Friday, December 29, 2006

A esposa do Delfim

A propósito da esposa do Delfim (ver post anterior). Em 8 de Agosto de 1950, numa das suas estadias no Gerês, Miguel Torga regista uma cantiga que escutou a uma Minhota: “Da minha saia amarela / Fiz as calças do meu home / Com a alegria das calças / Há três dias que não come…” E comenta: “O matriarcado minhoto provado de A mais B. Em Trás-os-Montes, se uma mulher se atrevesse a cantar uma destas, caía redonda no chão, esfaqueada.”

Tuesday, December 26, 2006

Natal UPB

Fui, com o UPB, comer Bolo-rei ao Alto da Pedrada, o ponto mais alto do Alto Minho. O que é uma boa sucessão de altos para descrever a caminhada. O Alto da Pedrada (1416 metros), na Serra da Peneda, a quem outros preferem chamar Serra do Soajo, é um dos pontos mais elevados do PNPG. É um pico despido de vegetação, de fácil acesso, a que qualquer praticante de pedestrianismo acede sem muitas dificuldades. A vista que se observa do topo é, em “upbês” soberba e vale o esforço da subida. Lamentavelmente, em Agosto passado, a zona sofreu um fogo florestal e em certas zonas já não é tão agradável caminhar. A caminhada tinha ainda dois atractivos suplementares: celebrar condignamente o Natal com Bolo-rei e Porto num dos locais mais altos do PNPG e ser a 100ª caminhada do UPB.

A manhã estava fria, como testemunhava o gelo na estrada, que ainda me convidou a uma dança atrevida, e fui dos últimos a chegar à Travanca. Comecei a subida com um grupo mais pequeno e só encontrei os restantes mais tarde. A subida ao Alto da Pedrada foi a primeira caminhada que fiz com o UPB, e já a tinha repetido. Recordo-me da beleza do antigo caminho, em laje, que inicialmente ligaria a branda da Travanca às restantes brandas a cotas superiores. Uma subida realizada, numa primeira fase, na sombra protectora de uma mata muito bonita e depois em prado aberto. Digo recordo-me porque parte dela já não existe. O fogo de Agosto consumiu parte da mata protectora. Nos pontos de paragem, procurava nas minhas memórias as imagens de antes, mas não era fácil imaginá-las.

Com todo o grupo reunidos, que encontrámos no prado no sopé do Guidão, continuámos a subida. Ultrapassada a maior dificuldade da caminhada, uma curta mas intensa elevação, o grupo dirigiu-se ao ritmo das conversas para o destino final. O dia era de grande descontracção e dava tempo para tudo. No Alto da Pedrada, entre as fotos da praxe, o Bolo-rei e o Porto, ficámos um pouco a identificar os pontos no horizonte e a marcar os próximos destinos. Almoçámos no “Vale Encantado”, assim baptizado pelo Sherpa, uma antiga branda junto ao Guidão que suponho chamar-se Branda da Cova. Ficámos imenso tempo na conversa aproveitando o sol que se fazia sentir e no final o Águia-Real surpreendeu-nos com café.

Na descida aproveitei o facto de o fogo ter descoberto os cortiços da Branda Currais Velhos para a visitar mais demoradamente. Entrei num dos cortiços. É um dos maiores que conheço e possui uma porta de grandes dimensões. Já tinha reparado nele nas anteriores caminhadas mas agora está muito mais visível. No conjunto há muitos mais cortiços do que julgava. Esta branda é uma boa testemunha das mudanças que o plano de florestação introduziu nas populações de montanha. Os prados da zona deveriam ser baldios que foram depois florestados. Os efeitos nas populações devem ter sido enormes e as gerações mais velhas ainda devem ter disso ecos. Um amigo disse-me uma vez que essa era uma das causas ocultas dos fogos florestais. Eu não acredito. Parece-me demasiado desculpabilizante - "as populações não gostam da floresta". E o resto?

Já nos carros decidimos que procurar uma “sopa”. Recordei-me de uma das minhas experiências mais engraçadas nos Arcos de Valdevez quando vim com uns amigos da universidade “contratar” o Delfim, célebre cantador ao desafio. Sendo o mais novo do grupo praxaram-me com umas malgas de verde e “iscas” que me alegraram a viagem até Braga. Ofereci-me como guia e com algumas indicações não foi complicado encontrar a tasca do Delfim. Infelizmente não estava, mas a esposa serviu de amostra. O local é um verdadeiro laboratório social do Minho. Vale a pena visitar.


fotos da caminhada

Thursday, December 14, 2006

O Senhor Cruz

Recentemente decidi procurar as velhas edições do Editora Coimbra do Miguel Torga. Gostava de conseguir ficar com as obras completas mas descobri que será muito complicado. Essas edições foram enviados para as feiras e agora apenas se encontram as edições da D. Quixote. Eu prefiro as outras. As de papel rude com os cadernos por cortar. Prefiro o prazer de os abrir com uma faca antes de os ler. Os livros assim parecem-me tesouros guardados. Percorri diversas livrarias na esperança que ainda os tivessem esquecidos em prateleiras. Fiquei com colecções incompletas que agora vou tentar completar em alfarrabistas. Só que lá só encontrarei livros abertos. Letras que outros já leram.

Numa das minhas buscas fui à Livraria Bertrand, que no centro de Braga ocupa agora as instalações da Livraria Cruz. Lá não consegui nenhum livro mas deram-me uma indicação. Nos andares superiores ainda existe o espólio da antiga livraria e é possível comprar livros. Basta tocar que o Sr. Cruz está normalmente lá para atender. Foi o que fiz no dia seguinte.

O Sr. Cruz é uma das figuras do Sec. XX em Braga. Tipografo, editor e livreiro é uma pessoa que vive entre livros. Acompanhou-me por diversas salas carregadas de estantes com livros, apesar da idade sabe onde estão sem a ajuda de computadores. É um símbolo de uma época que passou mas que deixa alguma nostalgia.

Na despedida a propósito das mudanças do tempos atirou-me com isto - "Na minha aldeia hoje não há uma vaca". Há neste desabafo um grito contra um tempo que gostava de contrariar. Lendo os planos para as novas superfícies a instalar em Braga percebo-o melhor. Há qualquer coisa de estranho que um país do sul tenha mais centros comerciais que os países do norte da Europa. Quem sabe se no futuro não haja quem diga - "No centro não há comércio".

Sunday, December 10, 2006

Fafião-Lagoas do Marinho

As botas ainda estavam húmidas quando as meti no carro. A caminhada do dia anterior ainda estava muito fresca mas a proposta do Medronho era demasiado atractiva para recusar. A encosta da Serra do Gerês virada para Montalegre é uma zona mais abrupta, mais despida de vegetação mas de uma beleza que começo agora a descobrir. Era uma oportunidade que não queria perder. Aparentemente as pernas também se recusavam a ceder e quase não sentia os efeitos da caminhada do dia anterior.

Encontramo-nos ao pequeno-almoço e aproveitei para me abastecer. Duas sandes, dois sumos, e os chocolates que trazia na mochila, comida a menos mas não queria ir muito carregado. Nas Cerdeirinhas encontrámos a Nogueira e uma amiga e seguimos para Fafião.

No total éramos 10. O nosso guia seria o Águia-Real - Os Manos, o Urso Solitário, que conheci com o UPB na primeira vez que fui à Rocalva, onde também estava a almoçar no meio de uma caminhada solitária, a "caloira" Bouça, uma amiga da Nogueira, e os restantes UPB's (Medronho, Passo Largo, Milhafre, Capreolus, Cebolinho, Nogueira e eu).

Começamos a caminhar pelas 10h00, algo tarde para extensão do percurso porque agora os dias são curtos. A parte inicial do caminho foi relativamente fácil, mas cumprida a um bom ritmo. O dia estava muito bom e permitia ver ao longe, na Serra da Cabreira e Pitões, como as zonas mais altas estavam cobertas por um manto branco. Provavelmente encontraríamos neve nas zonas mais elevadas da caminhada. A zona é muito bonita para explorar, mesmo a cotas menos altas há paisagens soberbas. Como a conheço mal tive alguma dificuldade em navegar depois pelas cartas e identificar os locais. É por esta razão que gostava de ter um GPS, para poder registar os percursos para memória futura. No monte normalmente é mais fácil seguir outras indicações. Mas quando tentei depois refazer o trilho do Águia-Real no IGeoE-SIG fiquei com algumas dúvidas. Percebi que subimos até às lagoas por uns vales a sul/suldeste de um pico identificado na carta como Fojo de Alcântara, mas fico com "brancas" em partes do caminho.

Conforme íamos subindo, e vislumbrando o caminho a fazer, ficou claro que a neve esperava por nós. Um pouco antes de chegarmos às Lagoas do Marinho já enterravamos os pés e ela continuava a cair. Em certas momentos foi até um bom desafio e tivemos que ter alguns cuidados.

Almoçamos num abrigo junto às lagoas e recomeçamos a caminhar. O trilho seguia por um estradão escondido debaixo do manto de neve. Tínhamos a consciência que já era tarde e começamos a apertar o passo. Nevava e a progressão nem sempre era fácil. A uma cota mais baixa, passado o nevão, o manto de neve permitia ver as pegadas de um pequeno animal, possivelmente uma raposa. Seguimos em estradão por um vale muito bonito - o Corgo da Mão de Cavalo - até à Albufeira do Porto da Laje . Nas margens, as marcas recentes testemunham a força das chuvas de Novembro. O vale é uma enorme rede de linhas de água, dos adjacentes vales profundos e ravinosos, que alimentam o Rio Fafião e em dias de chuvas fortes devem recolher um enorme caudal.

A partir da Albufeira o trilho passou a pé posto. Um trilho de dificuldade elevada mas de enorme beleza. Num certo obstáculo senti mesmo algum receio. Abandonámos o trilho pouco tempo antes de anoitecer e fizémos parte do estradão final já sem luz. Chegámos ao café, onde nos esperavam às17h00, pelas 18h30. Um pouco mais e teriam comunicado às autoridades que estávamos a demorar. No total devemos ter feito uns 23 Kms, num misto de estradão e trilhos de pé posto. Uma caminhada de elevada dificuldade mas que me deu um enorme prazer. Uma das melhores que realizei.

O Águia-real tinha encomendado uma sopa que comemos na mesma sala onde jantavam os donos do café. O dono do café quis saber por onde andámos e fez comentários sobre outros trilhos. Contou-nos algumas histórias da sua infância, com pouco mais de 12 anos vinha com mais 20 kgs desde o Porto da Laje onde tinham colmeias. Às sopa seguiram-se os tradicionais bolos e ficámos um bom bocado a conversar. Depois de duas caminhadas sentiam-me bastante bem, só na parte final, em algumas zonas mais inclinadas do estradão, senti os músculos dos joelhos. Em dois dias devia ter feito quase 40 kms de alguma dificuldade mas não sentia grandes efeitos. Tinham sido duas boas provas para as novas botas que se revelaram confortáveis. Uma boa compra.


fotos em: Caminhadas

Ermida del Xurés-Minas das Sombras-Fronteira



Esta caminhada ficou de certa forma estabelecida na caminhada Portela-Minas. Ao fazermos o estradão em direcção à fronteira o Tiago manifestou interesse em fazer este trilho, cujo desenho na encosta oposta fomos acompanhando à distância, pensamos que também era uma oportunidade de trazer mais gente e acordamos em marcar uma data.

Por diversas razões, más previsões meteorológicas, jantares de “Natal”, "isto e aquilo", preguiça matinal e acabamos sem os novos “caminheiros”. Começámos a caminhar pelas 11h00, um pouco tarde, mas resolvemos começar já junto à capela. Sempre se recuperava algum tempo (+/- 3 km) e a subida desde Vilameá pouco acrescenta ao trilho.

O nosso objectivo era fazer a “Ruta de la mina de las Sombras”, marcada pelo Parque Natural Baixa Limia-Xurés (Espanha) e continuar até ao Pico dos Carris. Como o dia estava chuvoso e esperávamos neve nas zonas mais elevadas, antes de sair acordamos que nas minas das Sombras faríamos uma refeição rápida e avaliaríamos o objectivo inicial.

Na subida encontramos alguns obstáculos. O maior deles foi encontrar uma ponte pela metade, derrubada, imagino eu, pela força das águas. O caudal da ribeira estava forte e não ajudou a encontrar uma solução, só que ficou claro que o caminho inverso seria mais complicado. Os restantes obstáculos foram mais fáceis de passar e quase todos eles originados por linhas de água com mais caudal que o normal.

Na subida final para as minas passamos a encontrar neve. Abrigados do vento e da neve nas ruínas do Posto Gerador das Minas das Sombras, fizemos uma pequena refeição e quando quisemos avaliar o que fazer em seguida percebemos que não tínhamos relógio. Eu e o Tiago tínhamos deixado os telemóveis no carro, um erro básico. Sem puder confiar muito no relógio da máquina fotográfica não sabíamos quantas horas ainda teríamos de luz. Decidimos assumir a hora da máquina que nos daria mais umas 3h30 até ao anoitecer. Já não daria para chegar ao Pico dos Carris mas dava para chegar ao marco da fronteira e regressar em segurança.

Como a memória do trilho ainda estava muito fresca não foi complicado, só que muita da navegação foi mesmo por memória porque a neve e o nevoeiro escondiam as mariolas. No marco da fronteira encontrámos um nevoeiro que tudo escondia e mesmo que estivéssemos com tempo não aconselhava tentar chegar até ao Pico dos Carris.

Descemos o mais rápido que os necessários cuidados recomendavam. Nas zonas mais expostas ao vento quase que não podíamos tirar os olhos do chão. Chegados às minas das Sombras comemos um chocolate e continuamos. Transpor a “ponte” no regresso foi mais complicado, espero que o Parque Natural de Baixa Limia-Xurés a recupere rapidamente porque senão o melhor é “fechar” o trilho. Chegamos aos carros com pouco mais de 20 minutos de luz.

Foi uma boa caminhada. Realizada um ritmo elevado quase sem paragens, mas com o atractivo de ter sidoo primeiro encontro com a neve. Caminhar com chuva pode ter algo de desconfortável mas permite sentir a serra de uma forma diferente. Eu gosto cada vez mais deste tempo para caminhar.