uma vegetação rasteira. Um esqueleto de um garrano afirmava a presença de lobos e no trilho existem muitos vestígios das suas fezes. .

Por sugestão do Daniel evitámos uma subida complicada para as antenas da Louriça. Junto ao muro do termo de Vilarinho há um antigo caminho florestal que parou ali. O Furna contou-nos que este caminho deveria ter seguido para a fronteira da Portela do Homem. Deveria porque não seguiu. A população de Vilarinho impediu a sua progressão. Onde julgava encontrar terrenos baldios, os Serviços Florestais encontraram terrenos registados que ainda hoje pertencem aos herdeiros dos antigos habitantes. O registo dos baldios em nome dos mais velhos da aldeia foi a forma de evitar que, em nome do progresso florestal, perdessem os pastos que asseguravam a sua existência. Essa batalha ganharam, contra o plano hidrográfico nada puderam fazer. A barragem que submergiu a aldeia de Vilarinho serve, essencialmente, de reserva de água da albufeira de Caniçada, com a qual está ligada por um túnel. A água represada no Homem destina-se ao Cávado, mas, como descobri, também armazena água transferida de Caniçada durante a noite.

Num local que as cartas assinalam como Sonhe há vestígios de uns muros que parecem ser de um estranho fojo sem cova. Os animais deveriam ser "empurrados" a precipitar-se numa queda fatal. No estradão que liga a antenas ao Lindoso avistam-se, nas encostas viradas ao Lima, os muros em V de um fojo de grandes dimensões. Seria este o que Torga procurou? Ou seria o de Vilarinho de menor dimensões? Como faz referência a "fojos" terá visitado os dois? Das antenas às Casarotas o percurso foi fácil e rápido. E é naquelas cumeadas, com a albufeira aos nossos pés, que a paisagem mais nos envolve. É como ganhar asas de águia e planar nas alturas.

As Casarotas continuam um mistério por resolver. Eu tenho para mim que serão abrigos de pastores. Possivelmente poderiam ter a dupla função de também serviram de abrigos para defesa da fronteira. Mas a hipótese de serem antigos monumento funerários é também defendida. Para abrigo dos pastores na vezeira bastaria uma ou duas cabanas e ali existem umas duas dezenas, diz quem defende a tese contrária aos abrigos de pastores. Só que também existem conjuntos do mesmo tamanho na Serra da Peneda/Soajo. As brandas de Poulo da Seida e Branda da Cova são apenas dois exemplos. Possivelmente a verdade poderá ter um pouco de todas as teses.

Descedemos depois para a Chã de Cima. Onde o Furna mostrou-nos provas de uma história pouco contada. Ali também se minerou vulfránio, mas a população escondeu a localização das minas. Durante 3 anos dedicaram-se à sua exploração às escondidas das autoridades. Ganhando alguma prosperidade que permitiu acender cigarros com notas.

Quando tudo parecia fácil demais, a última descida reservou-nos as maiores dificuldades. Depois de tentar descer para a Corga de Trás sem sucesso, voltámos ao plano inicial de descer em direcção a Vilarinho. Só que os caminhos não resistiram ao passar dos tempos e não foi fácil.
Mais uma ez, acabámos o dia em frente de um prato de sopa a trocar impressões sobre a caminhada. Numa próxima será melhor descer das Casarotas em direcção a Brufe. É uma descida fácil e evitam-se os sustos da parte final.

percurso relizado

Thursday, March 29, 2007

Aniversário do UPB

Fui celebrar o aniversário do UPB ao prado de Mouró. A ideia era subirmos em ritmo de passeio, almoçar e regressar. Só que depois de estarmos lá em cima foi complicado resistir ao apelo de continuar. E acabámos por subir até ao Borrageiro. Mas só depois de acrescentarmos uma quantas pedras à mariola UPB.

Vista do Borrageiro a Serra do Gerês é um imenso mar de pedra. Parece impossível que alguém dela possa viver. Mas durante anos muitos fizeram esse milagre. Conho, Curral da Pedra e Prados da Messe são alguns dos nomes desses milagres. Prados altos de onde retiravam sustento. Hoje as coisas são diferentes mas continua a haver algum gado pela serra.

Ao lanche encontrei o que menos gosto no Gerês. A falta de planeamento e ordenamento das povoações. O núcleo urbano das Termas do Gerês cresceu muito mal. As construções foram simplesmente plantadas na encosta. Agora falta-lhe uma unidade. A zona dos antigos hotéis era um bom começo que não quiseram terminar.

Não fiquei a conhecer a história do café onde lanchei, mas tinha sinais de alguém que procurou outros caminhos. O espaço é enorme, mesmo despropositado. No tecto umas bolas de espelhos, “muito disco”, convivem com um enorme aparador rústico. O café parece abrir mais para entretém dos donos, pouco interessa se há clientes. É o ocupar de uma reforma ganha ”lá fora” à espera dos filhos, que não regressaram ou partiram para a “cidade”.

Wednesday, March 28, 2007

Pedrada


Domingo, 4 de Março

A primeira tentativa de explorar o percurso que queremos fazer com a AAEUM foi frustrada por um forte temporal, mas resultou em preciosas indicações. No Café Central (Rouças) estivemos a falar com algumas pessoas sobre o que queremos fazer. O caminho já só existe em parte, mas há gado a subir diariamente para prados que o vai mantendo aberto.

A ideia de realizar actividades de pedestrianismo já era antiga e resolvemos iniciar com uma caminhada em zona conhecida. Queremos associar à actividade uma componente cultural. Entre caminhadas com diferentes graus de dificuldade, queremos que sirvam para a descoberta de paisagens, património e tradições.

Escolhemos a Peneda porque permitia associar uma das mais belas paisagens minhotas com um património rico em construções e tradições. Com o Trilho das Brandas (um PR) como base, procuramos soluções que o enriquecesse e tornasse mais atractivo. Sabíamos que isso lhe aumentaria o grau de dificuldade, mas a intenção era também não defraudar os que gostam de caminhar. Traçamos o percurso com o apoio de uma carta antiga e a memória de relatos de trilhos tradicionais. Queremos subir pelo trilho marcado até ao fojo e daí continuar para a Pedrada. Descer depois para a Naia e voltar por um antigo caminho que parece já não existir. As descidas são acentuadas mas parecem possíveis. Do fojo à Pedrada não será complicado e existem relatos da ligação à Pedrada desde a Naia. Faltava apenas descobrir como descer para Rouças.

Como não pudemos caminhar, subimos por um estradão junto ao miradouro de Tibo. Só mesmo o jipe do Tiago poderia subir por ali. No final devemos estar a pouco mais de 2 kms da Pedrada, mas a uma cota muito inferior. O nevoeiro não nos permite ver nada. Nas fragas a água forma cascatas impressionantes. É um espectáculo de belo e puro. Só a natureza nos aproxima da verdade.

Aproveitamos para dar uma volta pela Serra da Peneda. Almoçámos na Branda da Aveleira onde existem marcas de um trilho PR. O Tiago quis ainda passar por Castro Laboreiro, o chamamento do sangue. Num café a senhora descobriu-lhe a ascendência e despede-se com um "traga mais gente". Apesar das novas construções há qualquer coisa que ali morre por dentro. Daí o chamamento em forma de apelo.

Sábado, 10 de Março

Voltei a Rouças para reconhecer a parte do percurso que desconheço. Comecei a caminhar tarde, já depois do almoço, pelo que sinalizei a minha presença no Café Central. Assim, sabiam para onde ia e a quando devia regressar. Vou caminhar a solo, coisa que detesto fazer por razões de segurança. Já ninguém usa o regularmente o caminho que vou fazer. Hoje é mais a ideia do percurso que resiste.

O caminho começa com uma forte inclinação e piso muito mau. Um pouco à frente comecei a seguir um caminho diferente. Avancei durante algum tempo a uma cota muito inferior à pretendida. Fui enganado pela existência de um outro caminho. Corrigi a rota pelo mato. Ao longe o fojo mostra-se. Decidi avançar até às 16h30. Pouco depois do final de um estradão encontrei um pequeno prado com um conjunto de cortelhos. No topo da encosta há uma enorme mariola que me indica o caminho para cima. A inclinação é grande e o terreno é de mato queimado. Efeitos do incêndio de Agosto. Da mariola à Pedrada serão pouco mais de 2000 metros. Depois de uma segunda mariola, no Outeiro Maior, desviei-me para a minha direita de forma a reconhecer o caminho para o fojo.

Desço pelo mesmo local. A orientação é agora mais fácil. A uma cota elevada podemos ir escolhendo o caminho. Numa zona de mato fechado segui gado que descia dos pastos. Quando se apercebem da minha presença simplemente param. Ultrapassei-os a uma distância segura e segui o caminho pelo mato. Nem sempre muito claro. Cheguei ao café perto da hora estimada onde faço um pequeno lanche. Estou cheio de dúvidas sobre o trajecto a realizar amanhã mas não me apetece voltar pelo mesmo local.

Domingo, 12 de Março

O local de encontro era nos Arcos, quando nos encontramos com o resto do grupo já era um pouco tarde. No total somos 18 pessoas com ritmos muito diferentes. O Tiago foi à frente e eu fui ficando com os últimos. Até a Gorbelas as dificuldades não são grandes. Custa um pouco a aquecer mas ao ritmo de cada um todos chegamos lá cima sem grandes problemas. A subida até ao Poulo da Seida é umas das partes mais bonitas. A parte inicial assusta, só que rapidamente se percebe que é curta. A vista sobre os campos em terraços é magnífica. O Poulo da Seida em conjunto com branda junto ao Guidão, que no UPB batizámos de “Vale Encantado”, e que eu desconfio tratar-se do Curral Cova, são as brandas de gado mais bonitas que conheço.

Depois do almoço seguimos para as Lamas do Vez e Fojo. O tamanho do fojo surpreende, o esforço realizado para a sua construção impressiona. É uma medida da “luta” travada pelos povos da montanha com o predador. Justificava-se? Não sei. Prefiro não julgar a história. A todos hoje nos é dificil imaginar a vida naquelas montanhas. Se hoje aquelas povoações são ainda locais ermos, o que seriam em tempos mais remotos, sem estradas, com um clima muito mais frio, com neves que perduravam até bem tarde.

Do fojo continuamos para a Pedrada e descobrimos que existem marcas PR que nos guiam. No Natal, quando fui comer o Bolo-Rei à Pedrada, já tinha detectado uma marca mas só agora confirmo que pertencem ao PR Trilho das Brandas.

Descemos atravessando a Corga da Baja em direção ao prado que agora sei chamar-se Muranho. Perto de Rufe, que seriam os prados altos de Tibo, o grupo separa-se em dois. Uns seguem por Topete e eu sigo com os restantes até à estrada. A inclinação da parte final, e o mau piso, poderia ser muito perigosa para os que não estavam de botas.

Juntamo-nos no Café Central para retemperar as forças e voltar a Braga. No café volto a recolher informações sobre percursos alternativos. No Muranho pareceu-me ser possível seguir para Gorbelas. Seria uma forma mais simples de terminar.

Wednesday, February 21, 2007

O outro relato

Procurei nos volumes da “A criação do Mundo”, uma referência de Miguel Torga a uma jornada na Serra Amarela, também relatada nos seus Diários, que já transcrevi anteriormente. Encontrei-a no quinto volume “O sexto dia”. Transcrevo-o para completar o anterior, mas também porque reencontrei nele a confirmação em como a pedestrianismo não é apenas uma actividade física. Caminhar e descobrir os antigos caminhos, as povoações mais esquecidas, os montes e serras, também uma actividade de cultura e profundo apreço pelo nosso património, seja ele ambiental, construído e humano.

“Sim, a vida profissional corria-me agora bem, até bem demais, por se tornar absorvente. Mas não tinha saúde. E via-me obrigado a procurá-la de todos os jeitos. Fiel devoto dos métodos naturais, mal chegava o Verão, era sobretudo junto das nascentes que me perdia e achava, mais seguro ali do que nas mãos dos colegas, por meus pecados sempre agressivas. Um a um, haviam-me já tirado vários órgãos combalidos. E, a fugir de uma tal sanha operatória, que me retalhava o corpo e a alma, acabei em estagiário da maior parte das termas de Portugal.
Essas prolongadas ausências do consultório eram nocivas ao médico, que entretanto perdia clientes, mas favoreciam o poeta. No intervalo dos tratamentos corria Seca e Meca, numa aprendizagem nunca acabava da realidade pátria, que descrevera já de mil maneiras e continuava a estudar incansavelmente. Precisava cada vez mais de enraizar no húmus nativo. O que escrevia ficava insípido sempre que lhe faltava o sal da terra. Eu próprio ficava espantado, ao fim de cada descoberta, das potencialidades de sugestão criativa contidas em pormenores aparentemente insignificativos, que podiam ser o pelico dum pastor alentejano, a faixa escarlate dum campino do Ribatejo, a copa sem porte de uma figueira algarvia. O menir erguido num planalto, a pintura rupestre num abrigo, o dólmen solitário num ermo, o castro desmoronado num outeiro, a inscrição ideográfico num penedo eram recados do passado que, mesmo enigmáticos enriqueciam o espírito. Até do pão e do vinho que se comiam e bebia em cada lugar se tiravam ensinamentos preciosos. Para já não falar na experiência de certos encontros ocasionais que nos revelam muitas vezes surpreendentes meandros da alma humana, mesmo quando de momento não se lhes descortina verdadeira significação, como aconteceu com o Feixa. A águas no Gerês, tive a notícia da existência de um velho fojo numa das lombas da Serra Amarela. Disposto a conhecê-lo, dirigi-me à aldeia mais próxima, Vilarinho das Furna, à procura de um guia que me havia sido indicado, pelos modos o maior contrabandista das redondezas. Bati-lhe à porta e veio abrir um celta atarracado, loquaz, de olhos azuis e grandes bigodes loiros. Era o próprio. Contratei-o, tomou conta da mochila do farnel e metemo-nos a caminho. Depois de o ouvir discretar por sentenças sobre os mais variados assuntos, tentei conhecer pormenores da sua vida arriscada, que sabia de aventuras. Jurou a pés juntos que eu estava enganado, que me tinham informado mal, que era um patriota, que nunca atravessara a raia com o valor de uma agulha, que o Anjo da Guarda o defendesse de prejudicar num real sequer o país em que nascera.
Desconcertado, mas com a curiosidade ainda mais aguçada, recorri a todos a curiosidade ainda mais aguçada, recorri a todos os argumentos para decidir a falar. Fiz o rasgado elogio dos seus colegas de ofício e acrescentei que eu próprio me sentiria muito honrado se ele fosse um deles. Nada. Perdi o meu rico latim. O Feixa continuou a ser um cidadão exemplar.
Resolvi então ir às do cabo. E chamei-lhe cobarde, já que não tinha a coragem e a dignidade de assumir os próprios actos.
Emudeceu e não disse mais palavra todo o caminho.
Chegados ao local, examinei minuciosamente a ciclópica construção em V, que terminava num grande fosso onde as feras acabavam por cair e morrer às mãos dos batedores, admirei a tenacidade e a astúcia do homem montanhês e, como eram horas, junto de uma fonte que havia perto, sentámo-nos para almoçar.
Sempre calado, o Feixa tirou do bolso uma grande navalha de ponta e mola, abriu-a e pôs-se a cortar com ela o pão e o bife, a olhar-me de soslaio de vez em quando.
Findo o repasto, iniciámos o regresso, no mesmo silêncio pesado.
Subitamente, o meu companheiro quebrou a mudez. Sem mais preâmbulos, começou a contar. Que sim era contrabandista, que nunca tivera outro modo de vida, que fora ele que metera em Portugal todo o armamento dos monárquicos na altura das incursões do Norte, que chegava a passar para Espanha manadas inteiras de gado, que se gabava de a pregar na menina dos olhos ao mais pintado guarda fiscal. E ia-o provando de mil maneiras.
Ficámos amigos. Sempre que nos víamos era uma festa.
Alguns anos depois, seguia eu de automóvel na companhia de Jeanne pela estrada florestal da fronteira, quando o Feixa apareceu.
– Ó Feixa!
– Ó senhor doutor!
– Que anda você por aqui a fazer?
– A ver uns garranos que trago no pasto.
– Venha daí à Nevosa…
– Dessa está bem livre. O senhor já lá foi?
– Não. É a primeira vez.
– Então desista. Aquilo é uma geladeira. Morre-se de frio. E também ainda estou em jejum…
– Venha e come connosco.
Acabou por entrar no carro, subimos até aos Carris e depois fizemos a pé o resto da escalada.
No alto, abrigados no recôncavo de um penedo, sentámo-nos e a Jeanne pôs a mesa e repartiu a merenda. O Feixa tirou do bolso a sevilhana, abriu-a e ficou pensativo. Por fim, desabafou:
– Pois é verdade, senhor doutor, ávida tem que se lhe diga. Quando penso que somos tão amiguíssimos e já estive para o matar!
– A mim?! A sério?!
– A sério. Com esta navlha. Foi por um triz. Lembra-se do primeiro dia em que nos conhecemos?
– Claro.
– E recorda-se do que me chamou quando eu neguei que era contrabandista?
– Quis espicaçá-lo…
– Reparou que eu não disse mais palavra de aí em diante. É que ia a magicar: dou cabo dele ou não? À hora do almoço, assentei que sim, que o sangraria logo a seguir num sítio azado. Mas Deus teve mão em mim. Não, Feixa, pareceu-me ouvir, quando ia mesmo a perder-me. O homem só disse a verdade. És mesmo um covarde. Que outro nome merece quem se envergonha da sua condição? Cada qual é o que é e deve confessá-lo honradamente. Resolvi então contar-lhe tudo. E não me arrependi. O senhor era de confiança.
– E se não fosse?
– Voltava tudo ao princípio…Santa paciência…”
Ontem estive algum tempo a navegar por cartas antigas que me arranjaram, retratam a paisagem que Torga conheceu. Tentei imaginar que caminho teria feito para chegar ao Fojo saindo de Vilarinho da Furna. Nos próximos tempos vou tentar reconstruir esse caminho e aproveitar para conhecer um pouco melhor a Serra Amarela.