Wednesday, July 16, 2014

No topo da Rocalva

prado e Rocalva
“Se há gente que eu entenda, é aquela que gasta a existência a escalar os Himalaias do mundo. Abismos invertidos em direcção ao céu, para os amar é que é preciso ter asas de Nietzsche. Os triunfos, ali conquistam-se nas barbas de Deus.” – Miguel Torga; Diário VI, 10 de Agosto de 1952.

O prado da Rocalva é uma das maiores chãs da Serra do Gerês. A cabana e prado pertencem à vezeira de Fafião e será um dos prados com melhor enquadramento paisagístico que conheço no PNPG. Será complicado afirmar que é o mais bonito porque não é fácil comparar prados tão diferentes entre si, mas é certamente um dos mais belos. Situado nos 1200 metros, é relativamente fácil chegar a este prado e há muitos trilhos possíveis para o fazer. Pode-se chegar partindo de Fafião, da Cascata do Arado (Ermida), da Tribela (Ermida) ou da Portela de Leonte (Vilar da Veiga). No entanto todos eles são exigentes fisicamente e não há outra marcação que as velhas mariolas. Há ainda o Trilho da Vezeira, um trilho circular com início em Fafião, cuja informação se pode encontrar na site da associação Vezeira (este trilho por opção dos promotores não possui marcação internacional). Um trilho que qualquer “geresista” deve fazer e que tem na Rocalva o seu ponto mais elevado.

prado e Roca Negra

O prado fica encaixado entre dois grandes afloramentos rochosos, a Roca Negra e a Rocalva de quem tomou nome. A primeira assemelha-se a um enorme casco ungulado e a segunda é uma rocha granítica polida de enorme fotogenia, com um formato cónico, que se eleva até aos 1355 metros e domina a paisagem. É fácil adiantar uma hipótese para a origem dos topónimos. Uma será a contração de roca alva e a outra será um caso de topónimo por oposição. Apesar da altitude é um prado com bastante água e lamacento, mas a fonte da cabana esta muitas das vezes sem água.

Rocalva

Desde a primeira vez que vi a Rocalva exerceu em mim um enorme fascínio. Haveria forma de ir lá cima? O topo seria apenas para os praticantes de escalada? Em conversa com pastores e habitantes de Fafião soube que haveria forma de a subir. Percebi até que a rocha tinha até uma espécie de função iniciática entre os jovens pastores. Um pastor disse-me que em jovem se entretinha a ver quem a subia e descia em menos tempo, mas que agora já “não teria idade para isso”. Deu-me ainda algumas indicações sobre onde procurar o local de subida.

Em pelo menos uma das minhas caminhadas pela zona vi um vulto no topo e fui tendo notícias de montanhistas que a escalavam. Só que as palavras do pastor acalmaram a minha curiosidade. Até porque a escalada nunca me exerceu grande fascínio. Assim, apesar de partilhar a admiração de Torga pela gente que "gasta a existência a escalar os Himalaias do mundo", esqueci a vontade de a subir até à semana passada. Até receber um convite para ir até ao topo da Rocalva e com a promessa de ajudas (cordas).

a cabana vista do topo

Foi assim que, sem me crescerem “as asas de Nietzsche”, me vi no topo da Rocalva com a preciosa ajuda dos companheiros de caminhada. E valeu a pena. A vista desde o alto é fabulosa.

O trilho que fizemos até ao prado foi, curiosamente, o primeiro que fiz até à Rocalva. Seguindo pelas cabanas Vezeira da Ribeira desde a Cascata do Arado. No início da Giesteira derivámos à direita por um pequeno trilho que nos leva à cabana da Corriscada, cabana do Arrocela e desta seguimos até à Rocalva pelo curral do Cando. No regresso descemos ao vale do Conho pelo sopé do Cutelo de Pias. Um dia excelente que teve ainda um banhito fresquinho no poço azul e o avistamento de dois corços.

o grupo que subiu à Rocalva

A citação do Torga é para homenagear os amigos que me levaram ao topo. O triunfo é deles. Eu fui apenas uma testemunha.