Monday, February 13, 2006

De curral em curral





















Sábado fui explorar uma parte do Gerês que não conhecia. É uma zona mais agreste, com poucos vestígios de humanização. Os currais, os trilhos pisados, as mariolas que nos marcam os caminhos e antena de rádio no Borrageiro são as únicas marcas do homem na paisagem.
É uma zona de vales profundo, de uma natureza agreste que nos esmaga. Não será uma paisagem bucólica mas é bela na força que nos transmite. Num dos currais, junto à Rocalva, encontramos um caminheiro que nos ficou de guiar na travessia de Carris a Pitões. Esta travessia é dos nossos objectivos mais desejados, mas que apenas queremos fazer com a certeza do caminho. Na base da Rocalva, mostrou-nos, no horizonte, o caminho a percorrer. Fiquei com a sensação que é caminho a mais, mas não me diminui a vontade de tentar. Anda nisto faz mais de 20 anos e identifica cada recorte no horizonte pelo nome. Localizou-nos, um a um, os locais a visitar. Na sua memória existe toda a cartografia do Gerês. Um dia espero poder fazer o mesmo, mas ainda tenho muito para conhecer. Arrependo-me de não ter começado mais cedo. O Gerês que as pessoas conhecem é tão pequeno e as melhores coisas são estão disponíveis para quem aceitar sair da estrada.
No regresso aos carros passamos por diversos casais na Cascata do Arado, com a pavimentação da estrada até à Pedra Bela os carros chegam lá facilmente. O próximo Verão vai ser insuportável neste local. Eu não sou fundamentalista, percebo que as populações, mesmo a dos Parques Nacionais, tem direito ao conforto do progresso mas o verdadeiro progresso é bem diferente que banhistas no Verão. Se não tiverem mesmo cuidado que o PNPG teve na Mata da Albergaria, se deixarem transformar aquela zona num grande "piquenicão", é o primeiro passo para destruir o Parque.
Construam áreas de tampão, com zonas de banho, estacionamento, serviços, etc., nos limites do Parque, quem procurar uma zona de banhos não precisa de ir à Serra. Quem quiser ir deve puder, mas também se deve co-responsabilizar. Não seriam necessárias portagens, bastava que registassem a matrícula e pagassem uma taxa. A fiscalização só teria que percorrer o Parque e verificar se as matrículas estavam registadas, quando não estivessem bloqueavam-se. Este sistema permitiria ainda estabelecer limites de acessos. Os registos poderiam ser feitos em máquinas tipo multibanco espalhadas nos diversos locais de entrada sem necessidade de grandes custos. Complicado? Não me parece.
Mais tarde, quando pesquisava informação sobre a zona que percorremos, encontrei este recorte de um jornal local sobre os currais e da sua importância na vida das comunidades rurais.

"Domingo, bem cedo, ao nascer do dia, passam 30 minutos das 6 da madrugada, os populares de Fafião reunem-se no centro da aldeia carregados de mochilas, instrumentos para remover a terra e duas dezenas de carvalhos.Sai-se da aldeia em grande algazarra com a carrinha apinhada de gente e numa estrada de terra batida lá se vai em direcção a Malhadoira. A estrada acaba, mas continua-se a pé, por entre nascentes, arvore-dos e regatos mansos, carregando instrumentos, árvores e boa disposição.

Chega-se a Pinhô, depois de mais de uma hora de caminho, passando por pastores, vacas, cabras, pássaros madrugadores e a neblina macia da matina. É hora de “matar o bicho”, descansar e organizar o trabalho para o dia. Entre copas de Gerupiga e pão da terra, decidem-se em assembleia as tarefas, a hora e o ponto de encontro. Formam-se grupos de 3 pessoas, divididos pelos vários currais onde serão plantadas as árvores. O mesmo é feito para a limpeza de carreiros, caminhos e matas, prevenindo os incêndios e conservando o património que muitos dias do ano se confunde com o seu lar.Pousada, Amarela, Vidoirinho, Iteiro D’ovos, Padrolã, Rocalva, são os nomes dados aos currais por onde passa a vezeira do gado. Localizados no coração da serra do Gerês, estes lugares contam histórias deste povo nativo, que desde o início da formação da aldeia percorreu as serras agrestes do Gerês, ora pelo calor abrasador do Verão, ora pelo frio e pela neve do inverno, semeando centeio, pastoreando vacas e cabras, trazendo contrabando da vizinha Galiza...Os currais são lugares situados em zonas planas, verdejantes e quase sempre com água; autênticos oásis no meio da montanha, com cabanas construidas em granito, onde os pastores pernoitam durante a época do pastoreio. As árvores são plantadas nesses lugares e à sua volta é construida uma pequena muralha com pedras, para que os animais não lhe comam as folhas. «Os antigos faziam o mesmo, e queremos manter a tradição, para que os nossos netos não esqueçam os seus antepassados e o seu modo de vida.»

No início da tarde ouvem-se os primeiros sinais por detrás dos cumes e vales amontoados de pedra e vegetação serrana. Regressam ao ponto de encontro os primeiros populares que entoam sinais sonoros, na linguagem da serra, bem entendida pelos pastores e viajantes daqueles lados.

Chegam cansados na hora do calor, depois do trabalho e da valente caminhada. É hora de acender a fogueira e fazer o almoço para que esteja pronto quando estiverem todos.É servido o almoço e em festa e convívio caloroso, descansa-se e conversa-se até à hora de regressar, já no final da tarde. Descendo a montanha até à malhadoira, na alegria e farra que caracteriza este povo serrano, encontram-se os vezeireiros, guardando pacificamente dezenas de vacas, próximos da cabana onde estão os mantimentos. Mais dois dedos de conversa e regressa-se à aldeia, à mesma hora que os rebanhos de cabras atravessam o rio.O exemplo destes populares mostra como é possível e inevitável a preservação da natureza, mantendo os costumes e tradições comunitárias, caracterizadas pela proximidade ao meio natural, gerindo o património e tomando decisões sem intermediários
."

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