Thursday, December 15, 2005

Viagem


Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).

Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar."

Miguel Torga - 1962

Ladainha dos póstumos Natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

David Mourão-Ferreira, in "Cancioneiro de Natal"

Aniversário

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
...
Álvaro Campos - Aniversário


No meu aniversário em lembrança de todos os que me fazem falta.

Marretas

Wednesday, December 14, 2005

Lições do passado

"A história é émula do tempo, repositório dos factos, testemunha do passado, exemplo do presente, advertência do futuro"
Miguel Cervantes - "Dom Quixote"

Frequentar um curso de história sobre a minha cidade foi uma das melhores decisões que tomei nos últimos tempos. Já reaprendi e reformulei muitas ideias que tinha por seguras. O mais engraçado é verificar as origens mais recônditas de muito dos problemas do presente. Portugal não conhece a sua história. No ensino, se exceptuarmos os períodos da Fundação e Descobrimentos, quase todo foi história universal. Como querem que haja cidadania se não nos conhecemos.

Tuesday, December 13, 2005

Debates

Ontem acompanhei parte do debate Manuel Alegre-Francisco Louçã, mais uma vez foi um debate sem grande interesse. Confesso que tenho alguma simpatia pelo candidato Manuel Alegre, não que vá votar nele mas há qualquer coisa de insegurança, de contraditório que o torna real. Falta-lhe, no entanto, a consistência de grande estadista. Pelo contrário, no Francisco Louçã, como no seu oposto Paulo Portas, há um evidente prazer pela retórica que me faz desconfiar da convicção das suas teses. Nas suas respostas há sempre sinais de deslumbramento pelo argumento, de cálculo e prazer pela forma da resposta. O seu ar de superioridade moral irrita-me. Aparece-me um seminarista que quer ser padre porque gosta dos rituais da igreja mas que nunca se interrogou sobre a sua fé.

Friday, December 09, 2005

A ideia de um mito











Viam a luz nas palhas de um curral,
Criavam-se na serra a guardar gado.
À rabiça do arado,
A perseguir a sombra nas lavras,
aprendiam a ler
O alfabeto do suor honrado.
Até que se cansavam
De tudo o que sabiam,
E, gratos, recebiam
Sete palmos de paz num cemitério
E visitas e flores no dia de finados.
Mas, de repente, um muro de cimento
Interrompeu o canto
De um rio que corria
Nos ouvidos de todos.
E um Letes de silêncio represado
Cobre de esquecimento
Esse mundo sagrado
Onde a vida era um rito demorado
E a morte um segundo nascimento.

Miguel Torga, Requiem
Barragem de Vilarinho da Furna, em 18 de Julho de 1976


A história é uma ciência extremamente ideológica. Isto pode parecer uma heresia, mas cada vez mais acredito neste facto. Ideológica, não no sentido de teses políticas mas sim na concepção e defesa de uma ideia.

Os jornais de hoje, em notícia da festa religiosa da sua padroeira, agora situada em S. João do Campo, voltam a contar a história de Vilarinho da Furna como a Aldeia Mártir do desenvolvimento. A ideia romântica que se tratou de de uma luta entre duas sociedades, entre o comunitarismo e a sociedade de consumo, nunca se apagará.

A aldeia , amostra de um passado pré-romano, representante de uma cultura castreja em Portugal, e, nas profundidades do tempo, da cultura dos povos pastores e ganadeiros indo-europeus, que graças ao isolamento dos grandes centros e, mais que tudo, ao condicionalismo geográfico que favorecia o pastoreio, subsistiu até ao seu abandono como organização comunitária e tornou-se um mito. Um mito de uma «espécie de estado independente com governo e legislação próprios» sob o regime de «democracia representativa», sem propriedade individual e, por consequência, sem classes, com uma alma introvertida de clã solidário e um conceito de vida assente na moral fraterna.

Estou certo que o «estado independente» de Vilarinho da Furna não resistiria ao progresso e à mudança. É irónico que a albufeira que a submergiu e condenou lhe tenha dado uma posteridade que possivelmente nunca gozaria de outra forma. Tal como o túmulo do soldado desconhecido, Vilarinho da Furna descansa como um símbolo.

A ideia de uma aldeia sem propriedade individual não tem qualquer fundamento, já que na realidade não era a propriedade que era comum mas sim o trabalho. E a sociedade representativa era na realidade muito autocrática com normas herdadas do direito romano que hoje já ninguém aceitaria. Só que permanece a ideia. Uma ideia que lhe suavizou os contornos e a glorificou como mártir em que parte de mim gostava de poder acreditar.

Tuesday, November 29, 2005

O Livro




A todos, nas suas diversas formas, já nos foi feita a pergunta sobre o livro, o filme, etc., da nossa vida. Eu confesso que nunca sei responder. Como escolher um entre tantos? É complicado. Recentemente escutei uma resposta que me fez pensar um pouco. Não se trata de nomear o melhor, dizia, mas sim nomear aquele que mais nos marcou. Aquele que marca uma fronteira entre qualquer coisa. Só que como estamos sempre entre duas coisas, é normal que também as marcas dessa passagem mudem. Que fronteira é a mais importante? A primeira? A última? Não sei responder. A única resposta possível é que são muitas as respostas. E a que damos é sempre a do momento. Momento que pode ser mais ou menos longo, mas é sempre isso. Um momento.

Tanta coisa para quê? Para dizer faz uns meses me reencontrei com um desses livros. Os contos de Miguel Torga “Bichos”. Já não me recordo se o li primeiro, ou depois, dos “Contos da Montanha” e dos “Novos Contos da Montanha”. Não me recordo se cheguei a ele por um acaso, ou se pela pista das leituras obrigatórias, mas guardei-o na memória. Há qualquer coisa no autor com a qual me identifico sem que a consiga perceber correctamente. Uma comunhão de interesses, uma nostalgia de tempos mais simples, algo mais, não sei? Talvez uma comunhão espacial, em tempos diferentes, porque partilho com ele a alegria de percorrer o Gerês.

Há nos seus livros qualquer coisa de menos que os engrandece. Histórias simples de um país que já não existe. Pequenas histórias do dia-a-dia de gente pequena. Depois, há os livros editados daquela forma simples. Capas banais, sem gravuras e impressas em velhas tipografias. A beleza dos seus livros é serem simples. Livros que valem pelas palavras que as suas letras formam.

Adoro abrir os cadernos com a ajuda de uma faca. O que para muitos é uma chatice, a mim aumenta-me o prazer táctil da leitura. É a certeza que aquele livro é meu. Saber que aquelas letras são pela primeira vez minhas. É um prazer egoísta? Seja, mas no prazer não devemos ser todos um pouco egoístas?

O livro que tenho hoje, comprei-o numa feira, com mais uma série de outros livros do mesmo autor. De “Bichos” comprei mais do que um exemplar para também oferecer. Sei que os contos são considerados literatura menor, mas eu também não tenho paciência para muita da dita maior. E depois há um conto em especial. Um conto que me fez compreender porque gosto de gatos e porque não gosto de algumas pessoas que gostam de gatos. Um conto em que me revejo no que fiz e no que não fiz.

Monday, November 21, 2005

O país esquecido

foto tirada no concelho de Terras de Bouro numa aldeia perto de Brufe
Sair das cidades, entrar nas estradas perdidas, que parecem terem sido abertas para trazer e não para levar, é encontrar um país esquecido. Um país que anda a outra velocidade e se vai despovoando ano após ano. Um país rural sem agricultura porque esta apenas serve primeiro de complemento a outras profissões e depois como ocupação de reformados. É este país esquecido que estamos a perder e que a apenas se torna notícia nos incêndios de Verão. É este país que temos de descobrir.

Thursday, October 20, 2005

Lá em cima


"A vida não me larga
o mundo não me foge
a estrada é grande e larga
e eu levo o albornoz
Caminho à luz do dia
por campos e montanhas
e bebo a água fria
e a sede não me apanha
E o céu ali é lindo
azul, e eu não resisto
ao céu, ao céu profundo
distante,
e eu insisto
Amanhã
Amanhã
Amanhã
Amanhã"

Amanhã - Os dias da Madre de Deus / Madre de Deus

Wednesday, October 19, 2005

Precisamos de acreditar

Não sei se é do tempo, as primeiras chuvas sempre tiveram em mim este efeito de tristeza, ou se é por outras razões, mas sinto-me invadido por um sentimento de vazio e tristeza. Ontem suspeitei que poderia ser febre, mas sei que não é. Sinto um cansaço, e uma certa mágoa, para o qual não consigo encontrar uma razão.

Estarei a ser contagiado pelo pessimismo dominante? É que nunca Portugal foi tanto um país de fado, parecemos todos contagiados por um sentimento de resignação. Não sei como mas precisamos de encontrar optimismo. Precisamos de nos oferecer optimismo. Precisamos de encontrar uma razão para acreditar. É que, como alguém escreveu, “o pessimismo, depois de se acostumar a ele, é tão agradável quanto o optimismo”.

Tuesday, October 11, 2005

Eu perdi em Felgueiras

No dia nove perdi e ganhei.

As vitórias são saborosas e foram algumas. No Porto a política foi reforçada na guerra de pressões com o futebol. Em Amarante a face mais negra do populismo foi derrotada. Em Sintra a oligarquia não venceu.

As derrotas foram amargas e mais pesadas. Perdi em Oeiras e Gondomar uma hipótese de regeneração da partidocracia mas essencialmente perdi em Felgueiras. A eleição de Fátima Felgueiras é uma sombra sobre a democracia portuguesa. Sempre ouvi dizer que os autarcas eram os "homens bons", expressão que julgo ter origem no municipalismo. Dificilmente poderia encontrar um exemplo tão contrário ao espírito desses "homens bons". O discurso de vitória foi uma coisa penosa de ouvir. Um insulto a quem quer continuar acreditar. É por isso que digo: eu perdi em Felgueiras.

Friday, October 07, 2005

Trabalho, glória e esgotamento

Recentemente cumpri um dos meus rituais anuais, ajudar a vindima de um familiar. Nasci e cresci numa quinta dentro de uma cidade da qual apenas resta uma sombra. Entre vias e prédios, não resistiu ao betão. Até aos 7/8 anos assisti às rotinas agrícolas realizadas a pouco mais de 5 minutos do centro da cidade. Exceptuando as recordações de subir às árvores de fruto para os saborear, dos animais de capoeira e dos muitos gatos que passeavam pela casa, não me restam muitas mais recordações dessa apenas aparente ruralidade.

O Miguel Torga glorificava o trabalho agrícola. De certa forma, considerava que era o único que enobreciam e desprezava os trabalhos de urbanos. Naturalmente não compartilho estes exageros literários, mas admiro-o tanto quanto ele. Quase tanto como ele.

Fiz praticamente toda a vindima ao lado de uma senhora com mais de 70 anos, que subiu e desceu a escadas continuamente, com uma resistência impressionante, mesmo que num ritmo mais lento que o nosso. Reconheci naquela senhora as heroínas de Miguel Torga. Gente anónima que se arrebentava em suor honesto.

Os tempos são outros. É bom saber que o país mudou e esses heróis e heroínas já não têm que se arrebentar nessa "glória". É bom saber que o nosso estado social, apesar das limitações, já lhes dá outras garantias. Na verdade, o esforço daquela senhora pareceu-me mais uma afirmação de ainda ser capaz fazer aquela vindima. O seu filho é o homem de confiança do meu tio e há entre eles laços mais fortes que os familiares.

Eu limitei-me terminar o dia esgotado mas não necessariamente mais nobre. Até porque fiz mais pausas das que gostava de admitir.

Tuesday, October 04, 2005

Não é preguiça é outra coisa

Por vezes falta-me assunto, outras vezes falta-me tempo. Tenho 2 ou 3 "posts" que quero publicar. Coisas sobre as quais quero escrever, tenho-os até mentalmente escritos mas ainda não tive os momentos de tranquilidade para os escrever.

Vou tentar aproveitar o feriado para escrever pelo menos um deles. Agora vi só deixar um link novo.

Thursday, September 29, 2005

Delicioso

Há qualquer coisa na infância que não sabemos definir que a torna quase mágica. E não são apenas as recordações de tempos felizes, porque mesmo nas crianças com infâncias infelizes essa magia está lá.

Não sei o que seja, mas também não sobre isso que quero escrever. A pedido de uma das responsáveis visitei o blog Netescrita( http://www.netescrita.blogspot.com/ ). São pequenos textos de miúdos e menos míudos. Coisas simples de um projecto bonito em defesa da língua e da leitura. Encontrei lá esta pérola:

"Quando estou a ler uns livros parece que estou a comer chocolate ou a lamber um gelado.(Pedro, E.B. 1 da Sé, Braga)"

Não é mágico? Onde é que perdemos esta simplicidade de dizer coisas grandes?

São Rosas, Senhor. São Rosas!

São Rosa Senhor, São Rosas!

De acordo com a fé de cada um, estas palavras estarão ligadas a um milagre de uma rainha. E, aparentemente, as sondagens eleitorais são isso mesmo “de acordo com a fé de cada um”. Vem isto a propósito da publicação nos dois jornais da cidade, em dias seguidos, numa estratégia de antecipação ou resposta, de duas sondagens sobre as próximas eleições locais com resultados diametralmente opostos. Em que cada uma delas parece reflectir os posicionamentos editoriais desses jornais, ainda que num dos casos o posicionamento seja mais evidente.

Fico com mesma a sensação de desconforto, de desconfiança metódica e avisada, que tenho relativamente às avaliações que correspondem ao resultado esperado.

Só que as sondagens, sendo realizados com bases científicas, ainda que sujeitos a um erro conhecido, deveriam ser de confiança. A sua credibilidade deveria ser absoluta. Pois, como nos ensina a fábula do Pedro e o lobo, a perda de confiança pode ter graves consequências.

De quem é a culpa? Naturalmente que as empresas de sondagens serão as maiores culpadas. Particularmente daquelas que gostam de ter na cama a mulher e a amante. O rigor, a ética, devia impedir que empresas de sondagens fizessem também serviços sócio-políticos como posicionamento de imagem de partidos e líderes, perfil de eleitores, motivações, estudos sobre gestão autárquica ou mais grave publicidade partidária em vésperas de eleições, entre outras coisas.

Infelizmente isso nem sempre é verdade. Há quem reserve o rigor científico para as grandes sondagens, as que podem dar uma capa de respeitabilidade à empresa. No restante, aceitam-se encomendas de estudos à medida, naturalmente sustentados em informação correctamente coligida. Só como todos já aprendemos as respostas que obtemos dependem das perguntas que fazemos e onde as fazemos.

Depois temos ainda os critérios editoriais que aceitam estas estratégias e dão cobertura à sua divulgação.

Thursday, September 22, 2005

O juízo da juíza

Há acontecimentos que apenas parecem servir para nos provar que está tudo doido. O jornal "Público" descreve assim parte do episódio Fátima Felguiras:

"No requerimento, o advogado de Fátima Felgueiras pedia que fosse revogada a prisão preventiva, uma vez que não se verifica já o perigo de perturbação da investigação (está concluída), de continuação da prática dos crimes que lhe são imputados (não volta à câmara neste mandato), nem o perigo de fuga, uma vez que voluntariamente se apresentou à justiça para ser julgada. Esta tese foi contrariada pelo Ministério Público, entendendo que se mantém o perigo de fuga, que terá mesmo sido confirmado pelo comportamento da autarca, pelo que pedia a manutenção da prisão preventiva. Diferente, no entanto, foi a avaliação da juíza, que optou por libertar Fátima Felgueiras, impondo-lhe tão-somente a obrigatoriedade de não se ausentar do país, a par da reformulação do termo de identidade e residência."

Não há perigo de fuga? Para que serve a obrigatoriedade de não se ausentar do país de alguém que já fugiu antes? Quem tem medo do que esta senhora poderá contar? A juíza tem juízo?E quem julga o juízo da juíza.

Sra. Dona Fátima

O país está incrédulo. Para os não iniciados nesta magia negra em que aos poucos a justiça se está a transformar, é difícil assistir a mais este episódio da novela Fátima Felgueiras e continuar a acreditar nos tribunais.

Será que aquela senhora que com tiques de Evita se assumiu como candidata a um município português não é a mesma que fugiu para o Brasil? Não é a mesma que fazia conferências de imprensa do Rio de Janeiro, com o bronzeado das praias de Copacabana, dizendo-se vítima de um sistema que a avisou a tempo de evitar a prisão? Não é mesma em nome da qual se espancou dirigentes partidários? Não é a mesma sobre a qual recaem graves acusações?

Felgueiras não fica muito longe de Fonte Arcada, onde terá começado a Revolta da Maria da Fonte. E talvez Fátima Felgueiras sonhe poder reeditar esse levantamento popular. E não está muito enganada na génese da revolta. A "Maria da Fonte", apesar de cantada por uma certa esquerda, foi um revolta ultraconservadora despoletada contra a retirada dos mortos das igrejas, foi essencialmente a revolta de um país paroquial contra a modernidade. Foi uma revolta contra as reformas.

Se podemos reclamar do sistema de justiça que permite este espectáculo triste. Se podemos reclamar de um sistema político que permite que estas candidaturas. Devemos reclamar do país que somos, do país que elege estes "caudilhos".

O país que ontem recusou entender uma medida de higiene pública, é o mesmo que hoje continua a desconfiar do estado. É o mesmo país que continua a entender as fugas aos impostos. É o mesmo país que aplaude o infractor porque é o mais "esperto", e penaliza o cumpridor responsável.

É porque ainda há em nós um pouco da "Maria da Fonte" que existem Fátimas Felgueiras. É complicado respeitar um Estado que não se dá ao respeito. Desejo é que, desta vez, saibamos ver quem é "falso à nação".

Thursday, September 15, 2005

Glória

O dia já recompensou. Sinto-me um "defensor dos pobres e oprimidos". Há em mim algo do espírito da "Maria da Fonte", uma revolta contra a ordem e os seus símbolos.

Acabo de desalojar uma viatura da GNR-BT do meu lugar de estacionamento. Foi bonito, quase triunfal ver a aquela viatura branca e temida a libertar o meu espaço. Apesar da forma rápida e correcta como os agentes acederam ao meu pedido sinto-me vingado.

Tirando duas multas de estacionamento, não me recordo de ter mais incidentes com a autoridade. É certo que aguardo saber se uma recente desatenção na A1 foi, ou não foi, registada, mas eu, e o meu orçamento, desejo que não tenha sido. De resto é uma vida sem mais registo de infracções, porque das normais pequenas maldades de crescer não foi feito registo.

Recordo-me apenas de uma tarde de treinos na rampa da Falperra. Uma tarde onde por estar no local errado na hora errada, foi ajudado a descer um muro a cacete. Sem mais marcas do que a registada dolorosamente nas minhas costas durante uma semana.

Marca que desapareceu sem deixar raiva por quem tenho respeito. E que hoje compreendeu a minha máscara de quase triunfo, e que também sorria quando indicava ao colega a necessidade de retirar a viatura.

"De pé vítimas da fome... "

Monday, September 12, 2005

Caminhar e descobrir

Ontem caminhei cerca de 22 km nas Terras do Barroso, percorridos em trilhos antigos que uniam as aldeias antes do alcatrão ter rasgado vias mais recentes. Seis horas a caminhar entre aldeias em pré-abandono como demonstram os edifícios escolares com os invariáveis sinais de inactividade. Seis horas a percorrer ritmos muito diferentes dos citadinos.

Percebi nas pessoas com quem cruzamos uma satisfação por ver “gente de fora” nos seus montes, mas também uma incompreensão pelo “ócio”, natural em quem não tem descansos semanais nas suas rotinas agrícolas.

No final do caminho um senhor com uns 60 anos perguntou-nos por onde tinhamos andado e se tinhamos gostado das paisagens. “Conheço isso tudo” - e acrescentou coisas que sabe só eles conhecerem marcando a diferença. Perguntou também de onde eramos, “Conheço” - e listou as cidades que conhecia. “A primeira vez que saí foi para fazer a tropa no Algarve. Se me tivessem colocado em Chaves tinha fugido, assim tive 6 meses sem vir a casa. Só quando me mudaram (de quartel) pude vir de licença.” Riu-se quando lhe perguntamos quanto tempo demorava a vir do Algarve - “Dois dias e a maior licença que tinha eram dois dias”.

Talvez não saiba, mas aquele senhor orgulhoso dos seus montes e caminhos fechou o dia com uma lição sobre o país que somos. Um país pequeno que se perdeu no mundo com sonhos de impérios esquecendo-se de se cuidar. Uma história que talvez justifique o país que agora se dilui.

Friday, September 09, 2005

A floresta

Muita se tem dito dos incêndios e sobre as suas causas. Acredito que não há apenas uma causa mas sim muitas e diversas. Portugal não tem gerido com inteligência a floresta e não é de agora. A história da florestação em Portugal foi, e é, um equívoco. Ouvi dizer que estão a gravar o "Quando os Lobos Uivam" para a televisão, eram bom que pudessem compreender e verificar os erros de ontem para os tentarmos corrigir.

Fim de Semana

A semana está a acabar e não deixa saudades. Não tive tempo para nada, apesar de sentir algum conforto por verificar que muitas coisas se aproximam da conclusão. Voltei a adiar muita coisa. Domingo vou fazer uma caminhada com a mesma companhia da anterior. São gente divertida, caminheiros experientes e organizados. Andam muito mais que eu, mas é uma boa forma de ganhar ritmo e começar a fazer coisas mais complicadas. No Domingo passado subi ao ponto mais alto do Alto-Minho. A subida não custou muito porque no grupo havia que fizesse o ritmo baixar, mas ao ver o gráfico percebi melhor a dificuldade de algumas partes do caminho. Sair um bocado da estrada é descobrir paisagens que nos espantam. Só conhecemos os vales e mesmo assim junto às estradas. Percorrer as paisagens ao ritmo dos nossos passos é a melhor forma de conhecer e ajuda-nos a conhecermo-nos. Caminhar liberta-nos para dentro de nós.

Wednesday, August 31, 2005

Soares II - O laico

O Soares apresentou-se como candidato. Nas primeiras eleições apresentou-se um Republicano, Laico e Socialista. Um anacronismo sem sentido mas calculado .
Se os amigos de ontem recusam-lhe apoio em nome dos ideais republicanos, se o bobo do regime o apoio e entroniza como rainha-mãe, se ser socialista é apenas ter um cartão de militante do PS, fica o quê?
O laico. Pelos memos até Maria Barroso o converter aos valores místicos e pios.
A verdade é que já Marx dizia: 'A História repete-se sempre duas vezes, a 1ª como tragédia a 2ª como farsa’. E dizem que era socialista apesar de não ter cartão de militante do PS. Ou será que era o Groucho?

Resignação

É preciso enterrar el-rei Sebastião
é preciso dizer a toda a gente
que o Desejado já não pode vir.
É preciso quebrar na ideia e na canção
a guitarra fantástica e doente
que alguém trouxe de Alcácer Quibir.

Eu digo que está morto.
Deixai em paz el-rei Sedastião
deixai-o no desastre e na loucura.
Sem precisarmos de sair do porto
temos aqui a mão
a terra da aventura.

Vós que trazeis por dentro
de cada gesto
uma cansada humilhação
deixai falar na vossa voz a voz do vento
cantai em tom de grito e de protesto
matai dentro de vós el-rei Sebastião.

Quem vai tocar a rebate
os sinos de Portugal?
Poeta: é tempo de um punhal
por dentro da canção.
Que é preciso bater em quem nos bate
é preciso enterrar el-rei Sebastião.

Manuel Alegre - Abaixo el-rei Sebastião

O político não ouviu o poeta. Renunciou a matar el-rei Sebastião num discurso com “um punhal por dentro”. Enunciou para concluir o contrário mas ninguém esperava outra coisa. Só poucos ainda acreditam em sibilinas mensagens no discurso.
Confesso que até tenho alguma simpatia pelo Manuel Alegre. É um político cheio de contradições, mas não é insosso. É real. Ou melhor, é republicano.
Só que ontem fez o meu país mais pequenino porque como ele mesmo escreveu: “um país tem o tamanho dos seus homens e o meu país tem o teu tamanho e nada mais.”

Tuesday, August 30, 2005

Finalmente um reforço

Já começava a duvidar. No meio de tantas promessas, de tanta novela, o meu Benfica lá conseguiu um dos reforços prometidos. No meio de tudo isto um sinal positivo: conseguiram contratar um jogador antes de ele aparecer nas primeiras páginas dos jornais desportivos.
Na universidade, numa picardia entre cursos, disse uma vez a uma amiga que os jornalistas desempenhavam a mesma função social dos divulgadores de boatos, eram uma espécie de porteiras com estudos. Guardei a expressão que utilizei mais algumas vezes como arma de arremesso. Guardei-a porque gostei da imagem, da sua piada, não por acreditar nela. Confesso que a gostava de usar. Era uma imagem forte e até ofensiva, razão pela qual apenas a usava com pessoas amigas e como brincadeira.
Apesar de ler, e ocasionalmente comprar, jornais desportivos, acredito que podemos aplicar esta expressão ao jornalismo desportivo. É um subgénero que vive da trica e do boato, que desqualifica os seus autores. Imagino até que pelos seus pares sejam categorizados apenas um pouco acima dos cronistas sociais. Imagino que um jornalista "à séria", que tenha passado pelos desportivos, esconda essa mancha. Se questionado por esse período preferirá dizer que teve uns problemas e andou uns anos por umas clínicas estrangeiras, ou que andou a percorrer o mundo com uma mochila. Tudo menos a vergonha de ter tratado sobre quem bebia taças de champanhe, comia fruta mas preferia café com leite.

Monday, August 29, 2005

A recordar

O Público de ontem, na última página, a propósito das iniciativas de um restaurante de Braga, trazia uma notícia sobre os recordes Guinness. Dei por mim a pensar como seria interessante fazer um estudo sobre estes recordes em Portugal. Verificar quantos e que tipo de recordes estão, ou foram registados, podia dar um retrato do Portugal de hoje. Naturalmente que existem muitos tipos de recordes, mas gostava de os separar em dois tipos básicos: recordes que resultam de iniciativas que visam determinado recorde e os outros. Parece-me elementar separar recordes como: a maior taxa de produção, a menor taxa de analfabetismo, a maior taxa de literacia, etc; de recordes como: o da maior francesinha, o maior número de Pais Natais, etc.
Não sei se esta apetência pelo Guinness World Records representa uma certa cultura pimba, sei é que não é exclusivo de iniciativas indivuduais. É que desde a oficial feijoada da Ponte Vasco da Gama, o próprio estado se tornou promotor desta glória efémera.
A verdade é que uma das obras mais importantes da Engenharia Civil do final do século passado, bandeira de uma das mais caras iniciativas de obras públicas. Intimamente ligada EXPO 98, foi inaugurada por um destes (des)prestigiantes recordes. Haja Portugal.

Friday, August 26, 2005

O conflito vital

Há uns anos li alguns textos de Ortega Y Gasset que por diversas vezes voltei a procurar sem sucesso, embora sem muita dedicação. Hoje num golpe de sorte deparei-me com esses textos, ou pelo menos parte deles. Não fossem tão longos e estarem em espanhol apetecia-me enviá-los para alguns conhecidos.

"El hecho más elemental de la vida humana es que unos hombres mueren y otros nacen —que las vidas se suceden—. Toda vida humana, por su esencia misma, está encajada entre otras vidas anteriores y otras posteriores —viene de una vida y va a otra subsecuente—. Pues bien, en ese hecho, el más elemental, fundo la necesidad ineludible de los cambios en la estructura del mundo. Un automático mecanismo trae irremisiblemente consigo que en una cierta unidad de tiempo la figura del drama vital cambia, como en esos teatros de obras breves en que cada hora se da un drama o comedia diferente. No hace falta suponer que los actores son distintos: los mismos actores tienen que representar argumentos diferentes. No está dicho, sin más ni más, que el joven de hoy —esto es, su alma y su cuerpo— es distinto del de ayer; pero es irremediable que su vida es de armazón diferente que la de ayer.

Ahora bien, esto no es sino hallar la razón y el período de los cambios históricos en el hecho anejo esencialmente a la vida humana de que ésta tiene siempre una edad. La vida es tiempo —como ya nos hizo ver Dilthey y hoy nos reitera Heidegger, y no tiempo cósmico imaginario y porque imaginario infinito, sino tiempo limitado, tiempo que se acaba, que es el verdadero tiempo, el tiempo irreparable—. Por eso el hombre tiene edad. La edad es estar el hombre siempre en un cierto trozo de su escaso tiempo —es ser comienzo del tiempo vital, ser ascensión hacia su mitad, ser centro de él, ser hacia su término— o, como suele decirse, ser niño, joven, maduro o anciano.

Pero esto significa que toda actualidad histórica, todo "hoy" envuelve en rigor tres tiempos distintos, tres "hoy" diferentes o, dicho de otra manera, que el presente es rico de tres grandes dimensiones vitales, las cuales conviven alojadas en él, quieran o no, trabadas unas con otras y, por fuerza, al ser diferentes, en esencial hostilidad. "Hoy" es para uno veinte años, para otros, cuarenta, para otros, sesenta; y eso, que siendo tres modos de vida tan distintos tengan que ser el mismo "hoy", declara sobradamente el dinámico dramatismo, el conflicto y colisión que constituye el fondo de la materia histórica, de toda convivencia actual. Y a la luz de esta advertencia se ve el equívoco oculto en la aparente claridad de una fecha. 1933 parece un tiempo único, pero en 1933 vive un muchacho, un hombre maduro y un anciano, y esa cifra se triplica en tres significados diferentes y, a la vez, abarca los tres: es la unidad en un tiempo histórico de tres edades distintas. Todos somos contemporáneos, vivimos en el mismo tiempo y atmósfera —en el mismo mundo—, pero contribuimos a formarlos de modo diferente. Sólo se coincide con los coetáneos. Los contemporáneos no son coetáneos: urge distinguir en historia entre coetaneidad y contemporaneidad. Alojados en un mismo tiempo externo y cronológico, conviven tres tiempos vitales distintos. Esto es lo que suelo llamar el anacronismo esencial de la historia. Merced a ese desequilibrio interior se mueve, cambia, rueda, fluye. Si todos los contemporáneos fuésemos coetáneos, la historia se detendría anquilosada, petrefacta, en un gesto definitivo, sin posibilidad de innovación radical ninguna."

Foto com vista para a eternidade


"Há sítios do mundo que são como certas existências humanas: tudo se conjuga para que nada falte à sua grandeza humana. Este Gerês é um deles"
( Miguel Torga, Diário VII)

Recuperar

Resolvi recuperar os posts da anterior tentativa. Sempre me atenua um pouco a sensação de perda.

Não é preguiça

O parto do segundo "post" está a ser complicado. Não é por preguiça, é um misto de falta de tempo com um não saber o que escrever. Ou melhor, sobre o que escrever. Isto não pretende ser um diário, mas gostava de escrever sobre coisas que me afectassem. A neutralidade sempre foi uma coisa que me chateou. Como todos não gosto de conflitos, mas nunca suportei não fazer opções.


Frente a frente

Nada podeis contra o amor,
Contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.

Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis- e é tão pouco!

Eugénio de Andrade

Acordei com a notícia da sua morte. Mais tarde recebi este seu poema por e-mail. Não sou um leitor da sua obra, conheço-a apenas. Na verdade, nem sou um leitor de poesia. Gosto apenas de, ocasionalmente, folhear livros e deter-me em poemas ao acaso. Alguém me disse uma vez:" Não se lê um livro de poesia. Abrem-se e folheiam-se. Ler de empreitada destrói o gosto de o sentir." Até pode ser uma grande asneira mas no momento, como ainda hoje, fez tudo o sentido. Tenho naturalmente os meus autores favoritos. Escolhidos mais por razões emocionais do que pelo valor da sua obra. Aliás, como a maioria faço muitas das minhas opções por impulsos que não sei explicar. Normalmente não me dou mal, mas nem sempre possuo a coragem para os seguir. Sei que possivelmente alguém me saberia explicar porque faço essas opções. Para algumas delas, mais tarde descubro uma razão. Só não gosto de ter que a descobrir. Procurar a causa das coisas é normalmente sinal de problemas. Não se procura a razão da felicidade e da alegria. Procura-se a razão da infelicidade e da tristeza.

Perdi um blog

Confiar na memória pode ser perigoso como acabo de descobrir. Hoje é-nos solicitado a utilização de um sem número de pares de "Login's" e "Password's", um número bem acima da nossa capacidade de memorização. Solução? Cada um de nós acaba por encontrar uma. Mas nenhuma delas nos liberta desta ditadura de códigos de segurança. A verdade é que por ter esquecido esse "santo e senha", que me dava acesso à minha primeira tentativa nos blogs, não consigo entrar no meu anterior blog. Se não perdi muitos posts, perdi qualquer coisa que não sei descrever.