Tuesday, October 23, 2007

Novamente o castelo de Bouro

Gosto ler sobres os locais onde caminho. É uma forma de aproveitar melhor as caminhadas que faço. Uma forma de ficar mais atento para pequenas coisas que me poderiam passar despercebidas. Numa dessas leituras fiquei com algumas dúvidas sobre a localização do castelo de Bouro. Eu já o tinha procurado numa excursão magrugadora e solitária desde a Casa dos Bernardos. E, ainda que não tivesse encontrado qualquer vestígio, confiava ter estado lá a contemplar a Serra do Gerês ao sol de Abril. Nessa manhã, sentado numa fraga a trincar uma maça, perdi-me nos recortes do horizonte. Locais que então desconhecia e que agora adoro percorrer. Quando regressei para almoçar a Campo dos Abades, ter encontrado o castelo ajudou a que percebessem melhor a excentricidade de quem madruga para percorrer os montes.

Recentemente, convencido que o Castelo e Castro seriam designações do mesmo sítio arqueológico, comecei a localizá-lo num outro local, ainda que próximo do primeiro. Uma passagem das Memórias Paroquiais de 1758 e uma descrição do castelo encontrei na web sustentavam esta minha nova certeza. Uma das fontes localizava-o sem qualquer dúvida no Piorneiro e outra descrevia um castro, designado-o também por fortaleza, no mesmo local. Escrevi isso aqui e disse-o aos meus companheiros de caminhada. Só que estava enganado.

O castelo de Bouro e o Castro são dois sítios arqueológicos distintos, ainda que muito perto um do outro. Do arqueólogo Luís Fontes, que em 2003 o estudou para a CM Terras de Bouro, recebi informação bastante clara sobre um e outro. E, como acredito que, tal como eu, muitos se interessam por conhecer os montes que caminhamos, transcrevo parte dessa informação.



O Castro

"Nas plataformas superiores, definidas por paredões que fecham as aberturas entre penedias e dos quais se conservam vestígios, recolhem-se fragmentos de cerâmica grosseira e observam-se aglomerações de pedras, que poderão corresponder a ruínas de construções.Trata-se dos vestígios de um povoado de altura, que se pode considerar grosseiramente fortificado e cuja ocupação, pela sua tipologia formal e pela ergologia dos materiais cerâmicos, por se vincular com uma exploração de recursos de modelo pastoril e possuir como contexto arqueológico as mamoas de Chã da Nave, se poderá situar entre os IV e II milénios a.C.. Alguns autores situaram aqui, erradamente, o castelo medieval de Bouro.

Escolhido como marco para limite do couto do mosteiro de Santa Maria de Bouro, o “Castro mao”, como aí é referido, faz parte do imaginário colectivo das populações vizinhas, que o apreendem como algo estranho, misterioso, relacionado com uma ocupação longínqua com a qual não se identificam,originando efabulações em torno da sua inacessibilidade e dos riscos da sua escalada - a este propósito é notável a descrição feita pelo pároco de Chamoim,José Coelho da Silva, em resposta ao questionário de 1758 (vulgo MemóriasParoquiais)."


Como uma das minhas leituras, que erradamente interpretei, foi a "notável a descrição feita pelo pároco de Chamoim", logo que me seja possível procurarei publicar-la em conjunto com a gravura que a acompanha.


O castelo de Bouro

"O Castelo, como é conhecido localmente, é a elevação que remata o esporão do maciço do Piorneiro que se estende mais para nascente, sobranceiro ao profundo vale do Ribeiro de Freitas. Com 890 metros de altitude, o monte é coroado porum denso caos de blocos graníticos de grandes dimensões, que no topo se sobrepõe formando abrigos e lapas naturais. Separado do volume maior da serra pela Chã do Castelo, a Oeste, e praticamente inacessível por qualquer outra das vertentes, possui uma implantação de grande espectaculosidade, proporcionada pela visão esmagadora do imponente maciço da serra do Gerês, que lhe fica fronteiro. Daí se domina uma ampla paisagem sobre o curso alto do Rio Homeme sobre todo o vale do Ribeiro de Freitas, que estabelece a ligação natural entreas bacias dos rios Homem e Cávado.

Na mais ampla plataforma superior, circuitada por uma cerca formada por paredões que fecham as aberturas entre penedias e dos quais se conservam vestígios significativos, recolhem-se fragmentos de cerâmica doméstica e observa-se o resto dos alicerces de uma construção de planta quadrangular,encostada à massa rochosa.

Trata-se dos vestígios de uma fortificação que, pela tipologia formal e pela ergologia dos materiais cerâmicos, e ainda pela sua estreia ligação ao caminho carreteiro, perfeitamente estruturado, que liga Seara a Covide e lhe dava acesso, se pode classificar como castelo roqueiro, característico dos primórdios da nacionalidade. Considerando as suas características construtivas, a implantação geo-estratégica e localização relativa e as fontes medievais que lhe fazem referência, seria este o castelo de Bouro.

Para a aceitação de que o castelo de Bouro corresponde ao local e vestígios acima descritos concorrem, não só as características tipológicas, comuns a tantos outros castelos que se ergueram nos cumes dos montes do Entre Douro-e-Minho, mas também o facto de as população das aldeias próximas assim o designarem, distinguindo-o claramente da elevação do Crasto, que lhe fica a Sudoeste, e sobretudo o contexto histórico-arqueológico em que se insere, em que releva o estar fora do couto do mosteiro de Santa Maria de Bouro e ser servido por uma via própria.

A sua edificação deverá datar do século XII, ao tempo das primeiras iniciativasde Afonso Henriques para afirmar a independência do reino de Portugal. Nas Inquirições de 1220 e 1258 já é amplamente referenciado, evidenciando-se as pesadas obrigações e encargos de praticamente todas as freguesias do Julgado de Bouro relativamente à manutenção do castelo.

Com a Portela da Amarela e a Portela do Homem, o castelo de Bouro constituíao vértice de um triângulo de vigilância e defesa da importante via decomunicação de origem romana que penetrava no interior galego, a célebre“Jeira” (ou Geira), a via XVIII do itinerário de Antonino que se manteve em usoaté bem entrada a Época Moderna.

O castelo, uma construção elementar aparentemente estruturada à base de madeira, que tinha que ser refeita praticamente todos os anos, terá conhecido uma ocupação recorrente mas não permanente, servindo sobretudo em períodosde conflito. Nunca foi, portanto, um castelo residencial, onde habitasse o senhorda Terra, mas antes uma instalação estritamente militar, de ocupação eventual, relacionada com um sistema regional de defesa da fronteira com a Galiza. Comos desenvolvimentos modernos da arte da guerra, nomeadamente a difusão do uso da artilharia a partir do século XVI, o castelo de Bouro deixou de ter qualquer importância militar, devendo datar desse período o seu abandono."

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