Thursday, February 21, 2013

Porque não uma Wiki para a memória da serra?


localização dos abrigos da Vezeira usados pela vezeira da Ribeira

Descobrir mais dos locais por onde passo é um dos prazeres que retiro das caminhadas que faço. Raramente volto da serra sem trazer uma curiosidade, uma ideia ou um objectivo para novas caminhadas. Podem ser coisas tão simples como umas mariolas em que nunca tinha reparado, a curiosidade de explorar as zonas adjacentes às percorridas, uma informação escutada ou então o encontro com algumas, infelizmente poucas, fontes bibliográficas. Além do prazer físico, a que Torga, recordando Unamuno, chamou voluptuosidade da fadiga, da temperança que retiro da serra, gosto de descobrir os pequenos “segredos” que o tempo e o abandono escondeu. Fazer a memória da serra seria um trabalho interessante a que não me importava de associar. Algo que poderia ser mais facilmente realizado num esforço colectivo e colaborativo dos diferentes baldios, de associações locais como A Vezeira (Fafião), ARCCA (Campo do Gerês), AFURNA, Lírios do Gerês (Vilar da Veiga), etc., mas também da comunidade de montanhistas e apaixonados pelo Gerês. Descobrir um nome de um curral derrubado e esquecido no meio da serra, seguir as indicações escutadas a um pastor, seguir umas mariolas derrubadas pelo tempo isoladamente não garante que a memória da última geração que viveu e trabalhou na serra seja mantida. Nos últimos 150 anos as serras do PNPG assistiram a grandes mudanças que se iniciaram com a reflorestação nos finais do século XIX. De lá para cá são cada vez menos os que as trabalham e a memória dos locais, trilhos e nomes vai-se perdendo e abastardando. É fácil nomear exemplos recentes como das cascatas do Tahiti, topónimo que quase se institucionalizou em detrimento de Fecha das Barjas. Julgo até que muitos geresianos não saberiam já indicar as cascatas senão pelo novo topónimo. Da mesma forma, poucos geresianos saberão que a Pedra Bela seria originalmente Pedra Vela, por ser um lugar de onde os pastores “velavam” os seus rebanhos, e que o topónimo acabou fixado assim por Tude de Sousa [Gerez - Notas Etnográficas, Arqueológicas e Histórica].

No entanto, há que ter em consideração que a toponímia da serra não é estática e que é normal que um lugar possa ter diferentes designações por razões diversas. Exemplo disso são as informações que recolhi recentemente ao procurar esclarecer os nomes de locais visitados. Num artigo publicado na revista GEOPLANUM [que já publiquei aqui] tinha recolhido algumas informações sobre o nome de currais utilizados pela vezeira da Ribeira (alguns deles utilizados também pelas vezeiras da Ermida e Fafião) e que não são totalmente coincidentes com as designações recolhidas em outras fontes. Suspeito que aqui não se trata do fenómeno de dupla designação, mas que antes se trata de uma substituição por razões que seria interessante investigar. Concretamente julgo que isso terá acontecido com o curral da Tribela [Curral dos Portos, que outras fontes designam de Potro] e com o Curral da Malhadoura (que outras fontes designam de Curriscada). Sobre isto, a minha amiga Maria Carronda (White Angel, blogue Alma de Montanhista), uma apaixonada pelo Gerês com quem aprendo muito, ouviu do último guarda florestal que habitou na Malhadoura que o curral da Tribela seria no local que hoje se conhece como “casa do médico”- por lá ter sido construído a dita casa nos finais dos anos 60, e que o curral da Malhadoura terá sido destruído pela construção da casa florestal da Malhadoura cujos os vestígios seriam ainda visíveis até à pouco tempo. Dois exemplos que demonstram como afinal a toponímia possui camadas complexas e muito ricas que seria uma pena perder. Razão pelo que volto à questão de fazer a memória da serra e para perguntar porque não não avançar com uma Wiki?