A leitura do blogue Carris de Rui Barbosa fez-me voltar a uma reflexão que tinha iniciado no final do Verão de 2013 aquando do incêndio na zona das antigas minas dos Carris. Diz o Rui que o PNPG tem uma relação de amor/ódio com a história da paisagem que faz com que a ignore, mas eu não tenho a certeza que a explicação seja tão simples e benigna.
Quem acompanhou a última revisão do plano de ordenamento do PNPG percebeu que, dentro da estratégia da adesão à PAN Parks, um dos objetivos da revisão era ampliar a zona de proteção total. Nos documentos de trabalho da revisão essa intenção era perfeitamente clara e não falta quem considere que toda a revisão foi realizada segundo essa estratégia. Assim, o atual zonamento, após o alargamento, seria apenas uma fase intermédia que na transformação em zona de proteção total toda a zona alta da serra do Gerês. Isso mesmo se pode ler no Relatório da 2ª fase – Diagnóstico: “A certificação PAN Parks traz o importante desafio de aumentar a actual área de Zona de Proteção Total na Serra do Gerês para um valor de 10 000ha ao longo dos próximos 10 anos, a “core wilderness area” ou zona núcleo do PAN Park. Assim, e concebendo a possibilidade de que o plano agora em elaboração venha a ser revisto no final deste período, será importante atingir já com este plano uma Zona de Protecção Total na Serra do Gerês na casa dos 5 000 ha.”
Só que para antigir a classificação desta “wilderness area” foi necessário proceder à “renaturalização” de toda a área das minas dos Carris e do único estradão que pode permitir o acesso por terra de meios de emergência à zona alta da serra. Uma “renaturalização” à qual a história, a arqueologia da paisagem não interessa e atrapalha.
É que na revisão do plano de ordenamento para a definição de Wilderness (zonas menos alteradas pelo homem) foram então considerados dez níveis de acordo com as distâncias ponderadas a infra-estruturas como: albufeiras; povoados; linhas de alta tensão; estradas asfaltadas e caminhos florestais.
Estes critérios permitiram que às ruínas do complexo mineiro fosse atribuído a classificação mais elevada para zonas menos alteradas pelo homem. O que permite levantar fundadas dúvidas sobre a definição dos critérios de classificação.
Os documentos do POPNPG ainda nos avisam que a definição de Wilderness não é pacífica e consensual, mas não consigo perceber a definição destes critérios sem considerar uma deliberada intenção de "renaturalizar" as ruínas. Para mim este é um caso evidente em que os critérios foram estabelecidos em função do resultado desejado.
É por isso que, sem desconsiderar a incapacidade orçamental do PNPG em fazer a manutenção das estruturas, há muito que venho criando a convicção que a decisão de permitir a degradação deste estradão é deliberada e integrada nesta estratégia.
Assim, após anos de abandono, o estradão que em tempos serviu o complexo mineiro, por onde passaram camiões carregados com equipamento e minério, está hoje transformado em 9 penosos quilómetros de pedra solta.
Em consequência disso, já em 2008, quando foi necessário ir em socorro de um grupo perdido no meio de temporal ficou evidente que a emergência não consegue fazer os cerca de 9 kms do antigo estradão e 700 metros de quota e o grupo apareceu depois nas televisões junto de uns helicópteros que nunca percebi porque foram chamados.
Em 2013, no rescaldo do incêndio, foram as corporações de bombeiros a explicar que apeados, carregando o equipamento, demoravam mais de 3 horas a fazer o que facilmente poderiam fazer em 20 a 30 minutos. Pelo que qualquer fuga ou acesso rápido só era possível com o apoio de meios aéreos. Uma solução cara, nem sempre estão disponível e que no período noturno não funciona.
Logo “deixar arder” terá sido mesmo uma das decisões táticas necessárias numa fase do combate a este fogo. Só que deixar arder a zona de proteção total do parque nacional deveria obrigar a muitas explicações públicas. Sendo que compreendendo a decisão dos bombeiros, mas não compreendo o caminho que a tornou necessária.
Mais uma vez o ICNF/PNPG disse, como chegou a dizer no incêndio no vale do Cabril (curiosamente também zona de proteção total) que só ardeu mato e que a natureza rapidamente recuperará. Claro que o “só” será apenas a meia “verdade” oficial e o resto ficará para os poucos curiosos que sabem chegar lá por outros locais. Sobre este incêndio, a QUERQUS fez uma avaliação muito menos benigna e considerou que, entre outras coisas, terão sido atingidos alguns dos importantes núcleos de Teixos existente no vale do Homem.
Eu é que nunca compreenderei esta forma de gerir o Parque Nacional. Como li recentemente numa tradução livre "deve resistir-se , melhor, condenar-se por acientífica, a tentação tão presente no mau ecologismo que nos rodeia de considerar o ser ser humano como fator desestabilizador do equilíbrio de um território, quando é parte integrante do mesmo, para o bem e para o mal. E o que pior, pela aceitação científica de que goza, considerar-se o estádio de "climax faunístico e florístico, com a ausência do elemento humano, como ideal de paisagem"(William S. Kurtz).
O que desejava é que no PNPG o "Wilderness" deixasse de uma vez por todos de ser considerado como o "Santo Graal" e se comece a pensar o parque como uma paisagem onde o homem tem uma história e um lugar.
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