Thursday, March 10, 2016

Ecce Homo
















Humanidade exposta
À varanda do mundo,
A mostrar,
Consumadas,
As horas cruciantes da paixão.
As chagas a sangrar
E as mãos atadas… 
Violência e prisão.
Semi-velado, o rosto
Não tem olhos,
Ou cobre-os o pudor
Da lucidez…
Alheio ao sol fortuito do poder
E à vencida aparência que lhe dê,
O penitente deixa-se apenas ver.
O que ele vê, não se vê… 
Miguel Torga

Wednesday, March 09, 2016

Sobre o Quinxo

vista desde o Quinxo para o Lima

Já abordei algumas vezes a questão da demarcação da fronteira Luso-Espanhola e os conflitos diplomáticos que ela envolveu. Educados com a ideia de termos a fronteira mais antiga da Europa, não temos a percepção de como a sua demarcação rigorosa é recente e que não foi assim tão consensual. 

Uma reflexão que partilhei com os meus companheiros da subida ao Quinxo no último fim de semana e depois procurei ilustrar com a informação de Finis Porttugaliae - Nos Confins de Portugal , de Maria Helena Dias (IGEOE):, sobre a definição da fronteira junto a Lindoso:

"O Juiz e mais Oficiais da Câmara do concelho de Lindoso, em seu nome e de todo o Povo, representam a Vossa Alteza Real que no ano de 1773 os moradores dos lugares de Bao, de Compostela e Ludeiros, vizinhos à raia do Reino da Galiza, cortaram a maior parte das vinhas que os moradores deste concelho possuem no sítio de S. Maria Madalena e levaram as cepas em carros para o dito Reino (…). Desde aquele tempo até o ano de 1800, têm estes pobres moradores experimentado mil ruínas, como foi queimarem­lhe as casas que de tempo imemorial possuíam naqueles montes, ou arruinarem­lhas fundamentalmente da mesma sorte, queimarem­lhe os colmeais, arrasarem­lhe as paredes e curros em que recolhiam os seus gados, etc., de que tudo, e da falta da produção das mencionadas vinhas, tem resultado aos moradores deste concelho um considerável dano que monta uns poucos de contos de reis, além dos insultos graves perpetrados em suas próprias pessoas. De tudo isto se tem dado a Vossa Alteza Real repetidas contas, por cuja causa têm vindo aqui vários Ministros, mas inutilmente (…)” (trecho de um requerimento provavelmente de 1800). Inúmeras são as exposições, requerimentos e ofícios mostrando os antigos e contínuos desacertos entre os moradores do Lindoso e os da Galiza próxima, tanto ocorridos no monte da Madalena como na serra do Quinjo (actualmente Quinxo, em Espanha). A contenda ter­se­ia iniciado por volta do começo do segundo quartel do século XV, quando o alcaide­ ­mor do castelo do Lindoso vendeu a vacaria que tinha e os gados deixaram de pastar, como sempre fizeram os dos seus antecessores, naquela parte portuguesa da serra. A desocupação desses terrenos, e a abundância de pastagens nas vizinhanças do Lindoso, deu lugar a que os galegos das aldeias próximas os ocupassem, sem oposição portuguesa. Porém, em 1538 procedeu­se ao tombo do termo de Lindoso, cujos resultados se representaram cartograficamente nos começos de Oitocentos, quando a questão se voltava a reacender, quer por Custódio José Gomes de Vilas Boas (1803), quer por Raimundo Valeriano da Costa Correia (1807). No entanto, não se conseguiu proceder então à demarcação, ora por falta de comparência dos comissários espanhóis, ora pela sua dilação. Não era só a serra do Quinjo que era motivo de discórdia, por pretenderem os galegos que o limite dos dois países passasse pelo rio Tibo ou Várzea (hoje, rio Castro Laboreiro); a questão era sobretudo nesta altura com o monte da Madalena, onde os moradores do Lindoso iam regularmente em romaria à capela aí existente e onde tinham vinhas, colmeias e campos agrícolas, mas que os vizinhos do outro lado pretendiam desalojar, estendendo o limite da fronteira para o rio Cabril. Quando, em meados do século XIX, a comissão preparou a proposta de demarcação, confrontava­se com a existência de vários limites: aquele que os espanhóis pretendiam (pelos rios Cabril, Lima e Castro Laboreiro); o marcado no tombo de 1538, que os portugueses reconheciam (que partia da Cruz do Touro, na serra do Gerês, descendo até à Pedra do Bozelo, ou Bozelho, e atravessando o Lima, subia ao Quinjo e ia paralelamente a este rio até à confluência com o de Castro Laboreiro; e, ainda, o anterior a este, abrangendo os terrenos outrora ocupados pelos alcaides do Lindoso e que os espanhóis haviam usurpado. Apesar das memórias então apresentadas e das provas irrefutá­veis, o comissário português aceitou a proposta espanhola a troco de compensações, com muitos agradecimentos de Bourman: este “era o terceiro presente” que Cabreira lhe oferecia (Vasconcelos e Sá, 1861, transcrito por José Baptista Barreiros, 1961­-1965)! A solução final para o litigioso monte da Madalena, dirimido por via diplomática, viria a dividir o terreno questionado em duas partes iguais (veja-­se o artigo 4.º do Tratado de 1864), acabando a linha de fronteira por ficar posicionada a Este da capela, e não no rio Cabril, e seguir por onde pretendiam os espanhóis, na restante parte."