Wednesday, September 12, 2007

Jornada dupla pelo Gerês

Fim-de-semana de jornada dupla mas as pernas não se queixaram. E no Sábado pude finalmente refrescar-me numa das pequenas piscinas do Vale Teixeira. A água, fria à entrada, é, depois, um bálsamo fantástico para o esforço.

No Sábado desci com o UPB desde os Prados da Messe ao Gerês. No grupo havia alguns iniciantes e subir a Costa Sabrosa não é fácil. Algumas paragens e num ritmo leve chegamos facilmente ao Conho, onde almoçámos. Ao subirmos para o Borrageiro encontrámos um grupo de geresianos que percorriam o trilho em sentido inverso. Deveriam ter começado na Portela de Leonte. Ficámos um pouco a conversar com alguns deles. A trocar informações sobre trilhos e plantas.

Descemos para o Vale Teixeira pela Chã da Presa. É trilho muito bonito, mas deixou algumas marcas nos menos experientes. Um bom calçado é fundamental para o conforto na montanha. As sapatilhas não são normalmente uma boa opção e a descer nem “todos os santos ajudam”. Pelo menos o “santo” dos caminheiros não ajuda muito sem um calçado aderente.

Num dos currais do Vale Teixeira encontrámos dois pastores da povoação Ermida. Estivemos um pouco a conversar sobre várias coisas. É escusado tentar fazer as pazes entre eles e o lobo. É uma coexistência que nunca será pacífica. Depois a geração deles a vezeira vai acabar, os filhos já não querem saber do gado senão no prato. Perder estas actividades tradicionais é uma das maiores ameaças que paira sobre o PNPG. Eu sei que em parte faz parte de uma dinâmica social normal. Cada vez haverá menos gente nas actividades do sector primário. Mas também não deixa de ser resultado de opções que fizeram do homem uma parte do problema e não parte da solução. Permanece uma tensão por resolver entre as populações e o PNPG. Eu, por muito que lhes reconheça a tendência para o erro, a merecer vigilância e regra, cada vez mais percebo o ponto de vista das poluções.

Saímos do Vale Teixeira directamente para o PR Trilho dos Currais por um trilho que não conhecia. Depois descer até às termas foi a pior parte da caminhada. O declive é demasiado acentuado e o piso, quase todo ele em estradão, é monótono e escorregadio. Eu apenas o tinha subido e não pretendo voltar a descê-lo.

No Gerês descobri que no dia seguinte havia uma festa de encerramento da vezeira entre os pastores. Fiz-me convidado e não me negaram – Apareça que chega para todos.


O Domingo estava destinado à exploração de uma variante de um trilho da CM Terras de Bouro para uma actividade dos Serviços de Documentação da Universidade do Minho (SDUM) no âmbito do 100º aniversário do Miguel Torga. O director dos serviços, Eloy Rodrigues, é também um entusista do pedestrianismo e não há melhor forma de homenagear o poeta que se definiu a si mesmo como “geófago”. O percurso decalca uma actividade da CM Terras de Bouro, mas importava reconhecer o terreno e verificar se seria acessível a todos.

Saímos desde as Porta do Parque em S. João do Campo e no marco miliário junto à estrada, depois cruzeiro, entramos num pequeno estradão de terra. Este caminho seria a antiga ligação de S. João de Campo a Lamas e, suponho, daí a Vilar da Veiga e Gerês. O caminho é fácil de seguir e possui parte lajeadas. Junto a uma pequena ponte vedada com arame farpado seguimos em frente. Na verdade não seguimos, mas tivemos que corrigir o erro. Num zig-zag pela serra, o caminho segue a direcção de uma linha de tensão até se encontrar com a actual estrada. Bem perto passa o estradão que segue para a Junceda. Paramos a descansar à sombra acolhedora de carvalhos milenários mas rapidamete seguimos. O almoço seria no Gerês e o apetite começava a despontar. Na estrada seguimos em direcção ao Gerês até ao entroncamento de Lamas. Aí seguimos para o miradouro da Boneca - nos primeiros sinais do PR-Trilho dos Miradouros - deve-se ter a atenção ao sentido da direcção em que estamos a caminhar.

O miradouro da Boneca, em conjunto com a Pedra Bela, são as duas melhores vistas sobre o vale do Rio Gerês. O miradouro da Boneca tem ainda a vantagem de permitir ver apenas o melhor das Termas do Gerês. Com excepção do Hotel do Parque, cuja degradação ofende algumas das minhas recordações de infância, o que de menos bonito existe fica fora campo de visão.

A descida para o miradouro da Fraga Negra requer alguma atenção, mas é fácil de seguir. A diferença de cotas é elevada, mas a descida não é complicada. Apenas mesmo ao chegar ao miradouro da Fraga Negra existe uma passagem um pouco mais escorregadia.

Chegamos ao Gerês um pouco mais tarde do que imaginava e já não pude ir aproveitar o “convite” para a festa do encerramento da vezeira. Também não encontramos um restaurante aberto e ficámos por umas sandes. Para quem fez os últimos metros na ilusão de um cabritinho poderia saber a pouco, mas o menu do dia tinha sido serra. Ainda que algo domesticada, tinha sido um bom “cheirinho de serra.

"Gerês, 17 de Agosto de 1958
Sou, na verdade, um geófago insaciável, necessitado diariamente de alguns quilómetros de nutrição. Devoro planícies como se engolisse bolachas de água e sal, atiro-me às serranias como broa de infância. É fisiológico, isto. Comer terra é uma prática velha do homem. Antes que ela o mastigue, vai-a mastigando ele. O mal, no meu caso particular, é que exagero. Empanturro-me de horizontes e de montanhas, e quase me sinto depois uma província suplementar de Portugal. Uma província ainda mais pobre que as outras, que apenas produz uns magros e tristes versos.

Miguel Torga , Diário VIII"

detalhe de uma carta antiga com caminho, a actual estrada ainda não aparece indicada

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