Saturday, January 10, 2009

Parque e Populações 4

(pulicação faseada do artigo)

Povos e Parques: um breve histórico

A história da implantação de Parques Nacionais como AP’s remonta desde o século XIX, com a criação do Parque Nacional Yellowstone em 1872, nos Estados Unidos. Este primeiro Parque foi criado com o objetivo de preservar suas belas paisagens “virgens” para as futuras gerações. Em seu ato de criação, o Congresso dos Estados Unidos determinou que a região fosse reservada e proibida de ser colonizada, ocupada ou vendida. O ser humano ali seria um visitante, nunca um morador. Esse modelo foi adotado por muitos outros países e, em vários deles, vigora até os nossos dias (BENSUSAN, 2006). Dentre outros fins que se seguem, os Parques Nacionais, têm como funções, a recreação e educação, a preservação de áreas com singular beleza natural e estética e salvaguardar espécies da fauna e flora, bem como a realização de investigações a fim de conhecer a história natural das espécies e seus processos ecológicos. O que decorre, nesse contexto, é que este modelo, originado a partir de Yellowstone, tinha como uma de suas metodologias de implantação a expulsão de populações humanas dessas áreas de relevante interesse biológico. O fundamento principal era a crença de achar incompatível a presença dessas populações no interior dessas áreas, sendo aquelas uma ameaça para a estabilidade destas. Como dizem TERBORGH & PERES (2002):

“Um dos problemas mais intratáveis enfrentados pelos administradores dos parques é a presença de residentes humanos dentro das áreas protegidas. A questão é exacerbada quando os ocupantes são populações indígenas cujos direitos de ocupação da área são legal ou licitamente reconhecidos pelo governo. Pessoas de todos os tipos, sejam indígenas ou não, representam uma ameaça séria à biodiversidade de qualquer parque, quando seus meios de vida são derivados dos recursos da área protegida. Muitas pesquisas confirmam que os seres humanos e a natureza são incompatíveis…”.

É bem verdade que a União Internacional de Conservação da Natureza (UICN), recomenda enfaticamente a ausência de pessoas em AP’s que se enquadrem na categoria de Parque Nacional, mas há diversos países onde a presença de comunidades humanas é uma realidade; a exemplo do PNPG. Com relação a tão polêmico assunto, há correntes que postulam contra ou a favor desse posicionamento. Os que se enquadram favoravelmente argumentam que mesmo uma pequena população que resida em uma unidade de conservação não pode e não deve ser privada do acesso aos bens de consumo, à educação, à saúde e à tecnologia (BENSUSAN, 2006), atributos que a priori estão longe de serem alcançados para os residentes de uma AP. É interessante questionar, neste contexto, que idéias permeiam as pessoas com relação ao que se chama de educação, saúde e tecnologia. Na Amazônia brasileira é importante destacar que existem modos complexos de organização social com sistemas de ensinamento de técnicas de todo o tipo (sem que seja um ensino formal) e no âmbito da saúde, em populações tradicionais, que habitam AP’s ou não; ou seja, os próprios indivíduos organizam seus sistemas considerando suas tradições e crenças. É óbvio considerar que o acesso à educação é um direito de todos, mas é preciso refletir como se deve proceder a esse processo, não esquecendo de levar em conta todas as complexidades inerentes aos espaços e a história de vida de cada povo. Há antropólogos e profissionais da área de saúde do mundo inteiro interessados em apreender as os saberes de populações indígenas em relação ao uso de plantas medicinais. Assim, a partir de tal argumento, seria interessante engendrar uma reflexão a respeito do que vem a ser educação, saúde e tecnologia, pelo menos para estes povos ditos tradicionais. Outra questão não menos preconceituosa é a crença de que o “nosso” modo de vida, aquele que está intimamente ligado à cidade, é o melhor. Por outro lado, há os defensores da permanência de populações humanas em AP’s. Para estes existe a possibilidade real dessas populações fazerem o uso racional dos recursos naturais e a convicção de que a conservação ambiental não pode ser concebida de forma separada das outras políticas do Estado, nem dos direitos humanos, ou seja, não é possível desalojar as pessoas da unidade de conservação e dar a questão por encerrada (BENSUSAN, 2006). Em relação a esta discussão, PEDROSO-JÚNIOR e SATO (2005), em experiência de trabalho de cunho etnoecológico, sugerem, que o resgate e a valorização dos conhecimentos das populações tradicionais aliados ao levantamento das problemáticas que estão interferindo negativamente na qualidade de vida como também de meios e alternativas para solucioná-las, são instrumentos úteis para o planejamento e o manejo de uma AP.

Para alguns cientistas, principalmente aqueles com formação tradicional, a presença humana nas AP’s é impossível, e ponto final. Então, estas AP’s servem para estarem lá, intocadas. E precisam ser contempladas, vistas como territórios selvagens, como um mito da natureza intocada, visitadas por turistas que há muito perderam o contato com a natureza nas grandes áreas urbanas do Planeta. Merecem, ainda serem estudadas e entendidas a partir de seus complexos sistemas ecológicos. Essa forma de pensar pode estar vinculada ao modo como as Universidades reproduzem, talvez de modo mais moderado em tempos de Terceiro Milênio, um ensino baseado no pensamento cartesiano, fragmentário, onde os entendimentos dos fenômenos são produzidos de modo compartimentalizado, sendo esquecida ou deixada lado a visão do todo, das relações, do mundo como uma rede de integração com o cosmos. Se pensarmos assim, como então “poderemos” conceber pessoas em AP’s? DIEGUES (2001), JOHANNESEN (2007), neste sentido, discutem sobre algumas experiências que envolvem populações e AP’s.

Muitos pensadores contemporâneos, como Edgar Morin, Frijot Capra, Boaventura de Sousa Santos e tantos outros discutem e sugerem a possibilidade do pensamento complexo, da interdisciplinaridade, do holismo, como forma de pensar e viver no mundo, inclusive fazer ciência. Muitos programas de conservação obtiveram mais sucesso quando os proponentes desses programas integraram os atores locais em suas metas. Por esta razão, cada vez mais biólogos, ecólogos, geógrafos, conservacionistas e pessoas que atuam em conservação da natureza estão se tornando sensíveis e abertos às questões sociais que envolvem a realidade das AP’s.

Muitas experiências têm mostrado a catástrofe que foi a exclusão de muitas populações, indígenas ou não, sobretudo na África e no continente americano. Muitos investigadores e gestores de AP’s na contemporaneidade têm se voltado para repensar a relevante contribuição que algumas populações humanas tiveram (e têm) para a conservação. Reconhecem, por exemplo, o valor intrínseco das tecnologias utilizadas para o uso dos recursos naturais, a manutenção da biodiversidade, a cultura fortemente atrelada ao uso da biodiversidade, os conhecimentos ecológicos tradicionais, etc. Neste contexto, VIVEIROS de CASTRO (2002) denominou a Amazônia de “Floresta Cultural”, por perceber a importância das populações tradicionais para a manutenção da biodiversidade, que desde séculos passados têm contribuído significativamente para a manutenção e equilíbrio de muitas áreas e que para estes povos os seus territórios não são vistos como selvagens, mas como sua casa.

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